Crítica - Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah, 2021)

O filme mais surpreendente da atual temporada.

🚨🚨 - O texto contém spoilers, mas isso não é nada, o filme é baseado em uma história real, só Googlar que tu já lê a história toda - 🚨🚨

O Partido dos Panteras Negras (ou Black Panther Party, no inglês original) é um movimento fundado em 1966 por Huey P. Newton e Bobby Seale (esse último conhecido nessa temporada de premiações por ter sido interpretado por Yahya Abdull-Maten II em "Os 7 de Chicago") e foi um movimento que se expandiu por grande parte dos Estados Unidos, chegando em Chicago, no Illinois e em 1968, um jovem de 21 anos chamado Fred Hampton se torna presidente dessa filial de Chicago e se diz um revolucionário. A luta do Partido dos Panteras Negras é sim, sensacional, acho toda a luta deles contra o racismo obviamente válida e influente até hoje, uma luta incrível e tem uma frase do personagem do Jesse Plemmons no filme, onde ele diz mais ou menos: "os Panteras Negras e a Klan são iguais, dois grupos que buscam a supremacia de uma raça através da violência" e essa frase (completamente absurda e revoltante) vai repercutindo na cabeça do personagem do Lakeith Stanfield o filme todo de forma que você sente isso, pois Roy compara o movimento que lhe oprime com o movimento que lhe apoia e ele fica em conflito com si próprio por conta disso, mas no fundo ele sabe que não são iguais.

O título do filme é algo que me intrigou desde que a Warner soltou o primeiro trailer, eu vi o trailer passando numa timeline de uma rede social e vi o trailer de uma forma meio "que que é isso?" E o trailer era pequeno, mas que já mostrava que o filme seria algo maior, que o filme seria impactante e que Daniel Kaluuya daria um banho na sua atuação, mas voltando ao título, quando eu li o título, eu automaticamente pensei "como assim Judas?" e só vendo o filme que dá para entender melhor o título, porque o tal Messias Negro é obviamente o Fred Hampton, o personagem do Daniel Kaluuya, que se posiciona de uma forma fortíssima como um "salvador", tanto que a cena do primeiro trailer é só ele dizendo "eu sou um revolucionário", mas agora o tal do Judas quem era? Em que sentido era?

O diretor Shaka King começa o filme te mostrando que William O'Neal é um ladrão de carros que se passa como agente do FBI e que quando o próprio FBI o captura, o agente Roy Mitchell vê uma oportunidade de infiltrá-lo nos Panteras Negras, já que O'Neal era um homem preto, então você vai começando a pensar durante quase todo o filme que ele é Judas porque ele tá se aproximando muito dos Panteras Negras, mas trabalha para o FBI, mas depois em uma certa parte, na meia-hora final, Shaka faz uma brincadeira tentando ensinuar ao espectador que ele vai ser Judas traindo o FBI para ficar com os Panteras Negras, mas não acontece isso, achei isso ótimo da parte de Shaka, pois ele brinca com o raciocínio do espectador, o espectador pensa o filme inteiro que ele vai trair os Panteras (que é o que acaba acontecendo no final), mas nunca percebe que ele tá se apegando aos Panteras, aos membros, no caso, tanto que quanto o Fred estava preso, ele assume a posição de líder do BPP. E a comparação bíblica com Judas e Jesus é algo perfeito, pois Judas entrega Jesus para a morte e se sente tão culpado que depois ele se mata, que é exatamente o que acontece aqui no dia que o documentário que fala sobre isso é lançado na televisão, O'Neal se sente tão culpado por sua traição que se enforca.

Inclusive Shaka King é um diretor espetacular, aonde que tava esse cara? Ele é um diretor maravilhoso, pelo menos nesse filme. Pelo o que eu pesquisei, antes daqui ele tinha feito só um filme desconhecido, quatro curtas e dirigiu alguns episódios de três séries diferentes, mas acho que a partir de agora ele vai ganhar mais destaque. A primeira vista parece que o filme vai ser só um drama político, mas Shaka transforma o filme num grande thriller criminal, um filme de gângster, enquanto eu via o filme eu só conseguia pensar na inspiração dos filmes do Scorsese, em especial "Os Infiltrados" por motivos meio óbvios, a trama se parece um pouco pelos policiais se infiltrando numa organização procurada pelo governo na época, e as cenas, os movimentos de câmera e as cenas de ação são muito parecidas, como por exemplo, Shaka te coloca nas cenas de tiroteio como um dos atiradores, no meio da ação. Shaka também dá um ritmo muito rápido para o filme e é totalmente não-didático, é um filme impossível de ver sem legenda, é um filme que é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas é tudo muito arrumado, tudo organizado que dá para entender se você se imergir na trama.

Falando das atuações, o filme tem um trio masculino poderoso. O Lakeith Stanfield faz muito bem o O'Neal, ele consegue muito bem demonstrar o drama dele de ser descoberto, o medo dele de ser descoberto como um rato e ele consegue muito bem demonstrar o que o personagem tá sentindo, tem uma cena no final onde ele sabe do que vai acontecer e pede para ir embora da sede, ele tá tremendo de choro e é absurdo, ele não fala muito no filme, ele atua com o rosto, com expressões e cada expressão é algo que o espectador sente a mesma coisa que ele e você vendo o Lakeith na vida real ele é um cara meio vida loka e ele tá muito diferente aqui, eu indicaria ele para o Oscar, tranquilamente. O Jesse Plemmons também tá ótimo, ele aparece pouco no filme, mas ele quando aparece apresenta uma imponência da agente do FBI, ele também sabe muito bem explicar seus pontos e tem uma cena no filme onde o chefe dele (AKA J. Edgar Hoover) meio que encurrala ele perguntando "o que você faria se sua filha trouxesse um crioulo para sua casa?" e ele trava, fica sem reação, sensacional a performance dele nessa parte.

E o Daniel Kaluuya rouba o filme, ele incorpora o Fred Hampton, no final do filme passa um videozinho do real Fred Hampton e é igual o jeito que ele fala, os trejeitos, o jeito de andar meio torto, parece que o espírito do Fred Hampton possuiu o corpo dele, inclusive é só ver o Kaluuya na vida real, nas entrevistas que você vê que ele é um cara muito de boa e no filme ele tá doidasso, consegue demonstrar os pensamentos e posicionamentos de uma forma crível, é absurdo, os prêmios que ele tá ganhando são totalmente merecidos.

Em "Judas e o Messias Negro" temos um dos melhores filmes da temporada de premiações 2020/21, um filme que tem uma discussão política muito boa, mas que vira um filme de gângster e o diretor Shaka King te coloca quase como um personagem no filme acompanhando a jornada daqueles personagens, com um trio de atuações espetacular e um diretor super promissor, ganhamos um dos grandes filmes desse século, merece muito mais reconhecimento do que já tá recebendo, filmaço absurdo!

Nota - 8,5/10

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