Crítica - Os Fantasmas Se Divertem (Beetlejuice, 1988)

O início do estabelecimento de Tim Burton em um de seus clássicos.

Eu já falei isso por aqui, mas eu sou um admirador do cinema do Tim Burton. É claro, não vi todos os seus filmes, nem gosto de todos que eu vi (alguns meses atrás eu vi seu "Planeta dos Macacos" e é, no mínimo, complicado, para não falar outra coisa). Eu adoro essa estética gótica, com uma comédia sádica e ácida que é muito bem trabalhada, e as loucuras que ele cria são sempre inacreditáveis, tem sempre um tom de conto de fadas, algo fantástico que você fica fascinado ao olhar os cenários, os figurinos, as maquiagens, a fotografia, as cores, e tudo mais. Este aqui foi seu primeiro grande filme, onde ele já demonstra vários de seus tiques e de sua estilização, do tom que ele gosta de trabalhar, da originalidade que ele gosta de trazer à suas obras, além de trazer atores que se repetem dentro de sua filmografia, aqui no caso, por exemplo, temos o grande Michael Keaton (que foi seu Batman posteriormente em dois filmes, fazendo um total de cinco colaborações com Burton) e Winona Ryder (que depois a co-estrela de "Edward Mãos de Tesoura", e trabalhou em quatro longas com o diretor). Estou aqui para falar sobre ele, pois recentemente ele tornou-se uma franquia cinematográfica, ao lançar uma sequência 36 anos após a estreia deste, e cá estamos para revisitar. Será este um produto de seu tempo que envelheceu mal, ou ainda funciona nos dias atuais?

O casal Barbara (Geena Davis) e Adam (Alec Baldwin) vive feliz num casarão no topo de uma montanha, até que um dia, eles sofrem um acidente de carro e acabam indo de ralo. Com isso, eles se tornam fantasmas, e são condenados a assombrar seu antigo lar, que é vendido para o corretor imobiliário Charles (Jeffrey Jones), que vive com sua filha Lydia (Winona Ryder) e a sua nova esposa Delia (Catherine O'Hara). Com raiva de ver seu lar sendo mudado e moldado ao gosto de outras pessoas, eles decidem tentar assombrar a nova família até que eles queiram dar o fora dali o mais rápido possível. Porém, eles se sentem incapazes de realizar tais ações, e talvez precisem da ajuda do tal Betelgeuse, ou Beetlejuice, ou como é melhor, na versão brasileira: Besouro Suco (Michael Keaton), para cumprir seus objetivos, enquanto o fantasma maluco se diverte. Esse aqui é um dos maiores clássicos da Sessão da Tarde, vi algumas vezes quando era criança, confesso que não foi tão marcante quanto outros filmes da mesma época que vi no mesmo período, porém, ainda assim, sempre gostei muito. Tive receio de reassistir pois não queria arruinar uma experiência tão legal que tive quando criança, e ter uma decepção de que talvez o filme não fosse tão bom assim. Entretanto, me surpreendi não só com a qualidade do filme, mas quanto minha memória e propriamente tudo que vemos sobre ele na internet nos engana, já que o personagem que dá o título mal aparece no longa. O que, propriamente, não é um problema, já que se sustenta e dura sem ele, entretanto, é muito melhor quando o Keaton está em cena.

Como disse no primeiro parágrafo, essa é a grande apresentação de Tim Burton para o mundo, em uma obra que é um sucesso global aparentemente até hoje (pela bilheteria que a continuação vem fazendo, pelo menos). Aqui são os primeiros passos dele dentro de sua loucura autoral, onde ele estrutura simples histórias e lendas em contos contemporâneos (à época) e cria um universo de fantasia onde você se fascina por conceitos e pela originalidade de todos eles. É um filme de 1988, relativamente não era o que tinha mais investimento na época, apesar de ter tido um orçamento generoso, mas aqui, mesmo com limitações tecnológicas, a criatividade acaba se sobrepondo quanto aos supostos problemas. Claramente tem coisas que fizeram datadas, existem efeitos computadorizados que, hoje em dia, soam ridículos, talvez até na época fosse meio abaixo, já que nem ao Oscar de efeitos visuais este longa concorreu, já que outros trabalhos do mesmo ano tiveram mais recursos monetários e tecnológicos para superá-lo, especialmente "Uma Cilada para Roger Rabbit"(1988), que é um clássico sem precedentes. Algumas cenas hoje soam muito artificiais, mas talvez seja essa bizarrice e essa falta de desenvolvimento digital que seja um certo charme, na realidade, não é um problema, já que todo o resto técnico contorna isto com maestria.

Burton conta sua história de maneira muito leve, ele apresenta bem seus personagens, ele sabe o que ele quer trabalhar, ele tem conflitos interessantes. Entretanto, o que deixa a desejar, que o inexperiente Burton deixou passar, foi o conflito entre a vida e a morte, que é bem raso. Tinha tudo para ser uma baita discussão durante todo o longa, mas a única vez em que é bem explorado é já na finaleira, onde a Lydia deseja cometer o oposto de viver para ficar junto dos fantasmas, só que acaba sendo resolvido com facilidade através de diálogo. Falta mais reação dos personagens ao acontecido, faltou mais drama para a aceitação deles como mortos, existe uma cena de negação e depois some este conflito e passa a ser o conflito da morte com a situação fantasmagórica, e aí sim é muito bem explorado, já que grande parte da diversão da obra vem pelo casal principal descobrindo e praticando sua nova forma, se aceitando na sua nova função e tendo que aprender a assombrar. Os momentos deles inexperientes tentando assustar os residentes com lençóis, ironizando do conceito clássico e básico da lenda que inspira a obra, cara, é brilhante, é usado com inteligência. Outra cena que, creio eu, ser a mais icônica do longa, é a do jantar, tocando "Day O" do Harry Belafonte, que é completamente aleatória, mas é tão bem feita, atuada e brilhante, com uma sutileza humorística invejável.

O casal principal é excelente, são ótimos protagonistas. O Alec Baldwin e a Geena Davis tem uma química muito boa, muito natural. Desde a primeira cena você já compra os dois como um casal feliz, com um relacionamento duradouro e sem muitos dilemas, apenas um cara que gostava de tentar replicar a cidade em suas maquetes e uma moça cotidiana que só quer sentir a tranquilidade de seu lar. A relação dos dois é tão boa, é uma sintonia incrível entre eles, já que eles passam uma vibe de casal junto há muito tempo, e a interação entre eles é ótima. Vemos também que eles tem seus problemas, como um trauma de nunca ter tido um filho, que é algo que os dois querem e tentam há bastante tempo. Eles acabam que encontrando essa figura na Lydia, que vira basicamente uma filha para eles no final, já que ela convive com um pai e uma madrasta que são negligentes à sua existência, ela está lá, eles sabem, mas não se importam com ela, em conversar com ela, entender seu lado, seus jeitos, opiniões e gostos. Acaba que isso é encontrado por ela no casal fantasmagórico camarada, onde eles ajudam ela com tarefas, ela os ajuda com materiais para a casa e para as maquetes. O Adam ajuda ela com a lição de casa, a estudar para as provas, e a Barbara protege ela como uma verdadeira mãe-ursa. É uma relação muito legal que se cria.

Esse co-protagonismo com a Lydia é bem legal, sendo um excelente trabalho de desenvolvimento no arco dos humanos. Ela que é uma personagem quase que revolucionária dentro do cinema daquela época e impacta até hoje, já que a personagem é basicamente a primeira emo da história (aí vai de cada um se isso foi bom ou uma maldição). A Winona Ryder tinha apenas dezessete anos no lançamento, foi sua revelação para o público geral, e aqui ela consegue sustentar boa parte do longa, já que ela traz tanto o lado da criança que se sente renegada, que fica meio abandonada quando o pai se casa com uma nova mulher, que ela se vê como uma estranha e incomum, ela é uma pré-adolescente que quer encontrar seu lugar no mundo, e não sabe onde encontrá-lo. Ryder tem uma excelente interação tanto com o casal fantasma protagonista, quanto dos membros de sua família. Os visuais dela são o retrato perfeito do que é o cinema do Tim Burton, uma bagunça gótica, colorida, arrumada e aparentemente meio perdida, mas como um todo, vai se encontrando. Os pais dela também são bons, o Jeffrey Jones (que é um criminoso e um lixo de ser humano, diga-se de passagem) vai bem, fazendo um corretor de imóveis rico, que quer apenas relaxar à primeira vista (depois vemos em um diálogo rápido que ele na verdade é quase um magnata) e que meio que ignora sua filha. E a madrasta, a Delia, que tem uma atuação maravilhosa da Catherine O'Hara, como uma artista excêntrica incompreendida, que gosta de cor, de diversidade, de extrapolação (basicamente é outro retrato do cinema do Tim Burton) e que se sente meio deslocada em meio àquela casa no campo que se difere de todos os seus costumes.

Mas o destaque, a estrela é ele, o Besouro Suco (Besouro Suco, Besouro Suco... Ah, droga, ele não existe). Cara, o Michael Keaton é um absurdo nesse papel, e é impressionante que ele não aparece quase nada, ele tem vinte minutos de tempo de tela, leva o nome do filme e ainda rouba o protagonismo do trio estabelecido na trama como o principal. Ele é extremamente excêntrico, o Keaton tem um carisma de outro mundo, ele faz algo muito teatral, exibido, louco, que te convence desde o primeiro minuto. A interação dele com os cenários, a forma como ele aparece na história e o jeito que ele se desenrola no meio de tantos outros bons personagens é espetacular. E o que faz ele ser marcante é justamente ele aparecer tão pouco, já que acaba criando uma ânsia para a próxima vez que ele virá a aparecer, onde você quer ver que loucuras esse bioexterminador renegado fará na próxima vez. Não satura o personagem, pois do jeito que o Keaton atua, ter ele em cena durante toda a exibição seria insuportável, seria um filme cansativo, e ele aparecendo da forma que é, já deixou ele icônico e maior que o longa. Esse conceito dele ser um clandestino já é muito bom, pois se você já tinha visto em cena tanta loucura naquela sala de espera, ele ser o excluído daquele pessoal mostra que ele é totalmente insano. É claro que é preciso um disclaimer, já que muitas das coisas que ele faz são criminosas, a cada cena ele quebra dois artigos do código penal, no mínimo (especialmente os que envolvem os direitos da mulher). A visão que eu tive desta vez foi a dele ser um total antagonista do longa, já que é ele o conflito que os personagens tem de resolver no clímax, e ele acaba sendo um bom contraponto para todos aqueles certinhos (e para a Lydia).

O worldbuilding do Tim Burton é outro ponto positivo a ser destacado, pois ele constrói lentamente, através de um livro que o casal principal recebe ao chegar no pós-vida, e os dois vão descobrindo junto ao espectador todos os conceitos sobre tudo que eles querem contar. São desenvolvidos conceitos sobre a morte, os fantasmas, as criaturas que eles viram após o falecimento, a burocracia disso tudo, que é uma crítica ao sistema de saúde e à repartição pública dos Estados Unidos. Existem conceitos interessantes neste mundo, como quem acaba cometendo suicídio é condenado a ser um funcionário público no mundo fantasmagórico (cara, isso é muito bom), e como outras maneiras de morte interferem em como eles estão neste pós-vida. Esses conceitos são muito bem construídos, como falei antes, mesmo com uma limitação orçamentária, consegue se contornar pela criatividade. A cena do deserto de massinha, a construção do cenário da maquete, as transformações do Besouro Suco, cara, são conceitos muito loucos para a época, e feitos com uma maestria. A parte de caracterização também é essencial para isso, pois os figurinos, especialmente do Besouro Suco, da Lydia e da Delia, são um retrato do que o Tim gosta de trabalhar e do que é constituído no estilo de cinema dele. E a maquiagem é sensacional, todas elas, desde a mais simples do Keaton, até as dos mortos no purgatório público, tem bicho azul, vermelho, sem cabeça, até a prótese de um rosto ósseo utilizada na Geena Davis é espetacular, sendo quase um prelúdio do que viria pela frente na carreira do realizador.

Creio que não há mais nada a ser desenvolvido, claro, tem outras coisas para falar, mas não que renda um parágrafo todo, como a trilha sonora espetacular do Danny Elfman, que cria toda a vibe necessária para este filme. Vibe esta de "Os Fantasmas Se Divertem" que é um grande clássico dos anos 80, um filme icônico, talvez não memorável, pois eu nem lembrava que tinha Alec Baldwin e Geena Davis com um destaque tão gigantesco assim no longa, mas que com certeza tem momentos que se canonizam por si só. Ótimos personagens, boas relações desenvolvidas entre eles, uma interação e uma química perfeita entre Baldwin e Davies, uma excelente performance da, então, revelação Winona Ryder, com seu estilo que moldou uma geração de meninas, que acabou moldando uma segunda na atualidade. Mas, é claro, o GOAT daqui é o Michael Keaton como Beetlejuice, um personagem tão lembrado, tão marcante, que rouba a cena com menos de vinte minutos de participação. Uma vibe de terrir, uma fantasia cômica espetacular, um ótimo entretenimento familiar, é tudo de bom, exceto por questões da época que hoje não são bem aceitas, como o Beetlejuice assediar toda mulher que ele vê pela frente, incluindo a Lydia, que era uma adolescente à época. Tirando isso e uma ou outra questão que poderia ser melhor desenvolvida, é divertido demais, merece a alcunha de clássico.

Nota - 8,0/10

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