Crítica - The Eletric State (2025)
A genérica superprodução dos Irmãos Russo para a Netflix de US$320 milhões.
Ano novo, vida nova, nova superprodução de diretores famosos com atores estelares cujo a Netflix gastou muito dinheiro para ser feito. Desta vez, jogaram na mão dos Irmãos Russo, diretores conhecidos pelo seu trabalho na Marvel, diga-se de passagem, um excelente trabalho, entregando alguns dos melhores filmes do MCU, incluindo a grande conclusão com "Vingadores: Guerra Infinita" (2018) e "Vingadores: Ultimato" (2019). Porém, após isso, decidiram tentar fazer outras coisas, atuar mais como produtores, e se encontraram rapidamente em uma parceria com a Netflix, tendo trabalhado com Sam Hargrave, ex-coordenador de dublês de seus filmes na Casa de Ideias, e criaram a ótima franquia "Resgate", que já nos rendeu dois ótimos filmes. Porém, eles como diretores, estão indo para outro caminho. Quando estavam na Marvel era notável que eles não tinham total autoria sobre seus projetos, e agora eles estão justificando o porquê disso: porque eles são ruins. Ok, ruins é uma palavra forte, eles são competentes, mas não conseguem fazer nada de diferente do que é o padrão do cinema blockbuster nos últimos anos. Tentaram fazer um drama de ação e espionagem com "Agente Oculto" (2022), que acabou sendo muito chato, prometeu bastante na época, não rolou. Agora, eles retornam aqui com um inacreditável orçamento de US$320 milhões, para um filme de streaming é nos entregam isso. Agora, a questão é: é ruim? Bem, propriamente não é ruim. É um filme bem feito, com efeitos visuais impressionantes e uma história coesa dentro do que se propõe... Na primeira metade, pois na segunda, aí é complicado. No geral, é um filme comum, que existe e que não vale a pena todo esse investimento para contar uma história dessas.
Nessa realidade, os robôs, nos anos 90, já estavam muito evoluídos e começaram a criar consciência sobre eles mesmos, entrando em guerra contra os humanos. No entanto, a raça humana venceu graças a uma tecnologia chamada de Neurocaster, que transfere a consciência humana para robôs, criada pelo magnata Ethan Skate (Stanley Tucci), e os robôs são exilados para campos isolados para criarem sua própria sociedade. No mundo pós-guerra, acompanhamos Michelle (Millie Bobby Brown), uma menina que perdeu seus pais e seu irmão no período da batalha em um acidente de carro, cujo ela foi a única sobrevivente, e agora, está transitando entre vários lares adotivos. Contudo, num dia, lhe aparece um robô chamado Cosmo (Alan Tudyk), que está, em tese, sendo controlado por seu irmão. Com isso, ela parte numa jornada em busca dele, indo direto para um campo de robôs tentar achá-lo. Nisso, ela contra o contrabandista John D. Keats (Chris Pratt), e seu amigo robô Herman (Anthony Mackie), que decidem ajudá-la a chegar até o seu destino. Enquanto isso, ambos são caçados por um militar em um neurocaster, Bradbury (Giancarlo Esposito), que quer caçar os robôs que os acompanham. Você leu a sinopse que eu acabei de escrever? Presumo que sim já que está lendo isso. Agora, me responda: quantas vezes você já viu algo assim? Um jovem órfão que se une a um bandido carismático em busca de um objetivo familiar em um mundo fantasioso? Isso é o básico da ficção, é tudo que nós já vimos um milhão de vezes.
Aqui crio mais uma questão: ser genérico é ruim? Já defendi muitas vezes por aqui que não, não necessariamente, já que se for um genérico bem trabalhado podem sair coisas excelentes e que causam uma diferenciação por uma forma diversa de contar uma história, ou por uma grande construção de universo. Acontece que neste caso aqui, os Irmãos Russo não fazem nada demais, não chega a ser mal feito, não dá para dizer que não existe um capricho aqui, mas todo esse trabalho que é bem feito, é no quesito técnico, já que nada em matéria de história, de personagens, de worldbuilding, acaba sendo literalmente só feito, já que não tem muito do que reclamar, mas também não tem nada a ser elogiado. É a velha história do adolescente órfão, que faz uma parceria improvável, gerando assim uma jornada cheia de peripécias e barulho, caçados por um militar que se porta tipo um Exterminador do Futuro, além de outro antagonista que é um engravatado milionário gênio da tecnologia, e vai ter plot twist, vai ter desentendimento, vai ter trilha sonora triste no piano, morte para motivar os protagonistas seguida de algum acontecimento trágico, vai ter tudo que há num blockbuster qualquer que existe.
A história é uma mescla de várias coisas, só de cabeça eu consigo encontrar elementos por aqui de "Jogador N°1" (2018) - esse o com mais elementos de todos, inclusive, e especialmente, o tratamento do vilão -, "E. T. O Extraterrestre" (1982), "O Exterminador do Futuro" (1984), "Gigantes de Aço" (2011), "Guardiões da Galáxia " (2014), "Star Wars" (1977), "Avatar" (2009), "Blade Runner - O Caçador de Andróides" (1982), "Ex Machina" (2015), "Maze Runner" (2014), "No Limite do Amanhã" (2014) e até o recente "Resistência" (2023). Esses filmes que eu acabei de citar, eles são originais? Não, não são, mas a maioria deles é tão bem feito que isso não é um empecilho, tornam-se ótimas experiências dependendo da direção, dos atores, da construção, da estética, trilha, diversos fatores que vão criando uma real experiência com uma obra. O que aqui não existe, já que tudo parece ser coisa feita por obrigação, baseada em análises de algoritmos nas coisas que fazem sucesso, fizeram um cuscuz paulista com isso tudo e saiu isso aqui. Os Irmãos Russo são diretores frouxos, que não sabem fazer nada de não o padrão de estúdio hollywoodiano, são dois patetas que corroboram com o pensamento dos grandes estúdios de lucros acima dos resultados. Ainda bem que eles na Marvel não tem autoralidade, pois eu tenho até medo de uma obra autoral deles. Aqui, eles não sabem o que fazer na história em muitos momentos, vão seguindo um roteiro pronto de outras coisas e vão seguindo a história na maior preguiça possível, não conseguem criar um arco, uma relação, uma coisa que seja acreditável naquilo como um todo. Tudo é emulação de Spielberg, de James Cameron, de Ridley Scott, de qualquer diretor blockbuster clássico, que são muito melhores que esses dois palhaços que se dizem diretores. Sem contar que eles são monstros terríveis, pois financiaram o fatídico "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" (2022) e eu não compactuo com isso aí.
A protagonista, dane-se, é a Millie Bobby Brown interpretando uma Eleven sem poderes, que busca o irmão dela, e blá blá blá, não tem família, não tem amigos, é revoltada, vive com parentes abusivos, odeia tudo, é uma adolescente comum desse tipo de filme. Literalmente eu não consigo te dizer se existe um arco dela por aqui, pois ela tem essa questão de buscar a única pessoa que lhe resta, uma esperança em ter uma parte da sua família de volta, mas ela não cresce, ela é estática dentro de sua personagem, a relação dela com os demais que vão aparecendo não agrega em nada ao seu desenvolvimento, ela é constante, terminando quase do mesmo jeito que começou, com um ou outro traço diferente para tentar maquiar que ela não teve nenhum trabalho. Dão um dilema a ela, mas é um dos mais inúteis que há, pois o que fazem ela escolher é a coisa mais óbvia a ser feita em prol daquele mundo. Criam toda uma relação dela com o irmão, que é a motivação dela o filme todo, mas esse é o único traço de personalidade que ela tem, pois tirando o irmão dela não existe absolutamente nada em que arriscam colocar algo para trabalhar com ela encima. E toda essa questão do irmão dela é um saco, esse moleque é o macguffin do filme, o personagem dele é todo jogado para ser a coisa mais importante do mundo (não é uma hipérbole), sendo que você não compra em nenhum momento o porquê dele ser tão necessário nessa trama, muito menos a relação dela com ele, que não passam de flashbacks durante toda a exibição deles vendo televisão e conversando sobre ele ser inteligente (é literalmente só isso).
O Chris Pratt é ele mesmo, ele faz esse papel de bobão carismático, que faz referências dos anos 70, 80 ou seja lá que época esse arquétipo vem buscando a nostalgia. Ele tem o charme dele, ele cativa, mas honestamente, dos atores que ficam se interpretando múltiplas vezes, este é o mais fraco, ele fica sempre nessa repetição, mudando de rostos mais sérios, parados, para uma repetição de alívio cômico do Star-Lord, literalmente emulando não só ele mesmo, mas por aqui ele tenta criar um personagem no estilo Han Solo, de aventureiro com um amigo incomum, que, honestamente, é uma das coisas menos piores daqui. Ele tem uma interação com um robô chamado Herm, que tem a voz feita pelo Anthony Mackie, e honestamente, a interação desses dois é a melhor coisa do filme, o Mackie é a melhor coisa, a voz dele é o que deixa o filme divertido em alguns momentos, as tiradas, a zoação dele com seu humano de estimação, o conceito do personagem de ir mudando de tamanho é muito interessante, apesar de ser mal-explorado o porquê, mas na prática é muito bacana. Só acho que o final dessa relação é meio incongruente, termina de uma forma que remete ao primeiro "Guardiões da Galáxia", cortando o clima e anulando o único impacto emocional que o filme conseguiu criar em mais de duas horas.
Sobre os demais personagens, gostaria de começar com o Ke Huy Quan, e esse mano é muito massa, discurso bonito no Oscar, tudo mais, porém, sinto em lhes informar que ele caiu na famosa maldição do Oscar, porque é impossível que alguém escolha tão mal os papéis que atua. Conta bancária deve estar cheia, ótimo para ele, ele merece muito dinheiro, esse cara é o Kanté cinematográfico, mas meu irmão, aqui o personagem dele é constrangedor. É o clássico arquétipo do cientista maluco, que tinha uma boa intenção trabalhando para uma corporação malvada e tornou-se um revolucionário, que usa 100% da capacidade do cérebro dele para construir um robô com todas as memórias e a voz dele, então é um papel duplo do Ke, e meu mano, é constrangedor aquele computador com o rosto animado dele em 8 bits, aquilo ali é o artifício de roteiro mais vagabundo do longa, porque chega a ser bizarro como eles tentam causar impacto matando fisicamente o personagem, mas continuam com ele utilizando esse robô cringe. Tem ainda outros personagens robóticos, tem o tal do Mr. Peanut, o líder daquela comunidade robótica, que não passa de uma propaganda maldita de alguma marca de amendoim dos EUA, é capitalista reverenciando capitalismo na forma mais escrachada possível. Aí tem outro que é um robô do beisebol, outra que é carteira. Visualmente personagens muito interessantes, muito bem feitos, os efeitos deles, realmente é crível eles em cena e a maneira na qual eles agem com os humanos, isso é muito bem trabalhado tecnicamente, mas você não se importa e não dá a mínima para nenhum deles e para nada que eles fazem.
Ainda tem os vilões, que aí sim é o cúmulo do genérico imaginável, sabe aquilo que você olha e percebe que já viu mais vezes que você mesmo no espelho? Então, é esse nível. O principal é o tal Dr. Skate, interpretado pelo Stanley Tucci. Meu mano, o nome do maluco é Skate, os caras não se esforçaram nem para pensar num nome de algo que não fosse um esporte, é a mesma coisa aqui no Brasil se fizessem um filme de sci-fi genérico e o vilão se chamasse Dr. Futevôlei. Outra coisa é que visualmente também é o arquétipo de cara malvadão empresário: careca, terno todo preto, óculos de armação redonda e fina. Além da maneira na qual ele se porta, andando daquele jeito travadão, com um rosto todo fechado, e tentando fazer paralelos com algumas coisas da nossa sociedade, paralelo religioso, dá uma preguiça desgraçada, coitado do Stanley Tucci por ter aceitado esse papel, devia estar passando fome. Além do Giancarlo Esposito, que aqui está bancando o T-800, fazendo um ex-militar num desses drones neurocaster, que serve como aquele capanga secundário que vai atrasando a vida dos protagonistas, tentando criar alguma espécie de conflito com eles. Mas não existe motivo para ele estar, tanto que no final o próprio personagem reconhece isso e decide abandonar seu posto, pois percebe que ele não queria mais lutar pelo o que estava lutando. Visivelmente acharam que seria uma cena bonita, emocionante, uma redenção, mas não tem impacto nenhum, assim como o personagem dele o longa todo. E o Giancarlo também só se repetindo nos papéis, é cada vez pior como ele vai fazendo esse vilão inexpressivo de comercial de Max Steel, ele está sendo bastante desperdiçado nesse arquétipo. Mas, assim como eu falei do Ke, a bagaça tá no bolso e tá gostoso.
Eu, honestamente, não tenho mais a obrigação de ficar falando disso aqui. Confesso que à medida que fui escrevendo o texto o filme foi ficando pior na minha cabeça, acho que isso é visível a cada parágrafo. Eu não acho ele de todo o mal, a primeira parte pelo menos gera algum entretenimento, a apresentação do mundo e do conceito é bacana, mas na segunda parte é onde "The Eletric State" se demonstra frágil, instável e capenga, tornando-se um zumbi do que havia se apresentado antes e transformando-se mais em algo ruim do que em genérico, que nem havia sido antes. Não é lá das piores coisas do mundo, tem muita coisa pior, mas isso é algo que eu não recomendaria para ninguém se quisesse ver algo bom, ou divertido, existem muitas opções melhores de entretenimento por aí. Aqui é só mais uma lavagem de dinheiro da Netflix. Bem feito? Sim, muito bem construído, visuais realmente excepcionais e que não causam estranhamento quando ao lado dos humanos. Porém, é inacreditável isso ter custado mais de 300 milhões de dólares, esse orçamento poderia ser doado para desenvolver mais tecnologias e ajudar na ciência e no desenvolvimento da humanidade, mas fizeram um filme que será esquecido mês que vem.
Nota - 4,5/10