Crítica - F1: O Filme (F1 The Movie, 2025)

A necessidade por velocidade.

Você já deve ter visto muitos filmes de carros, sobre carros, com carros e também com corridas de carros. Afinal, se você segue esta página, tem uma chance de 80% da animação "Carros" (2006) ter marcado a sua infância. Além disso, grandes filmes sobre automobilismo vem surgindo com força nos últimos quinze anos, desde que Ron Howard realizou "Rush - No Limite da Emoção" (2013), outros vieram na crista da onda e vários se saíram muito bem, como "Ford vs Ferrari" (2019) e "Ferrari" (2023). Porém, a maior modalidade de automobilismo mal tinha obras audiovisuais, que é a Fórmula 1. Isso se dá porque, como sabemos, quem investe mais dinheiro em cinema no mundo são os Estados Unidos e lá a F1 não é popular, sendo corridas como NASCAR as mais badaladas para os fãs do automobilismo estadunidenses. Contudo, isso muda quando em 2017 a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) foi comprada pela Liberty Media, um conglomerado americano de mídia, que está tentando conquistar o público nos EUA. Nisso, por que não através do cinema? Da maior mídia do mundo? E assim surgiu o projeto, que logo foi apoiado pela FIA, pelo Lewis Hamilton, e envolveu Brad Pitt como protagonista e produtor com sua Plan B, e a direção de Joseph Kosinski, responsável pelo fenômeno "Top Gun: Maverick" (2022). E, bom, é, não tinha como dar errado.

Sonny Hayes (Brad Pitt) é um estadunidense que foi a maior promessa da história da Fórmula 1 nos anos 90, sendo um fenômeno que ia conquistando o coração do público. Contudo, ele sofreu um acidente gravíssimo durante a temporada 1993, que o obrigou a se aposentar do cockpit. 30 anos depois, após perder tudo com apostas e fracassar em vários casamentos, Sonny recebe uma segunda chance quando seu velho companheiro Ruben Cervantes (Javier Bardem), agora dono de uma equipe na F1, a APXGP (Apex Group), lhe oferece uma vaga no seu time como piloto, precisando que ele vença uma corrida, pois em mais de três anos na competição, sua equipe não pontuou nenhuma vez e precisa ganhar um Grand Prix para que não seja vendida ou expulsa da F1. Nessa missão, Sonny precisa lidar com o segundo piloto da equipe, o jovem imprudente Joshua Pearce (Damson Idris), que não gosta da ideia de dividir os holofotes, além de Kate McKenna (Kerry Condon), diretora da equipe, a qual Sonny acaba se afeiçoando. Este é um blockbuster à moda antiga, onde temos do bom e do melhor na sua simplicidade e nas suas coisas mais complicadas ao mesmo tempo.

Joseph Kosinski veio lá de "Top Gun: Maverick", que é um dos filmes favoritos da minha vida, desde que eu trouxe a crítica desse filme lá em 2022 eu já vi ele sete vezes, então é um filme importante na minha vida. Foi isso que fez que eu criasse expectativa para F1, além de Brad Pitt, é claro, um dos meus atores favoritos. E bom, lá o diretor mexeu com avião, trouxe perfeitamente toda a experiência de estar em um caça para a tela do cinema, e agora a missão era trazer como é estar em uma pista de corrida a mais de 300 km/h, que é uma missão tão complicada quanto. Mas, se ele conseguiu nos céus, nas pistas ele conseguiu tirar de letra. Ele tem ideias muito boas de direção, já que ele filma as corridas por dentro, com as câmeras nos carros, mostrando a visão do motorista quanto a pista, intercalando com uma visão do rosto do piloto por trás do capacete, idêntica a câmera que ele usa para mostrar os pilotos de caça lá em Top Gun. Ele põe câmeras na pista, as visões por cima como se fosse uma transmissão televisiva, trazendo essas várias visões da corrida para criar uma aproximação maior do espectador com a modalidade.

Kosinski traz uma experiência imersiva, tensa e cheia de adrenalina quando se está dentro do autódromo. Desde a primeira cena, onde vemos a corrida de 24 horas de Daytona, até a última cena, com o Grande Prêmio de Abu Dhabi, sempre mantém uma consistência enorme nas cenas de corrida. Ele sabe muito bem trazer isso de forma tensa para o espectador, mostrando o lado de como é estar dentro da corrida, seja como o piloto, como alguém da direção, da parte da engenharia, da técnica, ou até como alguém que está vendo de fora. Você sente vários tipos de tensão diferentes mescladas, mas nenhuma se compara com ver os carros na pista, pois existem cenas de vários tipos que vão mostrando os vários lados de ser um piloto profissional, tem cena no calor extremo, na chuva, de dia, de noite, e o longa vai se adaptando a esses ambientes, ambientando os espectadores a ser parte daquela corrida de alguma forma. Obviamente, comparações são inevitáveis com outros filmes de corrida, e tem outros melhores como filme, de fato, mas acho que esse foi o longa de automobilismo que eu fiquei mais aflito assistindo, pois é essa incisão do Kosinski em trazer a imersão que cria um grande blockbuster mais uma vez.

O que o impede de ser o melhor filme sobre automobilismo que eu vi na vida na realidade é mais a questão criativa quanto a história, pois com vinte minutos de exibição você já mata tudo o que vai acontecer. Eu na realidade já esperava que iria ser assim, mas honestamente eu torcia para que fosse um pouquinho melhor. Não é ruim, é bom, mas eu considero que existe uma demora para engatar e essa história cativar de fato. O longa em si é cativante desde o início mais pelas corridas e pela parte técnica do que um roteiro bem escrito por si só. O início é meio apressado demais, com menos de trinta minutos você já foi apresentado a muita coisa que precisava de mais calma para ser colocada, pelo menos tinham ali uns dez minutos a mais que foram cortados e espremeram muito para caber em menos tempo. Dá para entender pela visão corporativa, passaria de três horas de filme se isso fosse assim, mas no sentido artístico da coisa perdem-se alguns momentos de pausa e cautela em uma construção narrativa que eu vejo como essenciais para desenvolver uma história como a que eles queriam contar.

História essa que você já imagina como que deve ser só de ver um único trailer, na real só de ver o poster ou ler a sinopse também. Na real, é daquele jeito clichêzão que você já espera. Por isso que lá no segundo parágrafo eu o defini como um "blockbuster à moda antiga", pois é feito daquele jeito clássico dos anos 80/90 que você já sabe de cor. Vários elementos, desde a batalha de gerações entre dois personagens principais, que começam como rivais e vão vencendo lentamente as diferenças até se tornarem uma boa dupla, ou o par romântico do protagonista que "não se envolve com pessoas do trabalho", mas abre uma exceção para o Brad Pitt porque ele tem o poder do protagonismo. Muitas das situações que acontecem aqui soam como adaptadas do próprio "Top Gun: Maverick" ou de outros longas desse estilo, especialmente essa briga geracional, que vai causar turbulências para vários lados, não só dos dois envolvidos, mas impacta em tal coisa ali, outra coisa lá, e transforma-se em um ponto de virada da narrativa, coisa que aqui acontece duas vezes. Mas, eu tenho que dar o braço a torcer, pois conseguiram dar um sentido narrativo para esses clichês, que aumentam mais a tensão de ver aqueles personagens correndo, dando não só um boost na adrenalina dos pilotos, mas saber o porquê deles estarem competindo, isso acaba sendo impactante.

Ainda sim, os maiores problemas ainda vem disso. Como eu disse, o filme tem uma deficiência de pontos de cautela, nisso, muitas informações, especialmente nesse início, são jogadas, mas vão se perdendo como lágrimas na chuva. É revelado no início que o Sonny Hayes correu na mesma equipe que Michael Schumacher, pela linha do tempo, possivelmente a Jordan, mas também é dito que ele correu junto com Ayrton Senna, sendo que a cronologia não bate de jeito nenhum, então existem essas incongruências. Outra coisa é que o Joshua fica falando que batalhou demais para estar ali, mas nunca mostra nada disso, nenhum possível sacrifício que ele tenha feito, é outra informação jogada que só deixa esse personagem detestável porque a obra precisa que você o deteste para trabalhar o arco dele mais para a frente. Mas o meu principal problema é o vilão genérico corporativo, só não é o pior porque ele faz a trama andar de alguma forma, mas honestamente tem mais destaque que o necessário, realmente ficam dando um destaque desnecessário para ele durante o grande clímax do filme, que não me incomodou na hora, mas pensando agora, era totalmente dispensável, só está lá para criar situações que são desnecessárias para o longa como um todo, pois poderiam ter finalizado aquele arco ali antes, tem uma cena antes da corrida começar que zela isso perfeitamente, mas ficam colocando de volta por algum motivo.

A parte técnica desse filme é um deleite, pois é uma daquelas superproduções que dá gosto de ver e não existe nenhum erro nesse quesito. O trabalho sonoro te põe dentro daquela pista, te dá a sensação de estar envolto e estar dentro do autódromo, como eles usam o som para imergir o espectador e criar o sentimento de adrenalina de estar dentro do cockpit é algo absurdo. Um mérito enorme é passar a real velocidade que tem um carro de Fórmula 1, já que você vê a transmissão na TV e não passa o quão rápido aqueles caras estão. Agora, aqui, eu me senti tão dentro do filme e dos ambientes da corrida, que eu tive um choque térmico quando o filme acabou, porque eu senti estar no calor da emoção da competição. Nisso, a montagem também é boa, pois é aquilo que eu falei, você não tem só a sensação de ser o piloto, você sente como parte da equipe, da mecânica, como um espectador, e o Kosinski dosa isso muito bem, sempre dando mais destaque para os pilotos, mas conseguindo fazer com que você consiga entender as diversas áreas de uma corrida, mesclado com a fotografia, que ajuda perfeitamente nesses diversos ângulos de câmera posicionados, que vão criando essa adrenalina na medida que o filme corta.

Outra coisa que constrói muito dessa imersão é a trilha do Hans Zimmer, que tem um tom quase épico ali, já que ela é usada majoritariamente nas corridas, então vai tendo uma construção dentro das cenas, ela vai se moldando e dando uma cara diferente ao esporte, similar a trilha de "Rivais" (2024). Mas, se fosse para citar um problema, seriam as músicas licenciadas. Como é uma superprodução, tem várias músicas que foram lançadas especialmente para cá, mas também tem muitas que já existiam e tocam, já começando com "Whole Lotta Love" do Led Zeppelin quase inteiro, depois vem "We Will Rock You" do Queen, uns rock batido, para demonstrar que o Sonny é tão preso ao passado que ele só escuta música de velho. As canções originais entram majoritariamente quando se trata de cenas envolvendo mais o Joshua, para demonstrar que ele é novo, da nova geração, nisso acabamos escutando músicas de artistas atuais, como "Lose My Mind", de Don Toliver e Doja Cat, "Messy", da ROSÉ, "OMG!", que é uma eletrônica que toca numa festa, e tem várias outras. O que me incomoda é que essas são tocadas em sequência, tem umas quatro que tocam uma atrás da outra e isso me incomodou, deixando o filme um pouco sem criatividade. As únicas duas canções compostas para o filme que eu gostei são "Bad as I Used to Be", do Chris Stapleton, que é um country numa pegada de rock clássico e é a música tema do personagem do Sonny, essa funciona muito bem. E "Drive", que é do Ed Sheeran, que toca nos créditos, e é um rockzinho bem massa também, no estilo Lenny Kravitz.

Falando agora mais sobre os personagens, eles conseguiram criar um Maverick das corridas perfeitamente. É assim que dá para descrever o Sonny Hayes, aquele cara velha guarda, legalzão, divertido, piadista, que é louco da cabeça e fica arriscando a própria vida a troco da adrenalina. É basicamente o mesmo personagem do Maverick, mas ele consegue ser tão legal quanto, você se afeiçoa a ele, eles conseguem trazer um background pesado a ele, o cara que era para ser uma lenda e nunca atingiu o nível pelas lesões, e depois disso foi tudo por água abaixo, perdeu tudo, mora num motorhome e tudo mais, mas ainda é aquele cara que tenta manter seu positivismo e buscar sempre fazer o que ele ama, não importa se é um racha qualquer ou a Fórmula 1, ele quer pilotar apenas, sem ligar para as recompensas, para os louros, para ele só importa ele, a estrada e a velocidade, correr de um jeito que parece que ele está voando. Brad Pitt está bem, não é um papel complicado, é uma atuação bem simples, mas não chega a soar como canastra, até porque ele é um baita de um ator e entrega uma profundidade dramática impressionante, nem precisava de tanto, mas ele tem momentos ali que são para indicação ao Oscar. Tem uma cena dele conversando com o seu interesse romântico numa varanda que você consegue comprar perfeitamente tudo que ele fala, você entende total o lado dele. Acho que se fosse outro ator talvez não daria tão certo quando deu com o Brad Pitt, esse filme seria um pouco pior se não fosse ele na tela.

Sobre os outros personagens, temos o Joshua, o principal companheiro/rival do Sonny Hayes, que é aquele típico personagem que você começa odiando, mas sabe que vai ter uma virada para gostar dele no final. Como eu falei, acho que tem coisa cortada, porque o desenvolvimento dele é meio atrapalhado por isso, ele fica falando dos sacrifícios que fez, mas isso nunca mais é demonstrado em cena de alguma forma. O que é mais mostrado é o embate geracional que existe entre ele e o Sonny, aquela velha história do "Rocky IV", onde temos a tecnologia e a modernidade enfrentando o simples e o clássico, e claro que o filme puxa sardinha para o "raíz", até porque é claro que jogar bolinha de tênis na parede e correr na rua é tão efetivo para um atleta quanto correr numa esteira a 30km/h e fazer exercícios com um profissional da área (ironia). Mas o ator que faz o Pearce é muito bom, o Damson Idris, porque ele consegue trazer as duas vertentes, do cara que é totalmente detestável até um cara legal mas que é envenenado pelo ambiente a sua volta, ele tem um núcleo ali meio tóxico da mãe e do melhor amigo que ficam alimentando o ego dele e nisso deixando ele mais arrogante do que ele já é. O Idris consegue trazer para a tela tudo isso, desde o mano que sente que está lá por mérito, que é um piloto talentoso, até esse babaca filhinho de mamãe, não se deixando cair num abismo por isso, pois você vai percebendo que as babaquices dele não são resultado só dele por si, dá para entender o porquê dele ser assim, obviamente tendo uma virada do personagem que deixa ele mais legal no fim do longa. Existe também uma dualidade muito bem trabalhada entre ele e o Sonny, já que eles são mais parecidos do que pensam, existem cenas onde o Sonny se enxerga mais novo no Pearce e o Pearce vê uma possibilidade de seu futuro no Sonny, isso é bem desenvolvido durante o longa inteiro, mostrando que talvez eles não odeiem um ao outro, mas sim o que eles vêem deles mesmos no outro.

O Javier Bardem também manda bem, ele faz um cara que era piloto na época do Sonny, amigo dele, mas que esse deu certo e ficou bilionário, e agora investe nas corridas. Eu acho ele um retrato perfeito do que poderia ter sido o Sonny se tudo tivesse dado certo, mesmo que não fosse exatamente o mesmo caminho, existe ali uma evolução do que o Sonny é, porque o Bardem faz bem isso, ele é o cara que entende o Sonny, porque ele é tão louco da cabeça quanto, porque ele era piloto, ele sabe como é estar no cockpit, ele entende, mas também ele faz um ótimo contraponto quando é necessário, fugindo bem do estereótipo de patrão engravatado. Já a Kate, interpretada pela Kerry Condon, faz um bom par romântico com o Brad Pitt. Creio que seja só isso também, pois o desenvolvimento dela é o típico desenvolvimento das personagens femininas dos anos 80, das produções do Jerry Bruckenheimer (que, curiosamente, é um dos produtores daqui também, olha só). Mas a Kerry Condon consegue se destacar pela atuação, ela entrega emoção na personagem, e traz uma boa química com o Brad Pitt, você consegue comprar os dois como casal com facilidade, eles tem cenas muito boas juntos que criam essa sensação de que eles são bons um para o outro.

No fim, "F1: O Filme" é um produto de propaganda da Fórmula 1 acima de tudo, mas é um baita produto e que consegue ser bom como filme também. Ele vende bem o esporte e dá, para quem não acompanha, vontade de acompanhar. Eu não sou fã de F1 (nem do esporte, nem do verde), o conhecimento que eu tenho sobre Fórmula 1 é totalmente superficial e vem mais por documentário e vídeo do que assistindo as corridas em si, e esse filme acabou me hypando para acompanhar as corridas (se vou, é outros quinhentos). Creio que também só tenha esse nível de alcance com pessoas que não são fãs do esporte, acho que talvez os adeptos mais ferozes não vão encontrar o que estejam procurando aqui, pois por mais que seja uma publicidade da F1, ainda é a história do Sonny Hayes, é a história de um personagem, usando a F1 apenas como um contexto, sendo este usado para vender um produto, tanto que é uma história que poderia ser encaixada em diversos contextos, mas funcionou no contexto das corridas. Um ótimo trabalho de Joseph Kosinski, uma atuação ótima de Brad Pitt e um grande elenco que compõe muito bem, é uma daquelas superproduções que dá gosto de ver, um blockbuster perfeito para você sair de casa num domingo a tarde e ir ver no cinema, pois tem tudo que você as vezes precisa: adrenalina, romance, competitividade, diversão e carros, além da experiência cinematográfica de ficar imerso no autódromo, em casa esse filme talvez não teria tanto impacto. Então, vão ao cinema assistir, vale a pena.

Nota - 8,0/10

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