Crítica - Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon, 2025)
Um bom live-action. Mas, precisava?
Depois de 15 anos sofrendo com as adaptações de animações em live-action pela Disney, tivemos uma nova infectada: a DreamWorks. É uma questão que é muito maior do que o lado artístico, é toda uma burocracia mercadológica, que se trata de uma empresa com franquias muito grandes que precisam continuar em alta no mercado para gerar lucros, por isso tivemos "Kung Fu Panda 4" no ano passado e teremos "Shrek 5" no ano que vem, a DreamWorks precisa manter essas marcas vivas para, basicamente, não falir e ser engolida pela Illumination dentro da Universal. Mas, diferente do Jureg ou do Panda do Balacobaco, não tinha como continuar a franquia "Como Treinar o Seu Dragão" de onde parou, pois essa de fato teve uma única história com início, meio e fim, então, a forma que eles encontraram de dar sequência ao título foi adaptando para o live-action, sendo o primeiro da produtora. Agora, vem sempre aquela velha discussão: é necessário? E existem várias respostas, pois pelo lado artístico, é claro que não, mas pelo lado de mercado e da máquina que são os grandes estúdios, era sim preciso uma nova história da franquia nos cinemas. A questão é que eles escolheram contar exatamente a mesma, sem nenhuma grande alteração, só mudando de algo animado para algo com atores em carne e osso, mas será que isso também é necessariamente ruim?
A história você já deve conhecer, mas mesmo assim, vamos lá para seguir o protocolo. Em Berk, uma ilha nórdica medieval, somos apresentados a uma sociedade de vikings que vive por lá pelas últimas sete gerações, e que está em uma eterna guerra com outro tipo de seres: os dragões. Soluço (Mason Thames) é o filho de Stoico (Gerard Butler), o chefe de Berk e lendário caçador de dragões. Mas, acontece que Soluço não leva jeito para seguir os caminhos do pai, sendo franzino, frágil e atrapalhado. Porém, com sua teimosia, um dia ele decide ir para a batalha e acaba acertando um dragão, só que ele também causa a derrota de seu povo, nisso sendo ridicularizado por tudo e todos em Berk. Quando ele vai atrás do dragão que ele acertou, tratava-se de uma espécie rara que ninguém jamais havia visto: um Fúria da Noite, mas Soluço hesita em matá-lo, pois sente uma conexão com o bicho, o nomeando como Banguela e decidindo treiná-lo. Com isso, Soluço precisa se provar e mostrar aos seus conterrâneos que dragões não são criaturas malignas e que estão apenas se defendendo, tentando acabar com a guerra e encerrar um ciclo que dura por gerações. Você aí que viu a animação, notou alguma diferença? É exatamente a mesma história.
Não é só a mesma história, é tudo o mesmo: os mesmos enquadramentos, os mesmos cenários, os mesmos movimentos de câmera, a mesma trilha sonora, até o Stoico é interpretado pelo Gerard Butler, que é o ator que dá voz ao personagem na trilogia animada. Mas, qual a grande diferença desse para um live-action da Disney? É que aqui tem o mesmo diretor e roteirista, Dean DeBlois, co-criador da franquia, consequentemente, é um filme que é cheio de coração e amor pela história que é contada, não é uma adaptação vazia que é feita só para lucrar, tem sentimento ali, é quase um tributo para a animação. Claro que é feito só para lucrar, expliquei isso no primeiro parágrafo, mas é bem feito e dá um propósito maior ao longa do que apenas ser um caça-níquel, pois dá para sentir a cada cena recriada, a cada vez que o tema principal toca, a cada fala dita por algum dos personagens, que quem estava envolvido realmente se importa com o que está fazendo aqui, não é feito de qualquer jeito que nem a concorrência faz só para lucrar encima de nostalgia e não tem alma nenhuma, aqui eles conseguiram lucrar com a nostalgia e nos deram alma.
Agora, outra questão também é: poderiam ter mudado alguma coisa, né? Porque quem viu os dois termina e acaba que viu o mesmo filme duas vezes, só mudando a forma de arte. É o velho dilema do live action, que não adianta que lado eles forem, vai haver reclamação, porque se faz igual reclama, se muda também reclama, mas a questão não é a mudança em si, na minha visão, são as mudanças ruins, onde decisões ruins são tomadas na maioria das vezes que eles buscam mudar. Uma que eu gosto muito é em "A Bela e a Fera" (2017), onde não é lá um grande filme, mas eles buscaram dar um desenvolvimento maior para a Fera e fizeram bem, a questão é que o resto do filme é chato. E aqui torna-se chato pela repetição, eu revi o primeiro mês passado e assisti a trilogia completa pela primeira vez no último mês que se passou enquanto eu estou escrevendo o texto e é uma história fantástica, mas existem coisas ali que se fossem removidas, deixariam na beira da obra-prima (já chego lá), e aqui eu sinto que falta um pouco disso, de trazer algo mais diferente, ou até que se encaixasse com as sequências e já pavimentasse o caminho, pois agora eles já sabem da história completa, nisso, poderiam trazer algo que fosse diferente do primeiro, mas que já correlacionasse com alguma coisa do segundo, por exemplo.
Eu aqui não vou perder tempo falando sobre desenvolvimento de personagem, história, nem nada, porque é a mesma coisa, quem quiser vai lá no meu Letterboxd que eu escrevi reviews bem sucintas sobre os três filmes. E aqui é tudo igual, você já sabe onde começa, onde quer chegar e onde termina. A maior mudança mesmo é no visual de alguns personagens, como a Astrid (Nico Parker), que é uma loirinha caucasiana de olhos azuis na animação e aqui no filme é interpretada por uma atriz mestiça de olhos verdes, ou os gêmeos Cabeça-Dura (Harry Trevaldwyn) e Cabeça-Quente (Brownyn James), que não são gêmeos, e na realidade nem um pouco parecidos um com o outro além da cor do cabelo e do branco dos olhos, sem contar que deram uma literal bufada na Cabeça-Quente, colocando ela gordinha, e não me pergunte o motivo, pois eu não sei a resposta, até pode ser justificado com "trazer a realidade das mulheres nórdicas daquela época, que eram acima do peso", mas aí não teriam escalado uma atriz mestiça como Astrid também. Eu sei lá qual o motivo disso (só para pontuar, o ator do Cabeça-Dura é igual ao do desenho, é bizarro). Essa é a única real mudança da animação para o live action. Tem uma ou outra inserção, uma cena mais demorada do que era antes, mas no grosso, é tudo igual, feito pela mesma pessoa, então, consequentemente, é bom, é bem feito.
A condução da história é exatamente a mesma também, não tem nenhuma novidade, mas eu fiquei impressionado e satisfeito pela forma como várias cenas foram trazidas para o live-action. Especialmente as cenas do Soluço treinando com o Banguela, as cenas de vôo, cara, é fantástico, eles voando pelas montanhas, pelo céu, era a coisa que eu mais queria ver como eles iriam fazer por aqui, e é tão bom quanto na animação. A fotografia do filme é bem interessante, fazem cenas que pareciam impossíveis serem não só possíveis, mas também tão bonitas quanto eles imaginaram lá na animação, especialmente as cenas de ação, de vôo, eu curto muito como eles trazem isso, é verdadeiramente fascinante. Também curti a abordagem em relação aos dragões visualmente falando, eu gostei desse design de todos eles, onde eles abraçam a fantasia e mesclam muito bem esse lado fantástico com algo mais real. Não é tão cartoonizado, mas também não é uma bizarrice mega realista como provavelmente teria sido lá nos anos 2010. Eles mantém designs semelhantes aos da animação, mas colocam escamas, como se fossem criaturas palpáveis da realidade, é muito melhor do que eu achei que fosse ser, confesso.
Toda a produção técnica é ótima na realidade, eles realmente se empenharam em tentar trazer aquele universo todo para a realidade. Os efeitos são muito bons, os dos dragões especialmente, o dragão gigante do final é um absurdo, deram uma aula de como fazer uma adaptação e colocaram o que era mais impossível e com mais chance de mudança que tinha, mas encararam e fizeram algo sensacional. Os figurinos também são excelentes, parece que colocaram as cenas no ChatGPT e mandaram transformar em realidade, de tão igual que ficou. Eu gostei muito da recriação do mundo, que consequentemente é uma reconstrução de época, e as roupas e as maquiagens são excelentes, gostei principalmente da caracterização do Gerard Butler como Stoico, que é o mais parecido de todos, mal parece o Gerard Butler na maioria das cenas, foi uma bela caracterização. Os cenários também são ótimos, me lembrou muito as locações do excelente "O Homem do Norte" (acho que são as mesmas, inclusive), curti bastante a reconstrução de Berk, a arena, a casa do Soluço, mas eu, honestamente, gostaria mais de ver mais, de ter mais cenas abertas. As cenas abertas, inclusive, tem um problema de tela verde, ou de substituição digital do céu, porque tem momentos externos que o chroma key é muito visível e realmente incomoda.
O elenco todo é muito bom, quer dizer, quase todo, porque honestamente eu detesto esse grupinho de jovens desde as animações, para mim são o problema crônico da franquia, eu torcia para todos eles morrerem, e aqui eles são tão insuportáveis quanto. Ok, pode ser proposital até no início, mas são personagens ruins, que não tem nada a oferecer para a história e que se fossem removidos, eu creio que eu gostaria muito mais dos filmes animados, e assim como aqui também. O Perna de Peixe (Julian Dennison) é um pateta que só está lá para ser o gordo que vão fazer piadas batidas de gordo. O Melequento (Gabriel Howell) é até bom ator, o personagem dele é mais legal na animação, mas isso para mim não é um elogio, é porque eu odeio esse personagem com todas as minhas forças. E os gêmeos são os piores, o moleque até que é bom, mas essa menina já era chata no desenho, aqui é a mesma coisa, e eu sei que essa em específico é propositalmente chata, mas até no proposital existe um limite que essa personagem passava nas animações e eles mantém isso no filme. Se forem mudar (e eu espero que mudem), seria uma mudança para melhor removerem esses personagens inteiramente das duas sequências, porque a função narrativa deles é inexistente, no que eles são úteis, também são facilmente substituíveis, e eu sei que é uma opinião impopular nesse caso, mas eu simplesmente não consigo gostar desse bando de imbecil.
Eu gostei muito do Soluço, o Mason Thames entrega bastante no papel. Esse moleque já se provou em filme de terror, em filme de comédia, e agora liderando um blockbuster de aventura e fantasia, estamos diante um futuro A-Lister em Hollywood. Ele traz bem as emoções do personagem, consegue trazer essa fragilidade do personagem, mas ao mesmo tempo a coragem disfarçada dele em ser diferente, em querer ser o amigo dos dragões e não mais um combatente. A relação dele com o Banguela é muito boa, eu não sinto tanta naturalidade quanto na animação, até porque lá eles estão no mesmo traço, aqui é um humano real interagindo com um bicho criado pelo computador, então é um ponto que é negativo por um lado, mas positivo pelo lado da atuação, por Thames conseguir trazer veracidade a uma relação com algo que não existe de verdade, uma competência absurda de um moleque que é mais novo que a maioria de nós. Cara, parece que ele nasceu para ser o Soluço, chega ao ponto que torna-se quase a mesma coisa da animação, é um excelente, especialmente do meio para o final. A única coisa que eu não acredito é que ele tem 14 anos, ele parece ter uns 17/18, mas ainda sim manda muito bem. O Banguela em si também está muito legal, ele é muito bonitinho e você consegue se apegar a ele quase como o original, é muito bonitinho e essa relação simbiótica entre os dois começa a dar as caras da evolução que sabemos que haverá.
A Nico Parker como Astrid está excelente, ela é que nem o Thames, parece que nasceu para o papel. Pode não ser tão parecida com a personagem, mas a personalidade dela é no ponto, é perfeita, ela entrega muito desse lado mais bad-ass dela, a imponência de uma jovem líder, mas também suas fragilidades, inconstâncias e como ela esconde isso para tentar ser essa figura de força, de querer ser a futura chefa de Berk, e a atriz consegue ter essa performance dramática excelente e ainda funciona muito bem com o Soluço, os dois atores tem uma química muito bem trabalhada e acaba sendo funcional dentro da narrativa. Espero que saibam desenvolver bem esse relacionamento, pois os dois deram potencial para ser algo melhor explorado nessa nova versão. O Gerard Butler como Stoico é uma das melhores coisas do filme, reprisando o papel, conseguindo trazer esse viking lendário, um cara que literalmente sai na mão com os dragões, mas ainda sim um pai, que vai assumindo para si que seu filho é uma decepção por não ser igual a ele, e como ele vai lidando com isso até a aceitação do Soluço como alguém diferenciado e que veio para mudar os padrões de Berk, é muito bem interpretado, creio que a familiaridade dele com o personagem ajudou nisso.
Afinal, "Como Treinar o Seu Dragão" live action é bom ou ruim? Ele é igual a animação, isso puxa esse filme para cima ou para baixo? Bom, eu confesso que eu acabei gostando, pois aqui é igual, é um copia+cola desgraçado, mas é feito pela mesma galera, então é feito por um pessoal que entende e ama o que está fazendo, isso dá uma perdoada por ser um caça-níquel descarado. Não ofende, é legal de assistir, e não apaga a animação, é apenas mais uma versão que está lá, que na minha visão não supera o original, mas que está lá, que consegue apresentar a história para um público existente que não gosta de animação, que acha muito infantil, então é esse pessoal que talvez seja o beneficiado por conhecer um universo tão fantástico. Não é covarde, ele toma as mesmas decisões corajosas da animação, traz para live action com maestria e conta com um elenco muito bom (nos personagens principais) para trazer uma nova vida e um novo fôlego à franquia. Parece que eu detonei o filme o texto inteiro, porque de fato tem algumas questões, que não chegam a ser problemas, mas ele é um filme que se discute mais a ideia do que a execução, já que a execução é a mesma do original e é 100% impossível evitar as comparações. Mas no geral é bom, é legal de assistir. Agora, se continuar sendo só esse Ctrl+C/Ctrl+V e ditar tendência, acho que teremos um grande problema na indústria.
Nota - 7,0/10