Crítica - Planeta dos Macacos: O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, 2014)
Após o sucesso do reboot "Planeta dos Macacos: A Origem" (2011), reinventando totalmente a franquia, uma sequência era esperada, contando como os símios dominaram todo o mundo. Foi anunciada uma trilogia contando a história de Caesar, que eu descobri desde o último texto que já era um personagem existente dentro desse mundo na franquia original dos anos 70, ele era realmente o líder que derrotou os humanos e iniciou essa dinastia, porém, eu vi esses filmes antigos e são péssimos (com exceção do primeiro, obviamente, e do terceiro, que é mais escrachado, mais cômico), especialmente os dois protagonizados pelo Caesar, que são os piores disparadamente, até os Trapalhões fizeram um longa mais coerente para a franquia. Houve mudança na direção, sai Rupert Wyatt (que havia sido confirmado, mas desistiu do projeto) e entrou Matt Reeves, que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com essa franquia, já que o ar muda totalmente. Não é apenas uma ficção científica, é um blockbuster completo, com uma atmosfera épica e grandiosa.
Mais de uma década após os eventos de Planeta dos Macacos: A Origem, é revelado que os experimentos no laboratório na qual os macacos eram cobaias tornou-se um vírus mortal que gerou uma pandemia, chamada de "Doença dos Símios" pela população, na qual o desentendimento e a ganância entre os humanos gerou a própria destruição. Já Caesar (Andy Serkis) e seus macacos construiram seu próprio lar e sociedade, vivendo isoladamente e em paz, com ele liderando o povo, casando-se e tendo dois filhos, um deles, Blue Eyes (Nick Thurston), ajudando nas caças e sendo treinado. Já no mundo humano, em San Francisco, uma zona de quarentena sofre com a falta de combustível, fazendo com que o líder, Dreyfus (Gary Oldman) envie Malcolm (Jason Clarke) atrás de uma hidrelétrica desativada a qual pode ajudar a manter a energia na cidade. Porém, a usina fica no território dos macacos, fazendo com que Caesar fique com o pé atrás em confiar nos humanos novamente. Ele dá um voto de confiança, mas Koba (Toby Kebbell), desafia a liderança por suas crenças, fazendo com que Caesar se questione se humanos e macacos são tão diferentes quanto ele imaginava.
Eu falei que o primeiro era à frente do tempo, falando que a mensagem sobre a autodestruição humana pelo egoísmo e síndrome de superioridade levaria ao final dela. Aqui, essa mensagem continua, mas está muito mais acima quando fala de uma pandemia. E olha, a previsão de como a humanidade lidaria com um período pandêmico felizmente estava errada, houve cooperação, pensamento pelo bem comum pela maioria das pessoas e deu certo. Porém, aqui a verdadeira mensagem é que o problema não é a espécie, é o pensamento, ao ter um antagonista símio pela primeira vez. Caesar crê durante o final do primeiro longa e metade desse segundo que os macacos são superiores aos humanos, seja por seu senso de comunidade, pela convivência, ou qualquer outro motivo que ele acredita, mas aqui há o quebramento dessa crença, fazendo com que ele tenha que aceitar que o problema não é a espécie, e sim os motivos: a ganância, o egoísmo, a mania de se achar superior.
A relação de Caesar com suas crenças é feita de maneira tão apoteótica que chega a ser fascinante, essa quebra de pensamento dele quanto aos dois povos é sensacional. Creio que os humanos nesse filme são os mais adoráveis da franquia, apesar de ter o humano desgraçado, cabeça quente, que tá lá para ser insuportável mesmo, interpretado pelo Kirk Acevedo. E também do Gary Oldman, que interpreta um ex-chefe de polícia paranóico, que pensa de maneira extremista, que tem medo de dar tudo errado novamente, perdeu os filhos pela doença e só quer que mais ninguém passe por alguma situação assim, dando para entender mais ou menos o porquê dele ser maluco. Já os outros são personagens muito bons, genuinamente boas pessoas e bem desenvolvidos. O Malcolm é meio que o good guy, o desbravador, que pensa de maneira mais racional quanto ao bem de toda comunidade. Seu filho, Alexander, é um adolescente traumatizado quanto ao viver em um mundo destruído e ter que lidar com um futuro incerto, guardando seus sentimentos enquanto a isso através de desenhos. E a Ellie é a curandeira, ela que tem os remédios, ela que pensa no bem comum acima de tudo e todos e tem essa preocupação geral.
A surpresa do protagonista com os humanos é equiparada à decepção dele com um de seus tenentes, Koba. Mas antes, é importante falar do que virou Caesar e a sociedade no meio tempo do anterior para este. É citado que se passaram dez invernos desde o anterior, os macacos criaram sua própria comunidade isolada, onde Caesar é o general, o líder, se casou e teve filhos, tem seus próprios tenentes e estabeleceu regras que todos devem seguir pelo bem comum da população, a principal delas sendo: "macaco não mata macaco". Acabou que a paz foi temporária, já que seguindo essa liderança pacífica, houve revoltas, já que pode mudar a espécie, mas não o pensamento. Koba era um dos fiéis comandados de Caesar, o qual o líder via bondade apesar de ter o pé atrás. Acaba que por essa liderança pacífica, surge esse rebelde, infeliz com o fato de deixarem os humanos vivendo, tornando-se um radical. Culmina em Caesar percebendo que macacos e humanos não são tão distintos quanto ele pensava.
Koba é um vilão sensacional, já que você consegue ter todo o mal da humanidade transpassado para esse animal. Ele é insano e vai tornando-se cada vez mais psicótico ao longo da trama, suas ações vão de rebeldia à tirania lentamente, fazendo com que ele vire um ditador louco e extremista. Isso enquanto Caesar, apesar de soar heresia a tudo que ele pensa, é um personagem com muita humanidade, creio que a convivência dele com humanos bons, com o James Franco e o John Lithgow, influenciou muito nisso, influencia até na pequena crença dele nas pessoas que chegam lá, na confiança que ele cria com Malcolm por ter tido o benefício da dúvida. Caesar é generoso, é um personagem muito acolhedor, bondoso, compreensivo, pacífico, além de ter uma liderança imponente, respeitosa, ser um cara que dá vontade de seguir. O contraste entre esses dois personagens é excelente, ainda mais quando você percebe que é tão bem feito que você esquece o fato de serem macacos que falam. Essa dualidade é bem explorada, que quando chega o tal confronto, o principal é obrigado a ser mais agressivo do que gostaria com um igual, sentindo-se obrigado a quebrar sua própria regra não só para acabar com aquilo que estava acontecendo, mas para tentar impedir que isso não se repetisse, passando a mensagem para qualquer um que ouse desafiar seu comando.
Mais uma vez é preciso reconhecer o trabalho de captura de movimento, dessa vez bem maior e também bem mais polido. É óbvio que Caesar sempre será o destaque, o que Andy Serkis faz é genial, é simplesmente brilhante. É inacreditável o quanto a tecnologia avançou ao ponto de fazer um ser humano passar tanta emoção, tanto sentimento através de uma construção digital de um macaco. Mas o que diferencia essa atuação fo Serkis não é só o que ele mostra, mas também, o que ele esconde. A diferença é sútil entre mostrar o que ele sente e o que ele demonstra, pois ele sempre está aparentando estar seguro, confiante, de peito estufado, mas você percebe no olhar e comportamento que ele tem um pé atrás, que ele tem um medo, e é isso que melhora mil vezes o trabalho genial do ator. Também acho necessário destacar o Toby Kebbell como o Koba, já que ele consegue transpassar tanta loucura através de sua performance corporal, através dos trejeitos e ações, que é um erro gigantesco subestimar tanto a atuação quanto ao personagem. Atuar bem já é muito difícil, mas conseguir fazer isso com tanta digitalização é um primor.
Na parte técnica, vocês sabem o que eu vou elogiar, mas antes gostaria de dar um destaque para o trabalho do Michael Giacchino. Este, para mim, é um dos melhores compositores em atividade nas telonas, com uma carreira invejável, o cara está em grandes blockbusters e em grandes franquias (tudo bem que no início ele trabalhava em uns filmes nada a ver, mas todo mundo tem que pagar conta), sempre com músicas excelentes, e aqui ele faz algo incrível, pois a música dele tem todo esse ar de presenciar uma história épica, a construção que levará a uma conclusão ainda mais incrível no longa seguinte. Obviamente, os efeitos são sensacionais, o mo-cap dos símios e a quantidade enorme disso são o grande diferencial, são dezenas e dezenas de primatas e cada um com detalhes diferentes para criar a exclusividade entre cada um, pelo menos os personagens mais principais tem um nível mais detalhado, seja uma cicatriz, um tom no pelo, na pele, é ótimo. É importante destacar também a direção de arte, não só dá floresta, da natureza, mas principalmente a civilização destroçada, em ruínas, onde as casas já foram tomadas por plantas e as zonas populadas são sujos e destroçados, excelente trabalho.
Eu só tenho elogios para essa trilogia, mas olha, eu digo uma coisa, há uma evolução qualitativa e muito disso é do trabalho do Matt Reeves, uma escolha, à época, bem comum, soava apenas como um diretor de estúdio, mas ele teve ali a liberdade para fazer de algo que já tinha um potencial prévio em um blockbuster espetacular e imersivo, mostrando ao mundo do cinema estar diante de um grande diretor blockbuster contemporâneo, depois provando isso na sequência e com seu Batman. "Planeta dos Macacos: O Confronto" é uma experiência blockbuster incrível, tem ação, drama, suspense, adrenalina, personagens excelentes, grandes atuações, parte técnica brilhante e uma mensagem por trás que evolui tudo ao redor. Andy Serkis dá mais um show como Caesar, que aqui já vai o consolidando como um grande protagonista e o personagem mais icônico da franquia, superando até o próprio Taylor do Charlton Heston. É sensacional e bom que só melhora.
Nota - 9,5/10