Crítica - Divertida Mente 2 (Inside Out 2, 2024)

Uma boa sequência e uma ótima expansão de universo.

Honestamente, nesses quase cinco anos de página, nunca me senti tão velho quanto agora. Era um moleque quando o primeiro filme foi lançado, não tinha noção de nada da vida, desde então nove anos se passaram, já passei por muitas coisas boas e ruins nesse tempo todo, e cá estou para analisar esta tão aguardada sequência. Alguns anos atrás, a Pixar havia anunciado que não iria faria mais sequência, apenas produções originais - o que não se concluiu, além desse, "Lightyear" (2022), do universo de Toy Story foi lançado, apesar de ser um spin-off. Enfim, voltando, quando houve este anúncio, o único filme que eu gostaria realmente de ver uma sequência era justamente "Divertida Mente", justamente pelo universo do filme ser a mente, e a cabeça humana é algo muito vasto e a mescla de memórias, ações, sentimentos, personalidade, consciência, segredos e tudo mais forma um universo fantástico incrível. A Pixar, que justamente ficou famosa pelo raciocínio "e se tal coisa tivesse sentimentos", foi além e deu sentimentos aos sentimentos. Como a cabeça de um ser humano é muito vasta e complexa, uma sequência mostrando o surgimento de novas emoções e vias da mente. E cá estamos, nove anos depois, e olha, bom, dá para dizer que eles acertaram.

Riley Anderson (Kensigton Tallman) agora é uma adolescente, extremamente inteligente e uma prodígio do hockey no gelo. Enquanto, dentro de sua cabeça, Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapiro) estão focados no seu trabalho em moldar a personalidade da garota. Porém, tudo muda um dia quando é acionado o botão da puberdade, e com isso, novas emoções surgem dentro da cabeça da Riley: a Inveja (Ayo Edebiri), o Tédio (Adèle Exarchopoulos), a Vergonha (Paul Walter Hauser) e a Ansiedade (Maya Hawke), essa a qual tenta tomar o controle durante um fim de semana decisivo perante ao futuro da menina. Nisso, ao mesmo tempo que acompanhamos Riley no mundo real enfrentando um dilema entre a amizade e o sucesso desportivo, enquanto na cabeça delas, as emoções primordiais buscam evitar que a Ansiedade estrague tudo. Aqui, sai o gênio Pete Docter da cadeira direção, dando lugar ao novato Kelsey Mann, que, bom, não é o Docter, que é simplesmente um dos melhores diretores de animação e o cara responsável pelos momentos mais emocionantes da Pixar, mas ele segura a bronca e consegue entregar uma aventura divertida, uma ótima opção de entretenimento, uma bela expansão de universo e algo que transita perfeitamente entre o drama e a comédia.

Eu considero o primeiro filme brilhante, não só divertido, legal de assistir e emocionante, mas a criatividade que os caras tiveram para criar todos os conceitos das emoções dentro da cabeça, de fazer um estudo psicológico lúdico de como funciona a mente humana, mostrando isso através de uma fase depressiva na infância, é sensacional. No segundo, como vemos a Riley anos depois, o que ataca ela é a ansiedade, esse sentimento desgraçado, praticamente uma doença, e, bom, acontece com muita gente, inclusive com este que vos fala, e cara, apesar de ser fantasia, de ser lúdico, os dois filmes ajudam a dar um entendimento e uma identificação com aquilo que está em tela, honestamente me faz questionar se esses divertidamente louco não existem não, porque não é possível, a forma na qual eles retratam a mente, as crises, os sonhos, os pensamentos, consciência, cara, é tão inventivo e tão verdadeiro que chega a dar esse sentimento real. Creio que o grande triunfo daqui é justamente conversar com todos os públicos: com o infantil, criando essa aventura colorida e divertida; com o adolescente, buscando a identificação com os dramas passados pela protagonista, seja a puberdade, a supervalorização dramática, as mudanças emotivas e tudo mais; com as pessoas que eram crianças e cresceram igual à Riley, pelo mesmo motivo do público anterior, é praticamente um crescimento conjunto, tal qual Andy em "Toy Story 3"; e os pais, onde ali tem piadas mais adultas, e tem identificação por já ter passado, ou ter um filho passando, ou se identificar com os dramas das emoções lá dentro, que tem seu próprio arco.

Honestamente, tinha medo de ser um caça-níquel, uma sequência que não acrescenta nada, mas não, é o contrário, adiciona completamente ao original, e acaba sendo um ótimo complemento, mesmo ambos os longas tendo histórias fechadas, o que abre ainda mais possibilidades para termos uma franquia. Eu, tranquilamente, consigo ver pelo menos mais dois filmes sendo lançados, um com a Riley na faculdade e outro com ela adulta com emprego e família. A inventividade é tamanha, eu espero chegar nesse nível de criatividade algum dia. Existe aqui tanto a potencialização de conceitos já apresentados anteriormente, como as ilhas e as memórias, mas pô, o que eles inventam aqui é simples, mas sensacional. Os segredos são em um banco, onde eles ficam armazenados em cofres. O sarcasmo é uma cratera que faz um eco diferente. A essência é um fluxo líquido com cordas sonoras. A única nova criação que me soou mal explorada foi a da autoconsciência, que acaba sendo uma espécie de macguffin e é meio que uma arvorezinha que vem consolidando dentro da cabeça da garota o que ela realmente é. No papel, é uma ótima ideia, geralmente é nessa idade que pegamos essa consciência mesmo e tudo mais, mas a exploração acaba sendo frágil ao final, criando uma confusão desnecessária envolvendo todos os sentimentos, que até agora eu não entendi muito bem, na realidade.

Uma coisa que o outro fazia, mas aqui também é potencializado, é esse estabelecimento da Riley como protagonista e a subversão de acompanharmos ela por dentro de sua cabeça. Aqui eu acho que a figura e os dramas dela são muito mais presentes, inclusive de uma forma bem clichê, que se destaca pela originalidade desse universo inteiro dentro de sua cabeça que ela nem sabe o que existe. Os acontecimentos podem ser familiares de muitos filmes sobre esporte, ou até mesmo outro assunto, música, teatro, etc; a prodígio que tem a oportunidade de seguir em frente naquilo que ama, vai chegar lá com suas amizades, encontrar com um ídolo, abandonar as amigas por esta figura idólatra, fugir do quarto no meio da noite, descobrir uma rejeição, e no clímax superar isso tudo, pedir perdão para as parcerias e final feliz. É uma trama já vista milhares de vezes, inclusive com sempre aquele exagero adolescente de aumentar todos os seus dramas como se fosse o fim do mundo. Porém, a forma como vemos os sentimentos dela sendo trabalhados através da sala de controle é o que dá o tchan de ficar distante da mesmice, especialmente a maneira na qual é tratada a ansiedade. Eu sofro com ansiedade, bastante inclusive, e cara, ver aquilo ali, que eu já passei por situações semelhantes, crises de ansiedade praticamente toda semana, e aquilo sendo explorado e exposto nessa forma lúdica e fantasiosa, porém que remete exatamente à sensação de estar tendo esse furacão dentro da sua cabeça, chega até a ser reconfortante. É claro que aqui é uma questão extremamente pessoal minha, mas pô, cinema é isso, se conseguiu conversar comigo de maneira tão pessoal, eu vou chegar aqui e falar o quê? É tão identificável que as vezes eu ficava meio desconfortável por estar do lado das pessoas rindo, enquanto eu estava me identificando com algumas situações.

Além do arco da Riley, outro arco bom que foi explorado foi o dos sentimentos. Primeiro, eu gostei bastante de terem dado foco principal para as emoções originais, creio que foi fundamental para o funcionamento da trama este destaque, já que cria mais apreço aos personagens. No primeiro, era um road movie entre Alegria e Tristeza, aqui é algo parecido, porém com todos os cinco. A Tristeza fica escanteada, pegando o gancho dela ter sido já bastante explorada anteriormente, para trazer esse desenvolvimento para Nojinho, Medo e Raiva. Acho que o Raiva é o melhor personagem, justamente por ele ser invocado e impaciente, aqui ele é um pouco mais controlado, mas existe uma ampliação dele de que ele quer o bem da Riley acima de tudo, mesmo com o jeito durão. O Medo é um alívio cômico, ele funciona bem nesse quesito, as ações dele são para gerar essa comicidade, porém ele tem atitudes importantes que acabam movendo a narrativa e nisso ganhando sua maior importância. A Nojinho soa meio deslocada, até ensaiam alguma coisa, mas nunca chega ao topo. Mas a Alegria continua sendo o centro, e aqui é um desenvolvimento bem comedido, já que ela não rouba o protagonismo da Riley, ao mesmo tempo que seu crescimento é essencial para ela entender quem é aquela que eles estão controlando. E acho interessante como cada emoção também tem as suas próprias emoções, e como aquilo mostra que não importa o que vai te mover, sempre vai ter tudo lá de qualquer forma. Se eu falar que tal personagem sentiu tal emoção esse texto vira bagunça, mas vendo em tela você consegue ter a percepção total dessa mensagem.

Sobre as novas emoções, temos quatro, bom, cinco com a Nostalgia, que é retratada como uma senhorinha dentro da mente da Riley, e eu achei legal essa gag de que ela não pode vir à sala de controle por estar muito cedo para isso, mas é só uma piadinha (uma boa). Agora, sobre as que tem uma espécie de arco mesmo, eu achei a personagem do Tédio um saco, chata que só a desgraça, o que é bom, já que é essa a intenção, eu gostei das metáforas, do aplicativo, da preguiça e como aquilo te torna irritante. A Inveja é retratada de maneira mais ingênua, é como um sentimento infantil, no sentido de ver e querer, se distanciando mais da parte interesseira e gananciosa (emoções que podem surgir caso haja a sequência da franquia), e essa retratação mais inocente da personagem, com sua agitação e fascinação por tudo, funciona bem. A Vergonha ser justamente o sentimento maior em questão de tamanho também foi uma sacada simples e funcional, eu gostei muito da participação dele, é um grandão tímido, de capuz e esse constraste é o que dá a graça da situação. Já a Ansiedade é o grande foco do longa, sendo uma figura antagônica. Ela é a vilã, mas não tem noção disso, e essa retratação é incrível, pois é justamente isso na vida real, você não tem noção da destruição e bagunça que a ansiedade realmente causa para sua saúde mental e física, é como se fosse um tornado, onde os pensamentos ruins ficam martelando na sua mente, e todos os cenários possíveis que você pensa são horríveis. Cara, a maneira que é retratada é tão certeira e madura, tão criativa, que cativa as crianças, mas atinge ali o público adulto ao lado entendendo realmente o que aquilo que se passa.

Sobre a direção, achei que o novato mandou bem. Ele traz esse senso aventureiro, esse "espírito Pixar" que tem em toda boa animação do estúdio, assim como a emoção. Eu tinha uma expectativa zerada quanto ao impacto emocional que esse longa teria, não por subestimar a Pixar, mas porque superar o primeiro nesse quesito é uma missão complicadíssima. Não supera, entretanto o impacto é muito bem feito e construído, em mais de um momento temos cenas emocionantes, seja no arco da Riley, que pega mais esse público infanto-juvenil, ou das emoções, que pega mais o público jovem e adulto. Agora, a técnica desse filme é impressionante, a animação é belíssima, tanto a do mundo real quanto da cabeça da Riley são muito bem construídas. A paleta de cores creio ser um destaque, a cada cenário vai se adaptando para demonstrar os sentimentos da Riley. Além do gráfico incrível, onde cada mínimo detalhe é excepcionalmente bem trabalhado, desde detalhes na malha das roupas, fios de cabelo, e os detalhes no gelo que são muito bonitos. Sobre a trilha sonora, sai o Michael Giacchino e entra a também novata Andrea Datzman, que não tem tanta força e nem é tão marcante, mas que quando precisa, é muito bem utilizada e impacta nas cenas finais.

Encerrando falando que "Divertida Mente 2" é uma das melhores continuações da Pixar, na minha opinião não chega tão perto assim do original, creio que tem alguns defeitos que o anterior não tem. É meio cíclico, é uma narrativa bem semelhante, mas que ganha acréscimo com a criatividade e com a emoção que colocam aqui. Realmente parece que quem fez se importa com o original e o respeita suficientemente para fazer algo de alto nível. As emoções já apresentadas tem seus arcos potencializados, bem mais participação, enquanto as novas ganham um bom destaque e tem bons arcos. A inventividade desse universo que é a cabeça humana, mesclado com gráficos lindíssimos e uma bela história que, apesar de, teoricamente, ser um clichê, acaba se destacando por sua mensagem e pela mesma atingir todos os públicos, seja o infantil pelas cores e a aventura, o adolescente pela identificação, o jovem e o adulto pelo entendimento, e o idoso por todos os motivos anteriores. É realmente muito bom, a espera valeu a pena, e olha, cabe mais.

Nota - 8,0/10

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