Crítica - Planeta dos Macacos: O Reinado (Kingdom of the Planet of the Apes, 2024)

Uma nova jornada e o legado de Caesar.

Depois de uma bem sucedida trilogia rebootando os acontecimentos da franquia clássica dos anos 60/70, era óbvio que uma hora iriam apelar para o sucesso de Planeta dos Macacos novamente, e olha, quando veio o anúncio... Eu duvidei. Me desculpem, mas quando anunciam um novo longa sem ninguém envolvido no que deu certo, sem o diretor e sem nenhum dos cabeças por trás da trilogia de Caesar, sem mesmo até o Michael Giacchino na trilha sonora, eu duvidei. Até porque quem anunciaram como diretor foi Wes Ball, um cara que não tem uma carreira tão admirável assim, com seu projeto de maior sucesso sendo a trilogia "Maze Runner" (2014-2018), que é uma daquelas franquias de sci-fi ou fantasia sobre mundos diferentes que fazem sucesso entre o público teen (eu nunca vi isso aí e nem pretendo também, eu estava julgando que era ruim pela capa mesmo). No protagonismo também existe um downgrade, já que sai o Andy Serkis, uma lenda, o gênio da captura de movimento, além de um cara super gente fina, o Alfred do Batman, o Gollum; e aqui eles colocam Owen Teague... Exatamente, quem? Algum ator novato por aí que fez sucesso em um episódio de "Black Mirror". Porém, como estou feliz de ter sido enganado, porque este é um dos melhores da franquia de todos, ele não é perfeito, tem seus problemas, mas com certeza é um dos melhores de 2024 já agora no primeiro semestre, é incrível, traz aquela experiência blockbuster completa que foi feita pelo Matt Reeves com os dois antecessores.

Muitas gerações após a morte de Caesar, os símios agora são a espécie dominante do planeta, enquanto os humanos vivem isolados e são uma espécie caçada. Em uma tribo, Noa (Owen Teague) é um jovem chimpanzé, o filho do líder, onde lá eles criam águias através do canto como principal tradição, e ele, ao completar a maioridade designada, finalmente terá sua própria ave. No entanto, quando em um dia o vilarejo é atacado por um exército de macacos extremistas que lutam em nome de Caesar, em mando do ditador Proximus (Kevin Durand), que se autointitula como Caesar. Noa precisa sair em uma jornada em busca de encontrar esse líder e libertar seu povo. No caminho, ele conhece Raka (Peter Macon), um orangotango do balacobaco que é um membro da Ordem de Caesar, cujo busca manter as verdadeiras tradições e pensamentos de seu "messias", sendo o último restante; e Mae (Freya Allan), uma humana inteligente que nunca havia sido avistada pelos símios, e que busca recuperar a dignidade de seu povo, tendo uma gana por conseguir seus objetivos acima de qualquer coisa. Em uma jornada de altos e baixos, Noa vai entendendo seu passado, seu futuro e seu lugar no mundo, além do legado de Caesar, que carrega consigo mesmo sem saber. Na primeira cena já começa bem, apelando para o lado emocional e fazendo uma transição certeira de uma trilogia para outra, onde vemos o funeral de Caesar e o legado deixado por ele sendo mais fortificado do que nunca.

A grande temática dessa franquia é qual? Humanidade e a autodestruição que ela causa por erros sendo repetidos, mostrando que não é exclusivo de uma espécie, que a civilização vai fazer acontecer com que os erros sejam cíclicos. É intrínseco, desde o original de 1968. Acontece isso na trilogia reboot com personagens antagônicos, como Koba e o Coronel. Aqui não é diferente, já que o nosso novo protagonista, Noa, vive em uma comunidade praticamente tribal, quase como um "povo originário símio", um pessoal bem tradicional, que criou sua própria cultura e tradição, tem toda uma relação com pássaros, o respeito à natureza e tudo mais. Porém, após um deslize, acaba que um povo muito mais avançado tecnológica e intelectualmente acabe vindo e destroçando o vilarejo de maneira brutal e completamente devastadora. É uma grande referência ao colonialismo e a rejeição ao novo, o que prova que humanos e macacos não eram tão diferentes quando eles pensam. Esse ponto de partida na jornada é crucial, já que Noa, se vendo como culpado, precisa ir, inicialmente sozinho encontrar seus conterrâneos.

Essa relação símios versus humanidade continua sendo um dos grandes pontos por aqui, já que temos todo tipo de visão quanto à isso: o extremismo dos macacos, o extremismo humano, o desconhecimento de fatos e o equilíbrio entre ambos. A figura de Caesar continua sendo muito forte, já que ele é o grande messias para esse povo dos macacos, mesmo que não há uma visão espiritual enquanto à isso, acaba sendo religioso de alguma forma. Enquanto alguns vão esquecendo a sua história (devido não terem nenhuma forma de comunicação não-verbal, como escrita e simbologia), outros tentam ao máximo repassar o que Caesar fez pelas informações que existem até então (eles achavam que Caesar vivia em paz com humanos por exemplo). Enquanto o vilão principal, Proximus, usa de Caesar como essa figura messiânica para manipular outros macacos, usando de seu acesso para informação pegando inspirações na história da humanidade, em especial o Império Romano, e ele utiliza isso para inventar uma figura que Caesar nunca foi e desrespeitar completamente a luta que ele teve, literalmente o usando como seu título.

A parte humana dessa vez vem de uma figura anti-heróica, a Mae, interpretada pela Freya Allan, que é uma personagem bem complexa. Ela começa se fingindo de irracional, como se fosse um ser primitivo, daquela forma que vemos lá no de 68, porém há uma volta em que descobrimos que não só ela é inteligente, como é bem esperta. O que eu gostei nela foi que ela é uma personagem dúbia, já que ela cria uma relação com o Noa de alguma forma, uma parceria, existe até uma confiança mútua, porém na maneira em que o diretor retrata e. cena, parece que sempre tem que estar de olho nela. E cara, ela cresceu traumatizada, provavelmente nascida em um bunker, em um mundo dominado por outra espécie, e ela ouvindo as histórias da população de antigamente, tem a fé de que um dia eles voltem a ser a espécie dominante nesse mundo. Porém, foi essa linha de raciocínio que botou os humanos nessa situação, se prevalecendo à própria natureza do planeta e nisso levando ao seu declínio. Ela sendo essa figura de rebeldia, de superioridade de espécie, que é ambiciosa, e tudo mais, acaba deixando ela uma personagem legal, porém bem desgraçada, até no final você acha que ela estava fazendo uma boa ação, e aí vem um take que muda tudo. Sendo desse jeito, o que a diferencia de Koba, por exemplo? Para ela parece que está fazendo o certo, porém é difícil aceitar, fazendo com que atitudes dela beirem (ou ultrapassem em uma das ocasiões) a barreira do antagonismo. É uma boa atuação da Freya Allan, eu gostei, porque se ela faz essa personagem tão dúbia, em que você gosta e desgosta dela dependendo do momento do longa, ela tem bastante mérito nisso.

Wes Ball foi escolhido justamente para dar um toque de juventude na franquia, trazendo esses personagens jovens e sonhadores para os papéis principais. O protagonista, Noa, é basicamente um adolescente meio burro, que comete os erros que o levam à própria jornada. Ele é claramente inspirado não só no Caesar, mas também no Simba de "O Rei Leão" (1994), já que é o jovem, que é filho do grande líder de um povo, aí tem um trauma, é obrigado a deixar seu lar e voltar posteriormente para salvá-lo (sim, tem muito de Rei Leão aqui, e de Avatar também, de certa forma). Olha, é difícil se equiparar ao Caesar e ao trabalho do Andy Serkis, mas devo dizer que, apesar de não passar perto, ainda sim é um personagem bem bacana, já que ele tem essa aura do protagonista clássico, que passa por uma jornada do herói até se consolidar ao final como a figura que ele queria ser no início. Owen Teague vai muito bem, ele tem também essa performance corporal bem difícil de se fazer, as expressões também são muito boas e conversam perfeitamente com o espectador. E a evolução de personagem é muito bem trabalhada, ele tem esse erro que ocasiona sua narrativa, ele tem um mentor excêntrico, um par romântico, melhor amigo, uma sidekick e um rival nessa jornada, fazendo com que seja uma história bem completa dele até então, apesar daqui ser apenas a base para exploração futura.

Outro bom personagem é Raka, o orangotango que guia Noa inicialmente nessa jornada. Ele é praticamente um descendente espiritual do Maurice, sendo um membro da já obsoleta Ordem de Caesar, que realçava os feitos do grande líder do passado. É claro que, em tantos anos sem informações concretas, algumas coisas que para nós que vimos a trilogia do Caesar não aconteceram, como a coexistência teoricamente tranquila entre macacos e humanos (acharam até que o Caesar construiu o shopping para eles). Porém, a relação de Raka com as palavras do primeiro legislador (como ele se refere) é praticamente religiosa, não é espiritual, sobrenatural, mas é devoção, e o esforço dele em manter esse legado vivo é o que faz dele o grande professor do protagonista nessa jornada. Agora, sobre o vilão, Proximus, é excelente. Proximus é a epítome do ditador, um cara que captura, escraviza e manipula o próprio povo em nome de Caesar e dizendo que é pela espécie, porém na verdade é só um ególatra esperto que utiliza-se de falsidades para subir ao topo (onde eu já vi isso antes? Ah, pois é). A atuação do Kevin Durand (que não, não é o do basquete) é sensacional, porque ele passa essa insanidade, essa manipulação, uma loucura através daqueles olhos escuros. Ele soa como um personagem de Mad Max perdido no meio dessa franquia, falando até uma frase semelhante a que é dita pelos War Boys dizendo que era de Caesar: "Que dia maravilhoso!". E se Noa é Simba, Proximus tem uma conclusão semelhante a de um vilão da Disney, construída da maneira mais coerente o possível.

Sobre a parte técnica, coisa que eu venho criticando em muitos filmes nos últimos dois anos, bom, aqui é um dos raros casos atuais de um blockbuster que não erra em absolutamente nada quanto aos efeitos. Cara, é perfeito, e olha que é superior ao que nós vimos na trilogia anterior mesmo com um orçamento menor. Os pelos nos personagens, as expressões deles, seja de medo, de curiosidade, de aflição, de conhecimento, é tudo muito bem feito, tem uma cena de choro onde até o nariz dos bichos começam a tremer, é absurdo. É um nível tão grande que vemos um macaco montado a cavalo com uma águia no braço e nenhum dos três existe, mas mesmo assim parece verossímil. Também é necessário falar de design de produção, já que temos construções diferentes ao longo da exibição, temos a floresta, a tribo (que remete bastante a "Avatar"), temos os locais abandonados por humanos, agora tomados totalmente por plantas e vegetações, e dá essa sensação de total desuso mesmo, uma construção bem distópica e legal visualmente, dá um tom legal ao que ocorre. A fotografia também é muito boa, especialmente em cenas noturnas ou escuras, já que geralmente essas cenas são feitas atualmente para esconder CGI ruim, mas aqui eles fazem questão de aproximar na pele e no rosto dos personagens para mostrar o quanto está bem feito. Por fim, trilha sonora, sai Michael Giacchino e entra Joe Paesano, compositor da série "Demolidor" (2015-2018) e do jogo "Marvel's Spider-Man" (2018), que é mais desconhecido, mas aqui dá um show pegando a trilha original e a do Giacchino e mesclando ao longo da exibição, especialmente a trilha do final é espetacular, a última cena com aquela música é puro cinema.

Felizmente, "Planeta dos Macacos: O Reinado" consegue se passar de um caça-níquel e ser, verdadeiramente, um filmaço. Equiparar-se aos filmes do Caesar é realmente complicado, eu acho esse um pouco melhor que o Origem, mas aqui há um estabelecimento muito bom de uma base muito interessante, que, apesar das inspirações em outras obras, consegue ser bem original dentro da franquia. Estabelece essa relação entre humanos e macacos, com uma apaziguação por parte dos símios e uma rivalidade, uma submissão dos humanos, como eles se vêem não sendo mais a espécie dominante e como isso acaba incomodando de qualquer forma. Bons personagens novos, gostei muito desse núcleo principal do Noa, Mae e do vilão Proximus, este último sendo um personagem realmente ameaçador quando aparece em cena. Não tem grandes problemas, eu particularmente acho que o Wes Ball tem algumas dificuldades ainda, existe uma certa repetição, mas nada que atrapalhe muito no geral. Só no final que tem um erro de continuidade gigantesco, mas que dá para passar de boa justificando pela magia do cinema. No mais, é mais uma excelente adição ao catálogo da franquia e um dos melhores da mesma, que bom que está fazendo sucesso.

Nota - 8,5/10

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