Crítica - Rivais (Challengers, 2024)

Tesão e/na/pela competição.

Recentemente, vem se discutindo muito sobre sexo no meio do cinema, pesquisas recentes apontam que jovens não estão muito interessados em ver o ato nas telas, que crêem ser momentos desnecessários em algumas obras, e muita gente concorda ou discorda, alguns diretores comentam sobre isso de maneira defendendo o sexo. E, particularmente, que povinho estéril do cacete, falta tesão para essa geração. Que é o que não falta por aqui, já que esse filme ficou famoso inicialmente em seu trailer viral onde víamos Zendaya em meio a um trisal em atos libidinosos. Bom, mas apesar de ser bem presente (99% do longa), não é sobre fornicação que trata-se, já que acompanhamos uma história ficcional no núcleo esportivo do tênis. É um esporte considerado como "de rico", eu nunca pratiquei, mas, particularmente, gosto bastante de assistir e tento ver quando passa na televisão várias vezes. Explorar esse mundo que, apesar de algumas obras famosas, não tinha nada mais relevante que a comédia romântica "Wimbledon - O Jogo do Amor" (2004) como obra cinematográfica definitiva focada no esporte. Porém, Luca Guadagnino consegue não só fazer um bom filme sobre a modalidade, mas também sobre mentira, traição, manipulação, obsessão, romance, passado, presente, futuro e, claro, o tesão.

Dois jovens atletas de tênis, Art Donaldson (Mike Faist) e Patrick Zweig (Josh O'Connor), são melhores amigos de longa data e sonham em seguir carreira como profissionais do esporte. Tudo muda quando Tashi Duncan (Zendaya), uma adolescente prodígio do esporte, que, mesmo no esporte juvenil, já tem um destaque, produtos patrocinados pela Adidas e um projeto social em seu nome, aparece e fisga o coração de ambos os rapazes. Treze anos depois, Tashi está casada com Art, que tornou-se uma lenda do esporte tendo-a como treinadora, faltando apenas um U. S. Open para completar seu Career Slam (deter todos os principais títulos do esporte), enquanto Patrick é um jogador fracassado que ainda busca algum tipo de relevância mesmo estando bem mais velho. Quando os dois se reencontram na competição de um Challenger (uma espécie de torneio menor dentro do circuito), todos os sentimentos passados e reprimidos vem à tona, fazendo com que uma partida qualquer vire um verdadeiro acerto de contas. O principal responsável por esse filme ser bom é o Guadagnino, eu não sou muito fã do cinema dele, tanto que este é o primeiro dele que vejo em um bom tempo, mas aqui ele dá uma aula de direção, sendo um ótimo exemplo de como manipular as emoções de um espectador de maneira maleável durante toda a exibição.

Somos apresentados ao trio principal de maneira cinzenta, aqui não tem nada preto no branco, você vai gostar e desgostar de ambos os três dependendo de cada minuto que estiver em tela. O Guadagnino conta sua história de maneira não-linear, tendo como ponto principal nessa storyline a final do Challenger e daí vamos voltando para vários pontos dessa história sem nenhuma linearidade, vai dependendo dos pontos da partida principal para que momento ele irá voltar na trama. É muito dependente da montagem para contar essa história da maneira que ele quer, e é aí que é algo que pode ser divisível, já que pode soar como confuso até propositalmente, mas não, na realidade ele ser contado dessa maneira é o que dá o charme e o ar da manipulação, creio que seria bem inferior se fosse a mesma coisa contada de jeito contínuo. Outro ponto é a visão maneirista que Guadagnino põe sobre a história, utilizando-se de vários recursos técnicos, em especial no jogo-chave, onde ele faz experimentos para tentar gerar esse maneirismo moderno.

Confesso que o que me afastou mais da obra foi justamente isso, o maneirismo que as vezes soa forçado tecnicamente, em especial algumas cenas que me parecem mais como o Guadagnino tentando dizer: "olha como eu sei fazer", mas não é nada inovador e nem criativo, por exemplo, prender a câmera na bola, ou pôr o esporte em primeira pessoa na visão dos praticantes, isso não é nada inventivo, comerciais da Nike já usaram muito ambos recursos, e o pior é a utilização como se fosse algo sensacional, mas que, para mim, na verdade só dá uma preguiça justamente por achar que está sendo diferente de alguma forma. Mas a visão maneirista se alastra por qualquer quesito visual, especialmente quando se trata dos corpos dos personagens. Não é apenas utilizado como objetificação sexual de todos eles, mas sim há um foco para mostrar na linguagem corporal de cada um deles os sentimentos momentâneos, especialmente em cenas de partidas, onde tem foco nas pernas desgastadas, nas partes onde a musculatura fraqueja, para dar uma sensação de impacto maior e uma verossimilhança que é um esporte onde aquilo vai dando um   esseum desgaste físico inacreditável para contrabalancear o desgaste mental que todos eles sofrem durante as várias viradas da trama.

E o famigerado tesão é parte primordial da trama, não só como um jeito apelativo de envolver certas audiências na história por serem pessoas objetificadas para serem atraentes, mas é o que aqueles personagens sentem o tempo todo mutuamente. Somos apresentados no passado a esses melhores amigos que são unha e carne, que nada poderia os separar, até que surge uma "laranja" (para não falar outra coisa) e destroça esse laço sem intenção. A cena mais famosa, que é a do trisal, é muito mais complexa do que aparenta, já que ali temos uma amostra de que essa amizade tem um pouco mais de calor do que deveria, inclusive com um deles apresentando o outro à famosa punhas (além de outra cena que é desconfortável, não só pelo conteúdo - só que aí é pessoal - mas principalmente pelo contexto). Guadagnino vai instigando esse fogo no rabo todo o longa, os personagens só comem alimentos remetentes a áreas consideradas eróticas (como a cena do churros, que é muito sus, não tem outro termo para descrever melhor). E todas as viradas de chave acontecem por isso, essa menina ficou indecisa para quem dar e pariu a trama toda, e isso vai até o final, gerando cada vez mais tensão entre os competidores e criando cada vez mais ansiedade para a partida central a cada vez que ela volta em cena.

Sobre os personagens, honestamente não tem nenhum totalmente agradável, são todos grandíssimos desgraçados, mas eu curti isso justamente por trazer humanidade e credibilidade à história, já que sabemos bem que ninguém é perfeito, só que aqui o nível de imperfeição é o que gera o entretenimento, o mau caratismo é o ponto-chave da trama. A Tashi é aquela menina que já era famosa no meio antes mesmo da profissionalização, nas categorias de base já tornou-se um fenômeno no pique Endrick do tênis feminino, mas que sofreu uma lesão seríssima que a tirou permanentemente das quadras. Nisso, vemos como ela praticamente objetificou Art para realizar seus sonhos através dele, sendo até um ponto de discussão se ela realmente amava ele ou apenas via uma oportunidade mercadológica. Zendaya consegue trazer todas as facetas dessa personagem, a seriedade de uma treinadora, o amor sedutor e um pouco ameaçador de uma esposa, a frustração de uma atleta, e o arrependimento de uma jovem. Ela interpreta a mesma pessoa, mas honestamente cada vez que ela aparece soa como se fosse alguém diferente, depende também pela visão de quem estamos acompanhando as cenas, mas essa ambiguidade e versatilidade ser entregue com exímia coerência é muito complicado, e ela faz magistralmente, pode pôr já na corrida do Oscar para a indicação, ela estará lá.

Quanto aos outros dois, eles também destacam-se nesses papéis. O Mike Faist tinha feito uma das melhores performances dos anos 2020 até aqui em "Amor, Sublime Amor" (2021) e ele é simplesmente ignorado em praticamente toda e qualquer conversa sobre o próprio filme, mas aqui eu acho que há esse espaço para ele mandar bem e ser reconhecido. Ele é o mais gente boa dentre os três, apesar de pecar ao cobiçar a mulher do próximo inicialmente na storyline e, bom, meio que arquitetar uma situação para que acontecesse um término, ele é o que menos erra. Ele tem essa cara de bom moço, de gente fina, mas que também é um baita espertinho que está pronto para qualquer tipo de situação. Para mim, os últimos minutos intensificam sua performance visto a situação que ele está passando naquele momento e como dentro daquele tempo ele se transforma completamente múltiplas vezes naturalmente. Josh O'Connor não fica para trás, fazendo essa atuação do jogador ferrado, que não tem mais nada a perder, onde é um fracasso que não tem onde dormir, tomar banho e o que comer, dormindo no carro e saindo por aí com suas raquetes. Ele demonstra bem essa queda gradativa, de um jovem sonhador com muito potencial para um adulto que não sofreu com as desilusões e ainda sonha com o sucesso tardio no esporte, ele te convence, tem uma certa malícia que ele cria ali que faz você decifrar o personagem, ele vai muito bem.

E a complexidade da relação desse trio vem através da competição, sendo trabalhada através de várias metáforas. Tem o tesão recíproco, pois apesar de ser um triângulo amoroso, tem inúmeras insinuações de tesão reprimido entre os dois caras, especialmente na cena do churros e na da sauna, onde o personagem de O'Connor age como um ativo e o de Faist como um passivo ou vice-versa, só que através de diálogos, conseguem estabelecer essa tensão apenas através da conversa. Sem contar que, para eles, a Tashi é parte da competição, e eles gostam de competir por ela, eles estão dispostos a qualquer tipo de humilhação ou situação para tê-la de alguma forma, porque é isso que apimenta a relação deles com eles mesmos e com ela. Enquanto esses trouxas competem por ela, Tashi só se derrete por uma coisa: competição (talvez por isso ela se envolveu com a dupla dinâmica), ela vê uma partida de tênis como uma bela e harmônica transa, onde o vencedor é quem goza primeiro. Ela sabe que os dois patetas tem interesse e, mesmo que inconscientemente, se diverte com essa atração mútua, aproveitando cada segundo desse relacionamento triangular. Tem uma fala de Patrick que define o que ela vê em Art: "para você, ele é só um pênis e uma raquete", e essa frase encaixa-se perfeitamente no que ela vê o longa todo, em especial após a sua lesão, onde ela decidiu realizar seus sonhos e objetivos através de outra pessoa.

Instigante, emocionante, divertido e tesudo. Não existem adjetivos melhores para descrever "Rivais", por enquanto, um dos melhores que vi deste ano. Não acho perfeito como alguns, ou algo completamente espetacular, mas eu creio que o Guadagnino usa e abusa do poder do cinema aqui, criando uma obra emocionalmente e mentalmente manipulativa ao espectador, onde a cada segundo, cada cena, sua opinião vai mudando ou se complementando. Tem umas invencionices ali que eu não curto muito, mas no geral a forma como ele filma o tênis e o utiliza como um artifício narrativo para engrandecer a história desses personagens é primordial. O trio protagonista é sensacional, grandes performances de Zendaya, Mike Faist e Josh O'Connor (esse último, na minha opinião, uma grande surpresa, que complementa e as vezes engole - figurativa e literalmente - os outros em cena), e um filme que exala cio, exala tesão, e isso as vezes é necessário, especialmente para a geração de hoje entender que não é porque tem sexo no filme que é um pornô, mas que é algo natural que as pessoas fazem e não tem porque não ter isso em filmes. No geral, é ótimo, curti bastante, é puro entretenimento.

Nota - 8,0/10

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