Crítica - Alien: Romulus (2024)
A revitalização da franquia nas mãos de um diretor competente.
Uma das mais influentes franquias de ficção científica do cinema é "Alien", que já vem há mais de quarenta e cinco anos aparecendo ocasionalmente nas telonas. O primeiro filme, dirigido por Ridley Scott e criado por Dan O'Bannon, foi um filme revolucionário em sua época, pelos seus visuais, design de produção, e claro, qualidade, misturando sci-fi com um clima de terror e ficou marcado, apesar de que não foi tão adorado em sua época. Depois tivemos continuações, uma sequência direta dirigida por James Cameron, "Aliens: O Resgate" (1986), cujo é o mais adorado e marcante até hoje, sendo bem diferente do anterior, caindo mais para o lado da ação. Depois tivemos "Alien³" (1992), de um ainda estreante David Fincher, que deixou a desejar, e "Alien: A Ressurreição" (1997), com roteiro de Joss Whedon e direção de Jean-Pierre Jeunet, que acaba indo para outro lado da saga. Tivemos também dois filmes de "Alien vs Predador" e uma tentativa de trilogia prequel por parte do Ridley Scott, mas que não deu certo qualitativamente. Porém, algo que deu certo foi um jogo de videogame, chamado "Alien: Isolation", que conta a história da filha de Ellen Ripley enquanto a mãe estava em criogenia entre o primeiro e o segundo longa. E foi enquanto jogava este jogo que o diretor uruguaio Fede Álvarez teve a ideia para uma nova entrada da franquia, apresentou um projeto, e cá estamos para falar sobre ele agora, e, já adiantando, é a melhor coisa que essa franquia produziu em décadas para os cinemas.
Entre o espaço de tempo entre o primeiro e o segundo filme, no ano de 2142, acompanhamos Rain (Cailee Spaeny), uma jovem órfã, que trabalha para a megacorporação Weyland-Yutani e sonha em cumprir sua meta de trabalho para que consiga ir para outro planeta recomeçar a sua vida, juntamente ao seu irmão adotivo, o sintético Andy (David Jonsson), que foi achado pelo pai dela e reprogramado para cuidá-la. Quando seus amigos Tyler (Archie Renaux), a irmã dele Kay (Isabella Merced) e os primos Navarro (Aileen Wu) e Bjorn (Spike Fearn), conseguem uma nave, eles decidem ir embora e se livrar do comando da companhia em direção ao terraformado planeta Yvaga III. Ao embarcarem, eles acabam vão de encontro com uma nave maior, uma nave de exploradores aparentemente abandonada, cujo entram para conseguir combustível para a criogenia, já que são nove anos de viagem. No entanto, a nave é a Nostromo, que ainda está cheia de alienígenas e ovos deles, incluindo xenomorfos e facehuggers. Nisso, os personagens são obrigados a sobreviver ao enfrentar algo desconhecido para eles até então, precisando escapar de qualquer forma para que haja uma chance mínima de alcançar sua vida ideal e seu final feliz.
Álvarez é conhecido por seus filmes de terror, inclusive seu primeiro grande filme é justamente outra revitalização de outra franquia de sucesso nos anos 80, que é "A Morte do Demônio", cujo ele foi responsável pelo reboot de 2013. Nisso, ele foi perfeito para resgatar a vibe do original, já que ele traz de volta para essa vibe do terror, e é bem similar, começando mais no espectro da ficção científica, apresentando seus conceitos, seu grupo de personagens, quem eles são, suas personalidades, ambições, e aí que vai se desenrolando e desenvolvendo a parte que se encaixa no horror. É claro que Alien é uma alegoria a várias questões, especialmente questões de abuso sexual, questão do capitalismo, como as pessoas são vítimas de um sistema que acaba matando-os de forma iminente, e é óbvio que Fede reaproveita estas questões e trabalha em meio a uma grande experiência sci-fi, onde fascina pelo visual, empolga pela história e choca pelas cenas e suas metáforas, e o diretor sabe exatamente como encaixar tais momentos, ele tem muito timing, ele sabe bem o que quer fazer, ele tem noção do que é essa franquia e o que ela significa para a cultura pop, ele sabe o que ela quer dizer, e nisso, as vezes, parece que ele entende a franquia melhor do que o próprio Ridley Scott, porque é essa a vibe que fez as pessoas se apaixonarem lá no final dos anos 70 e até hoje, basicamente.
Já começo falando do que não gostei, que é a reconstrução em CGI do Ash. Ash que é o sintético original lá do primeiro filme, personagem interpretado pelo Ian Holm, um dos membros da tripulação da Nostromo. E o intérprete, o Ian Holm, morreu em 2020. Eu particularmente sou contra reviver atores através de computação gráfica e inteligência artificial, pois eu considero meio bizarro algo desse tipo, não deixar a pessoa morrer. Bom, pelo menos teve o aval da família dessa vez, não foi algo mais complexo que nem a Warner fez com o Christopher Reeve ano passado em "The Flash". Porém, continua sendo bizarro, já que a participação dele em cena, falando, vivo, realmente não muda muita coisa na minha concepção. Se fosse só a carcaça aparecendo e eles utilizando a fonte dele, já seria uma referência, um fanservice muito da hora, mas usar a imagem dele, o rosto, a voz, eu particularmente não fui muito com a cara dessa ideia, não digeri legal, soa até meio hipócrita, não só dentro da franquia, mas com as lutas das greves de atores e roteiristas do ano passado (e ano que vem será pior, pois teremos Patrick Swayze dançando em ritmo quente reconstruido em computação gráfica, estamos condenados). Ele é até utilizado como parte da crítica, sendo um elemento da companhia que mostra como tudo vai girar em torno dela você querendo ou não, porém, isso seria uma questão facílima de ser resolvida.
Então, vamos começar, falando dessa construção de maneira mais detalhada. Começa apresentando a nova protagonista, a Rain, que é uma garota que trabalha para a Weyland-Yutani, que só quer cumprir sua meta de trabalho para se livrar dessa empresa, mas aí eles dão um jeito de dobrar essa meta para não perdê-la, e já é aí que começa a trazer a crítica ao capitalismo, ao abuso de poder das grandes empresas, o tratamento com seus empregados, como o povo (ou seja, você 🫵) é feito de otário pelo sistema em que você vive à força. De certa forma, é bizarro que essa mensagem de filmes da década de 70, 80 e até 90 continuam sendo atuais, até mais hoje em dia com questão de corporações com redes sociais, filantropos e bilionários tem tantos poderes quanto políticos, é vendido para nós que temos ambientes de liberdade, que vivemos em livre arbítrio, mas, no final, somos todos vítimas de um sistema que nos coloca como escravos, e quem fala isso não sou eu, é o próprio filme através de diálogos e cartazes. Até por isso, creio que os protagonistas são jovens trabalhadores, operários, exploradores, mineiros, e não cientistas mais velhos como na maior parte dos filmes, já que essa nova geração, vendo o que aconteceu com os pais deles, que morreram por doenças, infecções, literalmente são frutos de um sistema que matou seus antepassados e querem fugir disso, não querem passar por este ciclo de sofrimento igual seus genitores.
Começa nessa vibe de distopia, de desesperança, de uma prisão dentro desse ciclo sistemático, e vai escalonando para a ficção científica no momento em que o grupo principal decide fugir e ir contra o sistema. Nesse momento também é quando começa o horror, já que você sabe de qual franquia é este filme, você sabe o que está assistindo, e o Álvarez é excelente em criar a tensão de que a qualquer momento os aliens podem surgir, de que a qualquer momento pode dar ruim. Nisso, ele utiliza a técnica ao seu favor, a fotografia, edição e trilha, para construir essa vibe similar a do original. Quando começa, quando fica claro que eles estão ali, quando uma dos membros da tripulação é atingida por um facehugger, você sabe o que acabou de iniciar e que não vai acabar bem. O sentimento de terror é muito bem construído, a tensão é inevitável e você realmente fica aflito com o que pode acontecer. Apela no máximo três vezes para o jumpscare, e tem um deles que é realmente bem feito, é inesperado, mas acaba assustando mais pela grafia do que os aliens são capazes de fazer. Álvarez traz até um lado mais slasher, o elenco desse filme traz uma impressão de que facilmente seria caçado pelo Jason ou estaria em um filme de Premonição, mas eles estando numa nave fugindo dos aliens, acaba trazendo vários arquétipos, da menina valente, o cara explorador, o robô, a garota da tecnologia, o babaca, e estas várias referências vão acumulando e construindo uma vibe própria em um longa que sabe muito bem o aproveitamento de tudo isso.
E o Álvarez conhece a franquia, o que é uma grande vantagem, já que mesmo eu não tendo gostado da participação do Ash, ele consegue deixar narrativamente coesa, utilizando-o como parte da crítica e como antagonista. Mas a maneira que as criaturas vão aparecendo, que elas vão surgindo, é de uma forma fiel, que você sabe como vão acontecer, mas fica tenso da mesma forma, pois imagina o desenrolar. Há o novo no clássico, eles trazem uma novidade em algo já existente. E tem praticamente referência a tudo, é puro fanservice, mas não é daquele tipo gratuito que só estar lá por estar, são fanservices que realmente fazem um serviço aos fãs. Além da Nostromo ser o cenário principal por praticamente mais de uma hora de exibição, temos várias criaturas sendo bem aproveitadas, frases marcantes sendo ditas, só que não de maneira forçada, acaba sendo natural pela construção dos personagens que as falam (com exceção da frase mais famosa da história da franquia, que é dita só por service mesmo). Tem planos clássicos sendo recriados, como o frame mais famoso da franquia, que é o do terceiro filme com o xenomorfo gritando na cara da Ripley, aqui tem um momento bem semelhante, que devo dizer, que é até feito melhor do que o original. É claro que é tudo feito pensando em ser como uma referência e também uma reverência ao legado dos diretores anteriores na franquia e o que eles ajudaram a construir dentro da série, a marca que eles deixaram e que Álvarez respeita, faz sua reverência, mas também deixa a dele a partir de agora.
Sobre os personagens, creio que nenhum chega no nível da Ripley, até porque nesse caso é uma das personagens mais marcantes da cultura pop, comparações são inevitáveis e é justamente isto que atrapalha o filme de ser melhor, não é nem culpa do longa, é mais uma consequência, uma dor de cabeça boa. Porém, devo dizer que a nova protagonista não é ruim não, eu curti bastante a Rain, ela tem uma boa motivação e um bom arco. Ela é mais uma funcionária da Weyland-Yutani, uma operária, que só sonha em se livrar das garras da companhia, em viver uma vida independente de tudo, ver o sol nascer e se pôr em uma vida tranquila, mas acaba que é mais uma vítima de metas de trabalho impossíveis, em um local que convive com doenças e com um frio insuportável, que ainda tem que cuidar do Andy, que é uma pessoa artificial, um sintético criado pela empresa, porém, que ela o vê como irmão, que age como um irmão para ela. A Rain vai se transformando numa bela protagonista, ela sai dessa sonhadora e, por necessidade, ela vai virando uma heroína, ela precisa agir como uma bad-ass para sobreviver aos aliens na nave, e o que move ela é a esperança de um futuro melhor para ela, para o Andy e os demais amigos que estão na nave, especialmente a Kay, que está grávida e há uma preocupação especial dela com isso. A atuação da Cailee Spaeny consegue transpassar tanto o medo, a tensão, o desespero, o horror, é extremamente funcional e convincente ao espectador, é realmente uma baita performance, é a melhor personagem do filme, que não, não é uma tentativa de Ripley, ela tem uma personalidade própria e que consegue trazer algo mais jovial a franquia.
Entretanto, o Andy, o David Jonsson, tem a melhor atuação do longa. Cara, ele começa como um sintético pacato, programado para proteger a Rain, ele se move de uma maneira meio C3PO, fala de forma mais estática, robótica, ele é um ser inocente, que faz piadas de tiozão, joga videogame e só quer proteger a humana que ele vê como irmã. Ele é um paralelo, na minha visão, com uma pessoa do espectro autista, ele tem essa vibe mais infantil, ingênua. Porém, no momento que trocam sua programação, colocando a fonte do Ash, acaba que muda completamente, a postura, a maneira de falar, as atitudes, ele torna-se bem mais sério, cético e desumano, tendo como principal diretriz o bem da companhia. Jonsson consegue trazer esses dois extremos do personagem de uma maneira espetacular, é um camaleão, ele consegue mudar o comportamento, os trejeitos, ele se mescla e torna-se uma performance assustadora, ele sai de alguém que você sente pena, para alguém que você acha um otário, e depois volta para a estaca zero. Os demais personagens, como já falei anteriormente, são arquétipos de adolescentes que seriam massacrados pelo Jason nos anos 80, e o Álvarez não está tão interessado em desenvolver estes personagens, porém, a construção das mortes de cada um deles é sensacional. O babaca, por exemplo, vai de base com ácido pingando no coração dele. A menina bad-ass, careca, claramente uma referência à Furiosa, morre pelo facehugger, na referência ao abuso que é esta criatura, mostrando que ela é tão vulnerável quanto qualquer outro, apesar de não demonstrar. Não é algo tão sútil, o Álvarez não tem tanta sutileza, ele é mais direto no que ele faz, porém, essas microconstruções evoluem bastante o longa.
Na parte técnica, é absurdo, a questão de design de produção, efeitos visuais, efeitos práticos, etc. Cara, é um orçamento abaixo, de aproximadamente US$80 milhões, e o Álvarez sabe como utilizar. O CGI do Ash, a reconstrução, é bizarra, é quase um vale da estranheza, e não é nem pela crítica que eu fiz anteriormente, mas é que ele é todo em CGI, ali seria onde caberia um animatrônico. Não são muitos os momentos que os aliens aparecem, são partes mais comedidas, é a construção que eu já disse, no entanto, quando os bichos aparecem, em maioria em efeitos práticos, em robôs animatrônicos, especialmente o xenomorfo, é sensacional. O vídeo de bastidores deles ligando o xenomorfo é absurdo, é arrepiante, é tão bem detalhado, e ver esse bicho em cena, gigantesco, é massa demais. O CGI, em maior parte das cenas, é muito bem feito, utilizado, especialmente o bebê gigante do final e os complementos do xenomorfo, e é bem caprichado, polido, é bem executado. O trabalho sonoro é maravilhoso, a mescla da música com os sons ambientes, o som especial (a falta dele no caso), o design, a criação dos sons é o mais impressionante (forte candidato ao Oscar na categoria, viu). O design de produção é inacreditável, cara, o desenho das naves, a cenografia, os cenários, a decoração, é uma construção de locais que é bizarro de tão bem feito, a reconstrução da Nostromo e cenários novos, cara, é sensacional. A fotografia é mais escura, mas aí também não tem muito para onde fugir, é totalmente no espaço (o planeta colonizado que eles vivem inclusive sequer vê a luz do sol), porém, é tão bem feito, trabalhado, gravado, é uma qualidade visual que cria realmente uma experiência boa de se acompanhar em uma sala de cinema.
Uma excelente adição à franquia, "Alien: Romulus" é um filme que prometheus e cumprius (foi mal, não podia perder essa). Porém, apesar da piada ruim, acaba sendo verdade, prometia ser um bom filme, algo que agrega ao geral da franquia, que resgata a vibe do longa original do Ridley Scott, pega várias referências do jogo, de algumas continuações, de outras franquias de sci-fi, de terror, e nisso, o Fede Álvarez faz algo que reverência o clássico, o que fez as pessoas se apaixonarem pela franquia, mas também traz seu tom original, sua autoralidade. É um filme paranóico, claustrofóbico, você fica tenso, nervoso por aqueles personagens em tela, é uma experiência de horror cujo a presença dos vilões é sentida e você pressente que a cada momento pode dar ruim. Traz mensagens que são válidas, que não foram trazidas de volta à toa, é mais um longa da franquia que é um produto de sua época e retrata bem o momento que vivemos. Não gosto de algumas coisas, não acho que é um problema, mas não é tão sútil, é mais bruto. Porém, com uma atuação incrível da Cailee Spaeny, uma absurda do David Jonsson, bom grupo de personagens e um deleite visual, questão de fotografia, efeitos e direção de arte. É uma ótima adição, que revive a franquia, trazendo novos ares, apesar de reutilizar e referenciar muita coisa. Com certeza garante mais uns dois filmes para o futuro, inclusive, talvez, um novo "Alien vs. Predador", já foi mostrado o interesse... Quem sabe...
Nota - 8,5/10