Crítica - tick, tick... BOOM! (2021)
A estréia de Lin-Manuel Miranda e o auge de Andrew Garfield.
"O mais pessoal é o mais criativo"
- Martin Scorsese
Essa frase do Scorsese nunca fez tanto sentido para mim enquanto assistia um filme como esse aqui. O filme é baseado na peça homônima de Jonathan Larsson, uma espécie de autobiografia de um momento em sua vida, o momento da crise existencial, pois Jonathan se sente um inútil ao pensar que aos 29 anos, quase 30, ele não fez nada, é apenas um sonhador que trabalha como garçom e que só lhe resta ilusões no dia a dia. O diretor do filme é um gênio da música atual: Lin-Manuel Miranda, que fez as peças "In The Heights" (inclusive tem a crítica da adaptação cinematográfica "Em Um Bairro de Nova York" por aqui) e "Hamilton", duas das mais elogiadas de todos os tempos, mas que no cinema ainda não trabalhado como diretor, já trabalhou logicamente como ator, como ator de voz, compositor e se considerar a gravação de "Hamilton" como filme, roteirista. Na sua estréia, é visível algumas vezes a inexperiência, várias durante o primeiro ato, deixando seu storytelling confuso inicialmente, pois ele não deixa claro antes do meio do filme qual a linha narrativa principal, a secundária ou se é um sonho, a realidade ou a trama, você só vai entender mais tarde no filme, ele dá várias deslizadas no primeiro ato, mas depois vai se arrumando ao longo do filme até se encontrar.
Como alguém que vem desse meio teatral, o Lin-Manuel manda muito bem na construção das cenas musicais, as piras de Jonathan são muito bem estruturadas, aquela cena do lanchonete se transformando em palco é impressionante a construção narrativa e visual, aquela cena da piscina também é incrível, o visual que o Lin-Manuel trabalha aqui, os efeitos, a cinematografia e o design de produção nessas cenas é incrível, a maneira que o cenário se modifica a cada fala de Jonathan é muito bom, é um deleite visual, a excentricidade de Lin-Manuel em criar esse mundo fantástico é linda de se ver, ele em si é um cara muito criativo e excêntrico e por isso acho que ele pode se dar muito bem nessa carreira de diretor, o potencial que ele tem para revolucionar o gênero musical é gigante, zl
Andrew Garfield aqui tem a performance de sua carreira, isso não é nenhum tipo de hipérbole nem nada, ele tá entrando no seu auge e tem tudo para se tornar uma lenda de Hollywood se for nos papéis certos nos filmes certos. Ele como Jonathan combinou perfeitamente, ele tá bem excêntrico, bem maluco, ele consegue passar a vibe de gênio louco, com essa excentricidade dele, ele demonstra ficar mais pirado a cada cena, o Jonathan é um personagem que claramente tem ansiedade, o filme é uma crise de ansiedade inteira praticamente, ele também é um workaholic, a melhor cena do filme é a cena do término por isso, porque demonstra tudo isso, a ansiedade, o vício em trabalho e todos os arrependimentos e de todas as ambições dele serem mostradas ali, eu não sei se é triste, mas eu me identifiquei muito com isso de tentar transformar qualquer coisa que pensa em arte, eu quero ser diretor de cinema e literalmente tudo que eu vejo eu penso em transformar em algum filme e é fod@. Além do canto dele, a voz do Andrew Garfield é incrível, eu sinceramente nunca havia ouvido ele cantar, então me surpreendeu, ele alcança alguns níveis vocais que é impressionante, principalmente no agudo da voz dele, a última cena dele cantando é incrível, ele é de raízes teatrais e aqui é visível algo meio confortável na performance dele, ele tá se sentindo bem, se divertindo, é incrível.
O filme se passa em 1990, tem todo um contexto histórico envolvido, os casos de HIV e AIDS estavam em alta (fato relatado em "Filadélfia" de 1993) e a homossexualidade tinha acabado de ser desconsiderada como uma doença, no filme vários amigos de Jonathan são homossexuais e acabam contraindo o vírus HIV e quando ele fala que perdeu quatro amigos por isso é pesado, você consegue ter o impacto necessário, o tom de voz dele narrando é muito triste é impacta demais, é como se fosse uma facada no coração. Em questão de elenco mesmo, a Vanessa Hudgens tá muito perdida, com um papel pequeno que não diz nada de além "canta bem e seja atraente". A Alexandra Shipp é boa nas cenas dramáticas e o papel dela em ser um contraponto ao Jonathan como alguém que quer tirar ele dessa persona ansiosa e workaholic é algo que convence muito bem e ela tem uma voz incrível. E o Robin de Jesús é ótimo, a relação do personagem dele com o Jonathan eu cheguei até a me emocionar, não é só a performance dele que é boa, o arco do personagem durante o filme é sensacional e o encerramento dele é triste, pesado e que realmente impacta profundamente, muito bom.
Em uma visão geral, "tick, tick... BOOM!" é um bom filme, sofre com um ou dois erros de principiante do seu diretor, mas para mim, no fim, o saldo foi muito, mas muito mais positivo. Andrew Garfield na melhor performance da sua carreira e olha que ele é co-protagonista do meu filme favorito. E vocês sabem, eu não gosto de musical, mas esse aqui conquista, tem músicas muito boas, os momentos musicais do segundo ato para a frente sempre funcionam e tem um encaixe perfeito na trama. No geral, vale muito a pena, é um filme muito bom, emocionante e divertido.
Nota - 8,5/10