Crítica - A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth, 2021)

Coen + McDormand + Denzel + Shakespeare. Só isso já diz muito.

Joel Coen, diretor mundialmente famoso pela sua pareceria com seu irmão, Ethan, que durou quase 40 anos e esse é o primeiro filme depois deles se separarem (porque o Ethan não tem mais vontade de trabalhar com cinema, não foi nada pessoal entre os dois). Joel, em seu primeiro filme "solo" (por assim dizer), decidiu logo adaptar uma das obras mais clássicas de William Shakespeare, "Macbeth" e várias pessoas já fizeram uma versão desta peça, basicamente todo ano sai uma nova versão e aqui Joel tem dois desafios: tentar fazer um filme sem seu irmão e tentar diferenciar sua versão da história mas sem sair da essência de Shakespeare.

Eu sendo sincero nunca havia visto nenhum filme sobre Macbeth antes desse, claro, eu conheço a história, a essência dela, de bruxas, matar o rei e tal, isso eu já sei, mas adaptação cinematográfica eu nunca vi nem "Trono Manchado de Sangue" de Akira Kurosawa e nem as versões de Orson Welles e Roman Polanski, então meu primeiro contato com a história no cinema foi aqui e não sei se isso é bom ou ruim, mas pelo o que foi me apresentado aqui, que negócio fascinante, Shakespeare era muito brabo, o jeito que ele escrevia as histórias com tanta sutileza e com tanto prazer que ele sentia ao fazer que eu acho algo maravilhoso e acho que essa essência de Shakespeare é bem presente dentro do filme, um grande acerto do Coen, é realmente um filme bem mais artístico, bem mais teatral e é diferente de tudo que o Joel já fez no cinema, tanto que é o primeiro filme dele que não é um filme mais divertido igual aos outros dele (acho que o único dele que é realmente se leva mais a sério é "Onde os Fracos Não Tem Vez", mas esse aqui é um nível bem maior).

Acho fascinante como o Coen te prende no filme só pelos diálogos, eu gosto muito de filmes assim, tanto que um dos filmes que está entre meus cinco filmes favoritos é "12 Homens e uma Sentença" e os filmes do Coen sempre são incríveis em diálogos, esse aqui é o melhor filme dele nessa questão, claro que ser baseado numa obra de Shakespeare influencia muito, mas são diálogos sensacionais, a linguagem da época com sempre um tom mais dramático e teatral funciona muito bem, é um filme recheado com monólogos espetaculares, com interações incríveis entre os personagens e o jeito que o filme é conduzido é igual a um filme clássico do cinema, dos anos 30/40/50, isso é um elogio, pois o Coen conta uma das histórias mais clássicas da humanidade através do estilo clássico do cinema, inclusive o uso do P&B não é atoa, sinceramente eu acho que o fato do filme ser P&B cria um tom mais depressivo ao filme e o P&B dá uma ajuda muito grande ao tom mais sério do filme, diferenciando ele de tudo que Joel já fez na carreira.

Também curti muito como o Coen trabalha o Macbeth (Denzel Washington) em si, o personagem, ele vai mostrando ele como um cavaleiro sempre leal, mas ambicioso, tanto que quanto a missão de matar o rei para receber o título, ele tem um conflito bastante interessante até chegar na decisão de assassiná-lo e depois gosto como o Coen demonstra a tragédia de Macbeth e faz jus ao título do filme, pois quando o personagem torna-se um rei tirano, toda a empatia que você criou por aquele personagem foi sumindo e é maravilhoso como a queda de Macbeth é mostrada, encerrando-se com Macduff (Corey Hawkins) o decapitando em uma cena chocante, essa cena da decapitação é impressionante a brutalidade que Coen mostra, é diferente do que ele já havia feito mesmo, eu sinceramente não esperava ver isso de forma tão explícita em um filme dele.

Como sempre, eu preciso exaltar as atuações porque o Coen sempre foi um baita diretor de atores e aqui não é diferente, todo mundo no elenco está maravilhoso! Mas claro, principalmente as lendas, Denzel Washington e Frances McDormand. Denzel tem uma das melhores performances da carreira dele aqui, é impressionante a imersão dele dentro do personagem, dá para crer que ele é daquela época que o filme se passa pois a credibilidade que ele passa em cada diálogo é impressionante, ele tem vários monólogos incríveis ao longo filme e na parte onde Macbeth vira um tirano, a gente vai vendo o quanto ele vai enlouquecendo e o Denzel faz essa destruição de personagem de uma forma espetacular, a atuação dele para mim briga pelo título de melhor atuação masculina do ano facilmente. Frances também manda muito bem, como sempre (essa mulher nunca atuou mal, como é possível?) e aqui no papel de Lady Macbeth ela manda demais, ela tem uma imponência, quando ela está em tela o filme ganha muito com a presença dela e gosto também de como a destruição da personagem dela é feita, a última cena dela no filme é um negócio de maluco pois dá para sentir o trauma dentro dela em só algumas palavras e pela expressão dela, que atriz do cacete!

Também tem outras duas atuações que eu gostaria de destacar, a primeira é do Alex Hassell como Ross, ele faz a ponte entre todos os arcos de todos os personagens o filme inteiro, ele sempre tá lá e eu gostei dele, ele tem esse ar de reconhecer o que é o certo e o errado, ele tem até uma certa imponência quando ele aparece (o cara consegue demonstrar imponência num filme com Denzel Washington e Frances McDormand, isso é para poucos) e minha cena favorita dele é quando ele conta para o Macduff sobre o que aconteceu com a família dele. A outra atuação que eu gostei é do próprio Macduff, o Corey Hawkins, outro ator que em 2021 se provou maravilhoso e tem muito potencial para ser um dos melhores da geração dele e ele como Macduff é incrível, principalmente na hora final de filme quando ele tá com sede de vingança e na cena final ele é incrível pois pela expressão dá para sentir toda a dor e toda a sede de vingança do personagem.

Acho que o filme tem um problema sim, ele se perde um pouco no meio, mas a primeira hora é obra-prima e os cinco minutos finais são um espetáculo a parte. "A Tragédia de Macbeth" é um dos filmes mais impactantes de 2021, é um filme que não é para todos, se calca muito em diálogos e em uma fórmula mais purista, mas quem conseguir se imergir e se conectar com a história, igual a mim, vai gostar muito. Eu senti dentro do próprio filme como o Joel sentiu falta do Ethan dirigindo, mas eu também senti uma sede dele conseguir provar que consegue fazer sozinho e que é capaz. Denzel Washington e Frances McDormand absolutamente assombrosos em sua atuação e eu, como alguém que nunca tinha visto a história nos cinemas, achei fascinante e com certeza irei atrás das outras versões.

Nota - 8,0/10

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