Crítica - Um Herói (Ghahreman, 2021)

Muito bom, mas fica na sombra de outros filmes do diretor...

Depois de cinco anos, Asghar Farhadi volta ao seu país natal, o Irã, para fazer mais um filme com um alto potencial, pois é lá no Irã onde surgiram as obras-primas da carreira do próprio, enquanto seus filmes feitos fora (na França e na Espanha) são considerados muito abaixo dos feitos em terras iranianas. E eu gosto muito do Asghar Farhadi, para mim "A Separação" e "O Apartamento" são dois filmes que beiram o patamar de serem obras-primas e eu não vou mentir que minha expectativa para esse aqui estava muito alta e por isso eu me decepcionei, ainda é um filme muito bom, muito acima da média, mas não é no nível do que o Farhadi já havia feito e sinceramente eu não consigo citar problemas muito graves do filme, mas não conversou o suficiente comigo como foram os dois anteriores do diretor.

Aqui temos uma história super simples de um cara que foi preso injustamente e fez um ato heróico ao achar uma bolsa cheia de dinheiro e devolver ao invés de pegar o dinheiro para ele e com isso ele começa a ser venerado, mas aí, é que tem o grande turning point do filme ao começarem a duvidar da veracidade dessa história e acho muito bom como o Asghar Farhadi vai mudando lentamente o tom do filme, não só nesse, como na filmografia inteira dele, os filmes dele são igual a vida: começa tranquilo e depois vai ficando tenso e a cada segundo a tensão aumenta, isso prende muito a atenção do espectador no filme, até quem não tem familiaridade com o cinema mais purista do Farhadi consegue se prender na história porque literalmente o filme consegue criar sensações de adrenalina melhor que muitos filmes de ação, tem uma cena onde eles estão tentando provar a veracidade da história com a esposa do protagonista se passando pela mulher da bolsa e a tensão nessa cena é impressionante. E como eu disse, esse é o cinema do Farhadi: purista, simples, pouca trilha sonora, que aos poucos vai ficando tenso, vai ficando pesado e prende muito a atenção, é um cinema muito funcional na minha visão que aqui funciona bem, mas menos eficiente que nos antigos filmes de sua carreira.

O filme é praticamente um estudo de personagem, o filme explora o inteiramente o personagem do Rahim (Amir Jadidi), começa com ele sendo um homem bom, sorridente, que apesar de estar preso injustamente, ainda é alguém feliz, que tem funções dentro da penitenciária de pintar, ajudar e etc. Mas aos poucos o Farhadi vai destruindo a imagem dele de bonzinho, de herói e vai deixando ele perturbado, vai adoecendo ele através do drama que ele mesmo cria, fazendo colidir dramas passados do personagem com dramas do presente e dá para sentir na atuação do Amir Jadidi essa mudança clara acontecendo de pouco a pouco e o quanto ele só quer voltar com a vida normal dele, sem prisão, sem tensão, sem dívidas com agiota, só viver ele e o filho dele de boa. Inclusive um ótimo ator esse Amir Jadidi, ele convence muito, ele demonstra muito bem quando ele tá feliz no início, ele tem um sorriso bonito que faz a felicidade dele parecer genuína e ao longo do filme a gente vai vendo o personagem sendo desconstruído e tudo muito bem mostrado através das expressões dele. Uma grande atuação!

Acho que o problema do filme é justamente em trabalhar as relações desse personagem, acho que falta desenvolvimento na prisão, nas partes da prisão são muito poucas e não mostra muito, o Farhadi até tenta pôr um rival para o Rahim na prisão mas é feito de forma preguiçosa porque literalmente são duas cenas disso. Também desgosto da relação do Rahim com o seu cônjuge, acho feito de maneira rasa e anti-didática, não dá para entender bem a relação dos personagens a não ser que eles são apaixonados, por uma grande parcela de tempo essa personagem que eu até me esqueci o nome é deixada de escanteio, poderia ter aprofundado mais na minha visão e também os atores tem uma química nula, não dá para gostar do casal. Mas gostei como Farhadi trabalha a relação do protagonista com a família dele, principalmente com o filho, com a irmã e o cunhado. Com o filho é uma relação muito bonita porque o filho dele tem problema na fala e ele não sabe dizer as coisas muito bem, mas é emocionante as cenas onde ele tenta falar e fala sobre o pai dele, não dá para não se emocionar e o ator do filho é muito bom também, eu sinceramente não sei se ele tem problema na fala mesmo ou se é atuação, se for atuação é realmente convincente tanto que eu tô até em dúvida. A relação com a irmã é uma relação que é uma relação fraternal comum, mas é nítido que a irmã tem uma desconfiança dele em vários momentos, mas também sinto uma vibe de que ela quer proteger ele a qualquer custo também porque, querendo ou não, irmãos são assim. A relação com o cunhado é a menos desenvolvida do filme mas nas partes que tem é funcional para a trama.

É inegável a qualidade de "Um Herói", é um filme muito bom, um ótimo estudo de personagem, um filme que é puro, simples, real, tenso e pesado. Mas sinto que ver esse filme adorando os outros do Asghar Farhadi é um perigo pois é abaixo, enquanto os outros dois são quase obras-primas, esse aqui é "só" um filme muito bom, fica na sombra dos outros e sinceramente não dá para ver um filme de um diretor sem comparar com os anteriores, é quase impossível. É um filme excelente de qualquer jeito, mas esperava uma obra-prima e não recebeu, não é uma decepção pela qualidade do filme, mas é uma decepção por conta de expectativa. Recomendo verem, não só esse, mas os outros filmes do Asghar Farhadi, pois o cinema dele é pesado, tenso e fascinante e se você não conhece, conheça, vale a pena.

Nota - 8,0/10

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