Crítica - Fale Comigo (Talk to Me, 2023)
Mais um ano, mais um sucesso independente do terror.
Exibido pela primeira vez em 2022 no Festival de Adelaide (que é na Austrália, para quem não sabe), temos mais um daqueles terrores de baixo orçamento que fazem sucesso com o público e com a crítica e então se tornam grandes sucessos, como no ano passado vimos isso acontecer com "X - A Marca da Morte" (2022) e sua prequel "Pearl" (2022), e também com "Noites Brutais" (2022) e "Morte Morte Morte" (2022). Dirigido pelos estreantes irmãos Michael Phillipou e Danny Phillipou, temos, até então, a sensação do gênero em 2023, que graças aos seus meros U$4 milhões investidos, lucrou demais nas bilheterias ao arrecadar mais de U$68 milhões, sendo um sucesso para a distribuidora, já tendo anunciados uma continuação, uma prequel e a dupla de diretores já foi contratada para a realizar uma futura adaptação live action de "Street Fighter". Porém, quando vem esses pequenos fenômenos, eu sempre fico em dúvida se é realmente bom ou se a tal "cinefilia do Letterboxd" que eu citei na crítica anterior não está aumentando a recepção do longa exageradamente, então sempre entro com expectativas praticamente neutras, mas já adianto que esse eu curti.
Vemos uma história de macguffin, uma mão cortada e empalhada cujo quando você segura e diz as palavras "talk to me" ("fale comigo"), você consegue se comunicar com espíritos e então ao falar "I let you in" ("eu deixo você entrar), acaba criando-se uma conexão entre a pessoa e o espírito, que só pode durar noventa segundos, caso contrário, a ligação será eterna. Com essa premissa, acompanhamos um grupo de amigos que tem acesso ao artefato, cujo uma das integrantes, Mia (Sophie Wilde), uma garota traumatizada com a morte da mãe, acaba fazendo o rito várias e então se encontra alucinando com o espírito de sua progenitora, tornando-se viciada. Quando um dos amigos participa do ritual e fica quase totalmente possuído por um dos espíritos, nossa protagonista e os outros membros do grupo precisam correr contra o tempo para tentar salvá-lo. Essa sinopse que eu fiz foi bem resumida, porque de verdade é um longa que acontece muita coisa em pouco tempo e isso é apenas a essência do que acontece nos primeiros 70 minutos, pois o que vem a seguir é uma loucura. É um terror sobrenatural, que tem toda essa parte espiritual, mas que também traz uma parte psicológica bastante interessante, que acaba se sobressaindo quanto ao supernatural.
Os diretores sabem bem como trabalhar essa tensão, sabem como criar um horror convincente. A construção é feita lentamente, você vai acompanhando de pouco em pouco, sendo apresentado inicialmente a personagem principal, seus traumas, suas relações com a melhor amiga Jade (Alexandra Jensen), com o irmão mais novo dela, o Riley (Joe Bird), com o pai, o qual ela tenta se afastar por conta das lembranças da mãe, e a própria mãe. Com isso, o desenvolvimento dela é entorno da tal mão empalhada, como ela se identifica com aquilo por conta dela sentir que pode encontrar a mãe através daquele artefato, a conexão dela com o mundo sobrenatural, como ela se sente bem no início e como lentamente vai se tornando um pesadelo. É uma construção bem feita, você vai se imergindo, se interessando pela trama, pelo drama que a protagonista enfrenta. A direção é muito boa nesse quesito, você crê bem naquela situação, termina sendo uma jornada bem interessante de se acompanhar. Apesar de que algumas vezes a imersão quebra, pois o desenvolvimento lento acaba tornando-se um problema rítmico em certos pontos, que fizeram com que eu gostasse menos da obra.
O conceito eu achei bem original, pelo menos para mim, que não assiste tanto filme de terror. É bem interessante e com um potencial enorme para o futuro (não à toa, como disse lá no início, duas obras provenientes deste já foram confirmadas), funcionando como um artificio para a tensão, criando boas cenas de horror, com um suspense crível e que pegam desavisados no susto sem apelar para o artifício do jumpscare, mesmo tendo um ou outro de vez em quando, mas pelo menos não são aqueles que são óbvios ou que tentam construir algo para chegar no momento, é reto e direto e funcional. Choca mais pelo o que se torna, as proporções que vão tomando, o arco da protagonista indo de uma adolescente traumatizada (ou seja, adolescente mais fraca) para uma mais traumatizada ainda que mexe com o coisa ruim (adolescente média), como essa jornada vai tomando proporções inesperada, com atos na tela que vão surpreendendo. O que acaba pesando contra é o elenco e os personagens, que sinceramente, quase nenhum se salva, com exceção da Alexandra Jansen que faz a Jade e da Miranda Otto (nossa eterna Éowyn) que também não são lá essas coisas, são performances comuns, mas o resto é bem qualquer coisa. A Sophie Wilde, a protagonista, até manda bem nas cenas comuns, quando ela precisa demonstrar o medo da personagem, é convincente, mas na parte do terror, quando ela precisa gritar especialmente, não curti muito. Tampouco os coadjuvantes, que são arquétipos batidos como o adolescente gay, o namorado genérico da melhor amiga ou os dois drogados. Faltou criar personagens mais memoráveis.
Mesmo assim, "Fale Comigo" é uma boa surpresa, tendo bons momentos de horror, trabalhando tanto o sobrenatural quanto o psicológico da coisa, quebrando a expectativa e se provando como um bom drama dentro do gênero. Tive problemas com a imersão, com a maioria das atuações e com os arquétipos daquela galera que são qualquer coisa, que dá para encontrar em qualquer obra de terror por aí e aqui não tem nenhuma especialidade. No entanto, é bem original, tem um conceito interessantíssimo que consegue sustentar uma franquia por algum tempo, que pode crescer e gerar frutos atrativos futuramente. Consegue assustar, convence com um drama psicológico bem desenvolvido, tem um excelente trabalho técnico, de trilha sonora que ajuda a se imergir, uma montagem que cria bem o clima de terror e no final uma adrenalina legal de acompanhar, e principalmente, de maquiagem, que cria negócios bizarros de maneira muito bem feita. É um filme bem legal, que eu curti, não é o melhor filme de terror da década, mas é bacana de olhar.
Nota - 7,5/10