Crítica - As Tartarugas Ninjas: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem, 2023)
Mais uma nova abordagem sobre as Tartarugas Ninja, mas agora uma que explora realmente a parte das Mutantes e Adolescentes.
As gloriosas Tartarugas Ninja estão de volta, mas não é como se elas estivessem fora por muito tempo. Criadas por Kevin Eastman e Peter Laird nos anos 80 como adolescentes mutantes com uma sede de vingança e violência tremenda, depois foram transformadas em um desenho infantil para gerar uma franquia de bonecos (vejam o episódio na série documental da Netflix "Brinquedos Que Marcaram Época") e fez um sucesso inacreditável, logo sendo adaptadas para o cinema em 1990 com um live-action que rendeu mais de U$202 milhões de dólares, sendo, na época, o longa independente de maior bilheteria de todos os tempos. Depois tiveram duas continuações, teve série de tv, crossover com os Power Rangers, outro desenho em 2003, um filme animado em 2007, outra série animada em 2012 (a minha favorita), dois live-actions 2014 e 2016 e depois um novo desenho em 2018 que durou até 2022 com o lançamento de um novo filme (estes últimos foram os únicos que eu não vi). TMNT é algo que mexe muito comigo, principalmente porque lembra muito da infância, via tudo, tinha brinquedo, jogo, usava cabo de vassoura fingindo ser o Donatello e está enraizado na minha vida desde sempre, inclusive a adaptação de 2014 foi o primeiro filme que eu vi no cinema (ou seja, o início de tudo), apesar de estar meio afastado e a última coisa deles que eu tive contato foi a excelente HQ "O Último Ronin". Mas, agora, com uma nova adaptação, será que continua me conquistando ou é apenas coisa de infância? Bom, adianto, não, não é nostalgia, é realmente muito bom.
Na nova adaptação, vemos Leonardo (Nicolas Cantu), Donatello (Micah Abbey), Raphael (Brady Noon) e Michelangelo (Shamon Brown Jr.) são irmãos na fase da adolescência que sonham em serem aceitos pelo mundo humano, frequentar escola, conhecer novos amigos e arranjar namoradas, mas, são superprotegidos pelo Mestre Splinter (Jackie Chan), com medo de que eles sejam malvistos ou maltratados. Nisso, quando uma noite eles desobedecem o pai e acabam conhecendo a jovem jornalista April O'Neil (Ayo Edebiri), ela lhes revela que tem uma gangue liderada pelo vilão Super-Mosca (Ice Cube) está tacando o terror em Nova York. Nisso, os nossos heróis precisam agir nas sombras para deter essa ameaça e tentar serem aceitos pela sociedade humana. Cara, primeiro que eu gostaria de dizer que é a adaptação que melhor trabalha a parte adolescente do grupo, na realidade, é a fase de início da adolescência, as tartarugas tem entre 13 e 14 anos tranquilamente, que vemos elas agindo como moleques, nerdol deas irresponsáveis, que discutem sobre filmes nerds, animes, quadrinhos, fazem desafios, escutam música, jogam videogame e a coisa mais adolescente do mundo: desobedecer o pai fazendo bosta. Apesar de resquícios disso nas obras passadas, esta é a que mais abraça esse lado, que mais entende como adolescentes agem de verdade, como é a interação entre eles (parecem meu grupo de chat só que com menos preconceito e menos palavrão).
A adaptação novamente reboota a origem das Tartarugas Ninja, já é a sétima origem diferente, mas aqui há uma das mais diferentes dentre todas essas, até porque não envolve apenas o núcleo principal, eles recontam a história do Super-Mosca, e representam vilões de uma forma nunca antes vista, como o Dr. Baxter Stockman (Giancarlo Esposito) - que aqui nem vilão mais é, é apenas um cientista doido; Bebop (Seth Rogen) e Rocksteady (John Cena) e outros personagens de prateleira B da franquia, como Mondo Gecko (Paul Rudd), Ray Fillet (Post Malone), Leatherhead (Rose Byrne) e mais. Além da já citada abordagem pré-adolescente dos quatro protagonistas, também vemos a nova April, apesar de ter causado polêmica por um bando de crianção de 40 anos reclamando da mudança de etnia da personagem (que, literalmente, não influencia NADA, inclusive ela continua ruiva), essa nova adaptação da clássica personagem funcionou bem ao retratá-la como uma adolescente aspirante à jornalista que é insegura e precisa superar seus medos. Mas só pelo fato de arriscar ser diferente, de não precisar depender de Destruidor como vilão, um monte de capanga genérico do Clã do Pé, ou da necessidade de interligar a April com a origem das Tartarugas, já vale a pena, pois denota que é uma abordagem nova que busca coisas diferentes cujo funcionam com maestria, na minha visão.
Sobre a história, é um troço super simples, mas que conquista pelos seus traços verdadeiros de interação, de diálogos, relação entre os personagens e as mensagens que passa, sobre aceitação, o preconceito e tudo mais. É corajoso abordar isso na obra mais infantil de TMNT desde o desenho dos anos 80, mas é uma mensagem válida e extremamente importante para os dias de hoje, claramente inspirada pelos X-Men e que traz bem como a sociedade se renega ao diferente, como as pessoas agem (se bem que se eu visse um rato antropomórfico conversando como uma pessoa normal e sendo pai de quatro tartarugas eu também sairia gritando por aí com medo). Mas é sempre bom ter essa mensagem para as crianças entenderem de forma mais sucinta a terem respeito e é de um jeito natural, a maneira na qual é inserida na trama é bem feita. Apesar de que eu acho que há uns escorregões nessa parte de roteiro, pois tem personagens que mudam de opiniões facilmente sem nem questionar e no final utilizam do recurso de monstro gigante para rolar uma baita luta épica de terceiro ato, no entanto, acaba funcionando pelo puro carisma dos personagens e como eles agem perante à essas situações.
A interação entre a equipe é, de longe, a coisa mais funcional do longa, e como eles vão amadurecendo ao longo da trama, se encontrando nas funções que as sempre vimos na história desses personagens, então acompanhamos a jornada do Leo até se tornar um líder, o Donatello aprendendo a se virar além das tecnologias, o Raphael controlando sua raiva e o Michelangelo improvisando e tentando se achar nessa parte cômica da narrativa, que é incrível e tem um desfecho satisfatório. O desenvolvimento é primordial, é brabo e traz essa áurea confortável, pois eles conseguem fazer com que a relação entre os protagonistas seja identificável para os espectadores, converse com o público alvo (infanto-juvenil), mas que também consiga se relacionar com os adultos através de lembranças, de lembrar da adolescência e a relação com os velhos amigos, ou de se identificar com o Splinter por querer a proteção dos filhos e tentar se relacionar com os mesmos. Essa visão dos personagens é muito legal, muito funcional, é impressionante como a vibe dessa galera é contagiante e acaba sendo atual, mas sem desrespeitar o espírito clássico dos personagens, Leo continua sendo o líder honrado, Donnie ainda é o mano da tecnologia, Rapha ainda é o brigão, Mikey ainda é engraçado, Splinter ainda é um sábio e um exímio artista marcial, a April ainda é uma jornalista e por aí vai. Há a atualização, a adaptação, mas mesmo assim a e essência continua a mesma.
Sobre parte técnica, é lindíssimo! Talvez o desenho animado mais bonito do ano, com certeza está no top 3. Ela segue a onda de "Homem-Aranha no Aranhaverso" (2018), que influenciou a DreamWorks com seu sucesso "Gato de Botas 2: O Último Pedido" (2022) e foi novamente utilizado na sequência "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" (2023), que até então é a animação mais bonita visualmente linda do ano, quase consenso, e então essa que estou analisando segue uma lógica parecida, mesclando o 2D com o 3D, mas aqui realmente puxando para o lado de parecer um desenho feito à mão, com a animação borrada para dar efeitos de movimento e detalhes por cima que aparentam ser desenhados com giz de cera, é muito lindo e se encaixa perfeitamente nessa estética infanto-juvenil, com uma paleta de cores viva que chama a atenção dos olhos. Sem contar o visual dos próprios personagens, diferenciando as tartarugas em características físicas e acrescentando certos detalhes que condizem com a personalidade de cada um, além do estilo descolado da April que se adapta a uma moda comum dentre as adolescentes, mas sem deixar de lado suas roupas amarelas e o cabelo ruivo. Tem outros visuais irados, como o do Bebop, do Rocksteady, do Mondo Gecko e principalmente do Super-Mosca, que é mil vezes mais bad-ass que todas as outras versões anteriores. O único que eu não curti muito foi do Splinter, mas é questão de gosto mesmo.
Com isso, finalizo dizendo que "As Tartarugas Ninjas: Caos Mutante" é uma das melhores animações do ano, sendo extremamente divertida, nostálgica e de fácil identificação ao tratar alguns dos heróis da minha infância com uma nova abordagem acessível, que funciona tanto como introdução para uma nova geração tanto quanto para quem já é fã há muito tempo e viu novamente uma boa adaptação dessa galera (exceto uns bebezões de 40 anos que reclama de coisinha besta e tenta mascarar o preconceito). É um filme que conversa com seu público, que traz uma aproximação, que tem referências e easter eggs para os jovens, que tem situações adolescentes acontecendo e até situações adultas através do Mestre Splinter. Lindíssima visualmente, uma baita trilha sonora, uma mensagem importante e, especialmente, muito carisma e identificação, vale muito a pena assistir e múltiplas vezes.
Nota - 8,0/10