Crítica - O Conde (El Conde, 2023)

Bom filme, mas errou a marcha no final.

Já falei sobre Pablo Larraín por aqui, quando ele lançou o divisível "Spencer" (2021) e, se você se lembra bem, eu adorei aquele filme lá quando eu escrevi meu texto em 2021 e mantenho a mesma opinião sobre. Lá, digo como o diretor pega aquela história real e cria uma espécie de fábula, colocando sua visão sobre algo existente, porém que não ocorreu daquela maneira. Agora com seu novo filme, retornando à sua terra-mãe, o Chile, Larraín opta por fazer outro conto de fadas sombrio, dessa vez retratando a vida de Augusto Pinochet... sim, eu sei, você não tem a mínima ideia de quem é esse cara, eu também não tinha, mas dei uma pesquisada para fazer o texto e lhe direi aqui: Pinochet foi um general (e posteriormente presidente) chileno que realizou um rápido e brutal golpe de estado e implantou uma ditadura no Chile dentre 1974 e 1990, cujo seus ideais e atitudes durante o período foram extremistas e totalmente fascistas, sendo até condenado pela ONU em 1977 devida à brutalidade de seus atos. O ditador morreu em 2006, alguns anos depois do fim de seu regime e escândalos de corrupção envolvendo seu nome, e a memória que o povo chileno tem dele é, em maioria, ruim, mas acredite se quiser, tem gente que defende ele e o considera um ícone da direita no país (é um troço bizarro, eu sei). O diretor e seu co-roteirista Guillermo Calderón então, vendo essa figura polêmica, se perguntou: "por que não retratar este cara como um vampiro?" e cá estamos para analisar o longa.

A história criada pelo roteirista é que Augusto Pinochet (Jaime Vadell) foi um antigo soldado francês, que depois de muita bebida e prostituta, decidiu se mudar para o pequeno país Chile e tentar dominá-lo. No entanto, como já foi lido por vocês, Pinochet na verdade é um vampiro, que quando descoberto seus esquemas de corrupção, finge a própria morte para posteriormente viver de forma isolada e sem preocupações. Depois de séculos de vida, o Conde está pronto para morrer, no entanto, as pessoas à sua volta estão na espreita para levar uma última mordida e adquirir a imortalidade, especialmente sua esposa Lucía (Gloria Münchmeyer), e também acompanhamos sua relação com o mordomo Fyodor (Alfredo Castro) e com uma jovem contadora chamada Carmen (Paula Luchsinger). A metáfora feita e trabalhada por Larraín é meio óbvia, o ditador é um vampiro por sugar o sangue dos outros, fazendo referência ao banho de sangue causado por ele no país e o tanto que ele tem nas mãos. Entretanto, são várias alegorias no longa, algumas usadas como artifício cômico, em diálogos entre os personagens, mas acaba que torna-se cansativo quando há um grande plot twist no final, que surpreende pela mega volta que os caras conseguiram dar na história, no entanto, perdoem o palavreado, mas foi aí que a obra foi para o car4lho.

Há uma boa construção de Larraín, ele te coloca no universo do filme e já de cara você compra. Nos é apresentado Pinochet, a história que criam para ele como vampiro, como ele ascendeu ao poder do governo do Chile, como ele perdeu o mesmo, fingiu a própria morte e então entramos na linha principal da trama, onde acompanhamos a relação dele com a esposa, os filhos e seu mordomo (e fiel escudeiro). Essa representação vampiresca do general é bem interessante, pois na comédia satírica de humor negro que acompanhamos, você cria sentimentos conflitantes quanto a ele, pois ele é um babaca, um corrupto, fascista, que só abre a boca para falar bosta, mas o ator que o interpreta, o Jaime Vadell, é tão carismático e tão bom, ele entrega tanto no papel tanto comicamente quanto dramaticamente, transpassando aos espectadores o sentimento que o Conde está passando, uma espécie de suicídio lento, onde ele sabe que vai de base, quer isso, mas hão conflitos sobre isso, seja o sentimento sobre a vida em si, sobre o amor ou sobre o pensamento do povo chileno quanto a ele, que obviamente o filme zoa ao vermos ele e seus familiares considerando "ingratidão". Essa ironia é muito bem colocada, a forma como o diretor consegue equilibrar a sátira com o drama e o terror clássico que ele quer contar é excepcional.

No entanto, há um problema, que é o final do longa, onde lá as proporções mudam. Havia uma linearidade nos acontecimentos, uma lógica coerente com aquilo que é apresentado, até que no fim acontece uma reviravolta, que de início surpreende genuinamente, até porque quebra o mistério da língua, do porquê de uma obra chilena ter uma narração em inglês, mas o desenrolar é muito feio, o que acontece é acelerado e vira uma bagunça completa, eu realmente perdi a noção ali porque vai ocorrendo um troço mais esquisito que o outro e acaba que perde as rédeas. Sinceramente, o plot twist em si eu achei muito bom, primeiro que denota uma posição clara do diretor ao interlaçar duas polêmicas figuras políticas do século XX (para não dizer outra coisa), a revelação é chocante, mas tudo que vem depois é um potencial tão grande desperdiçado. Outro empecilho que eu tive foi a oscilação de ritmo, pois as vezes há uma escorregada da direção em saber o que quer, indo de cenas mais calmas de diálogos, cenas frenéticas com muitos cortes e as que se inspiram nos clássicos de terror da década de 30 (que particularmente são as melhores do longa), essa diferença faz com que partes da obra sejam desproporcionais a outras, principalmente quando Jaime Vadell está na tela, porque suas cenas sempre se sobressaem pela sua grande atuação.

Apesar dos pesares, ainda temos um show técnico e visual. É um filme preto e branco, desde que Alfonso Cuarón lançou o "Roma" (2018) e arrebatou todos os prêmios de fotografia na temporada de premiações de 2018/19, parece que todo ano tem algum filme tentando repetir o feito, mas na minha opinião, este (ao lado de "A Tragédia de Macbeth", de 2021) é o que melhor utilizou o filtro. A decisão estética não é à toa, é a representação daqueles filmes antigos de vampiros como eu já citei, tendo uma inspiração mais notável em "M - O Vampiro de Düsseldorf" (1933) e em "Drácula" (1931), e cara, é muito bonito, muito simétrico, a mise-en-scène é um absurdo, pois como há falta de cores, o que sobra é um jogo de luz e sombra interessantíssimo, ficou incrível. Ainda mais somado com um trabalho maravilhoso de direção de arte, com cenários bem pensados, e de figurino, onde mesclam a contemporaneidade com designs que remetem aos anos 30, e também o do personagem principal cujo misturam o uniforme militar com uma roupa estilo drácula. Outro destaque é a trilha sonora, que cria todo esse ar sobrenatural na trama, ajudando bastante na imersão, emulando os longas de horror antigos e dando esse sentimento tenso que convence.

Um longa que desperdiça potencial em certos pontos, "O Conde" é um bom filme, com uma parte técnica incrível, boas referências, uma sátira política majoritariamente engraçada e uma atuação muito boa de Jaime Vadell. Eu achei bastante criativa essa fábula, a metáfora, apesar de bem básica e de rápido entendimento, foi bem trabalhada. As relações são muito bem desenvolvidas, a fotografia é sensacional (e pode ser um concorrente no próximo Oscar), a direção de arte é espetacular e a trilha sonora é muito funcional. No entanto, acaba por dar marcha ré ao não saber como trabalhar com um plot twist que choca, mas que seu desenvolvimento é confuso, rápido demais e é meio bizarro. Mesmo assim, continua sendo um filme legal de assistir, com uma crítica pertinente e que entretém de certa forma, mas poderia ter sido melhor. Eu até daria um sete e meio, beirando um oito, mas o final cagou com tudo, então...

Nota - 6,5/10

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