Crítica - Planeta dos Macacos: A Guerra (War for the Planet of the Apes, 2017)

A conclusão de uma jornada épica de um grande protagonista.

Depois de dois filmes anteriores extremamente bem sucedidos, seja por crítica, público ou bilheteria, temos o retorno para o final da trilogia, que se propõe a encerrar o arco de Caesar e preparar terreno para o futuro. Após a excelente repercussão de O Confronto, a Fox trouxe de volta Matt Reeves para a cadeira da direção, em mais uma obra onde ele dá um show, criando um blockbuster grandioso. Como eu já disse em vários textos anteriores, o que transforma a ficção científica em memorável é a mensagem, como nos anteriores que falava sobre como a humanidade é autodestrutiva, e aqui continua, é a base da franquia desde 1968, mas aqui vai além, fala sobre história e o risco dela se repetir, mesmo que sem perceber. Na hora do texto eu falarei mais sobre, mas aqui nós temos o ápice do que esse universo pode entregar, enquanto o outro tinha mais ação, esse busca mais por encontrar conflitos internos nos personagens, mostrando as consequências do que viver em um mundo corroído e dividido entre raças pode causar na mente em um suposto conflito, cujo existe apenas na cabeça da humanidade.

Anos depois de O Confronto, os macacos liderados por Caesar (Andy Serkis) ainda não descobriram um local ideal para chamar de lar, pois ainda sofrem perseguições por militares, liderados por um louco Coronel (Woody Harrelson). Quando as tropas invadem a esconderijo, o Coronel acaba tirando a vida da esposa e do fogo mais velho de Caesar, causando uma ira no protagonista, que ainda tem conflitos com si mesmo por ter matado seu rival Koba no filme anterior, e agora ele percebe que não são tão distantes as semelhanças entre os dois. Em busca de salvar seu povo, o protagonista sai em uma jornada ao lado de seus generais, Maurice (Karin Konoval) e Rocket (Terry Notary), onde ele encontra Nova (Amiah Miller), uma garotinha humana muda, e Bad Ape (Steve Zahn), um macaco de zoológico que desenvolveu a habilidade de fala. Agora, em busca de encerrar o assunto e viver longe da humanidade, Caesar busca trazer paz entre as duas espécies, mas precisa intervir no conflito, não só entre humanos e macacos, mas dos humanos contra eles mesmos.

Apesar de se chamar "Guerra", tem menos ação que no anterior, isso se deve ao fato de que a guerra que Reeves está interessado em apresentar não é um conflito armado em um campo de batalha (não que ele não mostre), mas o que ele quer é mostrar o conflito interno que cada um dos personagens tem consigo mesmo, especialmente Caesar e o Coronel. Este longa é o ápice do Caesar como personagem, que o consolida como um dos melhores protagonistas do cinema nos últimos quinze anos, já que fazer o espectador se apegar com um macaco computadorizado é algo que soa tão ridículo, mas é tão bem feito que parece normal. Aqui temos ele desiludido, como alguém que poderia não ter mais nada a perder, mas como um líder, ele mantém a esperança, a força de vontade, ele não aceita seu povo estar em uma posição de vulnerabilidade, de estar em risco de não viver em paz, com isso ele vai até o final em busca de algo melhor para eles. A morte de sua esposa e filho é um grande estopim para ele enteder que ainda há raiva em si, porém, que tem ainda mais fé, e é isso que o torna um líder.

A jornada pessoal de Caesar é tão extensa, complexa e passa por tantas fases que o tratamento que o Reeves dá a sua figura é quase a de uma biografia de uma figura histórica, a importância que ele tem quando aparece na tela e como ele lida com os próprios conflitos. O principal deles sendo a culpa e a identificação com seu antigo arqui-rival, Koba, o qual (caso você não tenha visto o filme anterior e nem lido meu texto) foi um macaco rebelde que tentou liderar um golpe contra o protagonista e criar esse extremismo anti-humano dentro da comunidade. Caesar aqui tem motivos para tornar-se igual ao antigo inimigo, existem acontecimentos o suficiente, ao ponto do principal ter visões e alucinações com Koba em sua mente. Por mais que isso o assuste, é justamente isso que faz com que ele siga em frente e provar para si mesmo que ele não é desse jeito. Ainda mais com sua relação com humanos, e aqui há mais um o qual ele cria uma relação, uma garotinha muda chamada Nova (nome em referência ao interesse romântico do personagem do Charlton Heston no original), a qual ele tenta proteger e leva junto com ele e seus generais, justamente por estar fragilizado pela perca de seu filho, ele leva ela como filha e ela aceita os macacos como guias do mundo.

Sobre o vilão, é um personagem bastante difícil de entender ao mesmo tempo que é um tanto fácil. Ele não tem nem nome, apenas o título de Coronel, já que em um mundo tão devastado para a humanidade, o nome já nem importa mais, ele irá sumir de qualquer jeito. E ele é um antagonista que diz ter tanto amor pela humanidade, tanto apreço pela história do povo (até ter basicamente tatuado na parede de seu QG "history, history, history"), porém ele repete alguns dos maiores erros que já foram cometidos na história do mundo. Ele torna-se um ditador, um extremista, tão louco que é caçado pelos próprios humanos que discordam de seus atos insanos. Ele captura e escraviza os macacos, fazendo praticamente algo semelhante ao holocausto com os símios (bom, pelo menos é a metáfora), passando por cima e matando a sangue frio quem fosse contra suas decisões. Ele também tem motivos para ser assim, após uma mutação do vírus que devastou o planeta, uma das vítimas foi seu único filho, o qual ele decidiu sacrificar por suas próprias mãos pelo futuro da espécie, o que pode ser interpretado como um ato de insanidade ou de empatia, dependendo do ponto de vista; insano em cometer tal ação, compaixão em ter feito isso pelo bem comum. Até o final dele é muito bem construído e coerente com o que havia sido apresentado até então, em uma atitude que ele, por seus devaneios, com certeza cometeria sem Caesar em cena.

E as atuações são outros destaques, eu já cansei de destacar o trabalho do Andy Serkis nessa franquia com a captura de movimento e o quanto é revolucionário para o cinema contemporâneo. Cara, não é só uma voz através de um boneco, é toda uma performance corporal, o porte dele, a maneira como ele age como um líder, como uma figura imponente, a simulação dele andando como um primata, é tudo espetacular, vendo os making ofs fica melhor ainda, e mais a voz é um combo perfeito, é uma voz mais grossa, realmente dando um teor de envelhecimento, é absurdo. Também é preciso destacar Karin Konoval como Maurice e Terry Notary como Rocket, personagens que estão desde o início e que só crescem ao longo da franquia, com Maurice sendo um personagem adorável e tão amável quanto Caesar, e Rocket é um daqueles que não se destaca tanto, mas joga sempre pelo time. E o Woody Harrelson não tem uma atuação tão diferente do que ele já fez outras vezes, é o milésimo militar que ele interpreta, mas ele passa tanta veracidade na performance, ele traz essa dor e essa insanidade ao mesmo tempo, ele é louco, ele tem motivos para ser e ele não consegue ver o quão insano ele é, e é isso que o torna assustador, com Harrelson tendo momentos de destaque em um bom duelo com Caesar.

É preciso separar um parágrafo só para falar dos efeitos visuais, já que atinge um novo nível de computação gráfica em comparação com os antecessores. Cara, aqui parece que é show off de propósito. Tem macaco peludo, sem pelo, calvo, macaco na chuva, no sol, na neve, macaco assustado, chorando, cansado, com raiva, mentindo, surpreso. É tanta variedade, e cara, existem detalhes que são feitos para diferenciar cada um, e você nota, sabe quem é quem, e é mérito da direção e do capricho técnico que os caras tiveram em construir individualmente cada personagem (pelo menos dentre os principais). O trabalho é tão inacreditável que ver a expressão no rosto dos bichos é crível, você vê lábio tremendo, pelo arrepiado, olho lacrimejando, olhares de desespero, medo, esperança, felicidade, e soa tão natural como se fossem humanos. O ápice é ver um símio armado montado em um cavalo, nenhum dos dois ser verdadeiro, e você acreditar que aquilo é realmente possível. Esse é o nível de computação gráfica alcançado, depois de "Avatar" (2009), com certeza é o melhor trabalho nessa área de mo-cap e CGI. Uma pena que não foi devidamente valorizado pela Academia nas três chances que teve.

Sobre outros aspectos técnicos, eu confesso que sou fã de filmes situados na neve por deixar justamente este visual mais glacial, mais frio, deixa qualquer filme mais bonito de assistir. A fotografia desse filme, para mim, é espetacular, já que é bem utilizada essa coisa da neve em tela, o aspecto é condizente ao que está de fato acontecendo na trama, onde é uma tensão o tempo inteiro mesmo quando não há nada acontecendo. Tem duas cenas onde eu acho que são destaque, a primeira é o conflito final, quando a oposição ao General chega ao QG dele, e a outra é a cena que vem na sequência da avalanche, onde ali é uma câmera em movimento acompanhando macacos (que não existem de verdade) fugindo de uma tempestade de neve (que também não é neve verdadeira), o que não é só um trabalho muito difícil de ser feito em set, como também de trabalhar por cima disso na pós, e sai perfeitamente, é impressionante de assistir. A trilha sonora também é ótima, como disse no texto anterior, o Michael Giacchino traz esse tom de blockbuster épico, é completo nesse quesito, precisando de uma melosidade maior em momentos mais dramáticos e pesados, e em um tom maior, mais alto, quando ocorre uma cena de ação ou onde é necessária uma tensão maior. É um excelente trabalho de composição, é uma trilha marcante e o Giacchino constrói perfeitamente dentro do longa, ajuda muito a ser o que foi.

Encerrando essa trilogia dizendo que "Planeta dos Macacos: A Guerra" consegue ser o melhor dela. Apesar de menos dramático que o primeiro e com menos ação que o segundo, consegue ser quase o pico da franquia ao trazer a versão mais estabelecida de Caesar, que se põe em um patamar gigantesco, como um dos melhores protagonistas de blockbuster do século. Não só a tudo que acontece, como ele se torna um líder incrível, como ele era praticamente predestinado a ser essa figura messiânica desde a primeira cena em que aparece, mas também a uma performance revolucionária de Andy Serkis em captura de movimento, vão ter que comer muito feijão com arroz para chegar nesse nível novamente (tudo bem que tem Avatar e tal, mas ali são bichos humanóides, o cara deu expressão, emoção e porte para um chimpanzé). Com a parte técnica simplesmente perfeita, um vilão insano que é o melhor da franquia na minha visão, uma mensagem e uma metáfora válidas, trilha sonora impecável, uma revolução no uso de computação gráfica e captura de movimento no cinema, não tem mais nada além de dizer que aqui é uma perfeição, é o ápice do que poderia acontecer. Um encerramento digno, que mostra a potência da magia do cinema ao fazer o espectador ficar triste com a morte de um macaco em CGI. Que jeito de encerrar o arco dessa história.

Nota - 10/10

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