Crítica - Amigos Imaginários (IF, 2024)
A criativa e eclética mente de John Krasinski sendo posta à prova.
John Krasinski é um ator muito querido, todo mundo gosta dele, fez vários papéis famosos, e decidiu se aventurar na direção ao realizar alguns filmes que não fizeram muito sucesso, como a adaptação independente de "Encontros Breves com Homens Hediondos" (2009) e a comédia dramática "Família Hollar" (2016), mas seu estabelecimento e sua fama como diretor surgiu com "Um Lugar Silencioso" (2018), um terror de ficção científica que fez um enorme sucesso em crítica, público e bilheteria pela experiência imersiva que causa em um mundo pós-apocalíptico dominado pelo silêncio. Após este e sua sequência, o próximo projeto que Krasinski nos traz como diretor é este: uma aventura infanto-juvenil com comédia e fantasia. Aqui seria sua verdadeira provação, se iria mostrar que ele é fogo de palha e que sua franquia de terror foi apenas um ponto fora da curva, ou se ele é bastante eclético e conseguiria trazer uma boa comédia infantil. E olha, eu já adianto que eu gostei bastante do que vi aqui, é algo original, mas que traz uma certa nostalgia boa pelo resgate desse tipo de filme, uma aventura gostosíssima, onde existe uma maturidade para retratar certos assuntos e que conquista por um carisma geral dos fatores: o elenco, os personagens excêntricos, o visual, a trilha e a narrativa.
Bea (Cailey Fleming) é uma garotinha de 12 anos, bastante esperta, criativa e exploradora, mas ao mesmo tempo precisa lidar com problemas da vida precocemente ao já ter perdido sua mãe quando menor, e agora seu pai (John Krasinski) que está esperando por uma cirurgia cardíaca no hospital. Quando um dia ela vê uma figura estranha, ela o segue e a vê acompanhando Cal (Ryan Reynolds), e esta figura revela-se como Blue (Steve Carrell), um IF (Imaginary Friend), nada mais que um amigo imaginário de alguma criança cujo a mesma cresceu e agora busca por uma nova para ser sua companheira. Por seu dom de conseguir enxergá-los, Bea decide ajudar Cal nesta jornada por achar um novo lar para os IFs, nisso precisando lidar tanto com dramas lúdicos quanto aos personagens aqui apresentados, quanto os seus dramas pessoais, tentando descobrir se o crescimento e o amadurecimento realmente tem que estarem entrelaçados. Para quem viu ao filme, o que posso falar na sequência pode ter um duplo sentido, mas saibam que estou falando sem maldade: o Krasinski colocou muito coração por aqui, é pura emoção o tempo inteiro, e todas sempre com um sentimento positivo prevalente, até as cenas feitas para chorar são chorando de emoção.
Krasinski idealizou o filme, não é uma ideia totalmente original, existe um seriado com uma premissa parecida chamado "Happy!", que é uma série de comédia adulta, uma trama bem mais punk, e, é claro, o grandioso desenho "A Mansão Foster Para Amigos Imaginários". Aqui, é um longa mais ingênuo, voltado para um público infantil. "Infantil" entre aspas, já que é a mesma lógica que eu falei sobre "Divertida Mente 2" (2024) no meu último texto: ele conquista tanto as crianças, seja pelo visual, a comédia, as cenas, quanto os adultos, pela mensagem, pela situação, por identificação ou outros fatores. Amigo imaginário é algo que provavelmente quase todo mundo teve, é claro que quando muito pequenos, eu tenho quase certeza de que eu tinha um, mas eu estaria mentindo se eu dissesse que me lembrava dele. É exatamente nisso que Krasinski quer focar, ele quer mostrar o lado das criaturas que foram esquecidas. De alguma forma, se complementa com o próprio Divertida Mente e a questão do Bing Bong, se parar para pensar. Quanto mais velho você fica, mais você vai esquecendo dos momentos de descontração da infância, nisso deixando para trás várias coisas que momentaneamente nos faziam felizes. É sobre esse resgate que o filme fala, sobre tentar lembrar de coisas mínimas da vida que te traziam alegria sem você nem perceber.
O longa tem uma condução bem lúdica por Krasinski, que resgata um senso de aventura dos anos 2000, colocando o protagonismo para a figura da criança destemida e criando todo um universo ao seu redor. É bem pitoresco, mas você consegue se envolver através da simplicidade, da criatividade da história e uma nostalgia estranha que creio eu que seja a mescla dos fatores: a vibe lúdica e fantasiosa, a trama simples porém madura, a identificação com a protagonista, o assunto tratado e o visual. O diretor consegue amarrar tudo isso de maneira espetacular, criando uma experiência de "Pixar em live-action", para resumir melhor o que é este filme de forma geral. Tem toda a aventura, as cores, mas ao mesmo tempo tem um lado mais adulto, um drama que pega mais forte, então existe um equilíbrio desenhado pelo Krasinski, onde ele acerta o tom com maestria. É uma narrativa sensacional, onde ele te prende por grande parte da experiência. Acho que ele peca ali no início, primeiros vinte minutos, mas quando engrena, nunca desce de qualidade e se mantém em um alto e, diria até que, surpreendente, patamar, realmente impactando com cenas emocionantes, chocando com suas reviravoltas e empolgando com sua mitologia.
A protagonista Bea é uma ótima personagem, confesso que é bem mais protagonismo do que eu pensei e em um foco muito maior do que o esperado, além dela entregar uma atuação surpreendente. No filme vemos ela como uma criança (aí que começa a magia do cinema, já que na vida real essa menina tem quase 18 anos, eu fiquei em choque quando descobri), e ela está naquela teórica transição mental de criança para adolescente, onde ela quer se afastar daquilo que ela fazia quando criança, até porque aqui ela quer ficar mais distante dos fatos que a afetaram, como a morte da mãe e a doença do pai. A interação dela com as criaturas imaginárias se fosse ruim eu viria aqui e chamaria ela de esquizofrênica, mas como é bom, torna-se uma relação utópica onde ela vai entendendo melhor como funciona a vida e como a mentalidade se desenrola, que não existe hora certa para amadurecer e nem para deixar de ser criança, ou melhor, deixar de acreditar no lúdico. A Cailey Fleming é excelente no papel, o grande destaque, onde ela consegue trazer uma menina aparentemente corajosa, criativa, mas que através do olhar dá para ver sua insegurança, sua incerteza quanto ao futuro e como ela tenta achar distrações para superar os problemas atuais.
Enquanto Ryan Reynolds, devo dizer que Cal é o papel menos Deadpool que ele interpretou em anos. É óbvio, é um filme infantil, não tem espaço para ele sair loucurando e falando palavrão adoidado. Mas aqui seu personagem tem uma aura de aposentado, de um cara meio esquisito, de mal com a vida, que, inicialmente, aparenta ser meio perturbado pelos IFs, que parece ter aquele dom, mas que ele internamente considera uma maldição. A relação dele com a Bea é muito legal, é como uma relação de mentor-aluna, mas no final acaba sendo um apoio emocional enorme para a garota, sendo quase como um irmão mais velho. Numa relação que é zoada pelo próprio filme, ao existir uma gag recorrente de Cal ser visto com Bea em público, em lugares, digamos que, não convencionais, para não ser incompreendido, e é sempre muito engraçado. O timing cômico do Reynolds é perfeito, a presença dele abrilhanta o longa, ele não fica contido nesse papel mais light, achei que isso seria uma limitação, mas ele se sai bem, é bem competente e quando vem a revelação do que ele realmente é, é bem impactante e surpreendente.
Sobre os IFs, cara, que conceito massa! Como disse anteriormente, não é 100% original, outras obras já trouxeram ideias semelhantes, só que a maneira a qual aqui é apresentado e desenvolvido é muito bem feita, é pura emoção. Existe um entusiasmo claro em contar sobre eles e qual o conceito, qual a história por trás e que carrega esse longa. Aquece o coração ver todas aquelas loucuras que as crianças imaginaram, é extrapolado. Tem vários, com ideias simples, porém sensacionais e intérpretes inusitados, ex: Marshmallow (Krasinski), Bolha (Awkwafina), Unicórnio (Emily Blunt), Astronauta (George Clooney), Flor (Matt Damon), Banana (Bill Hader), Ice (Bradley Cooper), Gosma (Keegan Michael-Key), dentre outros. Os principais acabam sendo: Blue (Carell), que vai muito bem, com sua voz sendo quase irreconhecível, ele traz uma vibe de fofura, ao mesmo tempo que uma insegurança, mas sem deixar a positividade de lado; Blossom (Phoebe Waller-Bridge), que é uma formiga bailarina, e ela traz essa classe britânica para a personagem, alguns estereótipos, como o chá, e uma boa forma de interligá-la à protagonista. E por fim, Lewis (Louis Gossett Jr.), um urso de pelúcia idoso, o primeiro IF, que é incrível, ele é a voz da experiência, um bicho que serve como uma liderança e como sábio daquela galera, que ganha impacto na voz do saudoso Gossett Jr., que nos deixou recentemente, e aqui sendo seu papel derradeiro, conseguiu eternizar sua voz uma última vez.
Em parte técnica, tem vários pontos a serem exaltados. O principal são os efeitos, já que aqui temos uma obra que não se prende à verossimilhança, fica muito mais fácil para termos bons efeitos, mas mesmo indo para o lado fantasioso, são todas as criaturas extremamente bem detalhadas, sejam em pelos, em textura, tecido das roupas, chega a ser impressionante o empenho para deixar tudo com a maior qualidade possível. Tem uma espécie de número de dança no longa, uma das grandes cenas, de longe a mais fascinante, e a coreografia dessa cena é espetacular, mesclada com uma fotografia incrível, cujo segue o Ryan Reynolds quase que em plano-sequência, e as cores e o cenário se adaptando à múltiplas situações, esse é o melhor momento do longa disparado. Agora, esse filme tinha que concorrer ao Oscar de Melhor Trilha Sonora, sem sacanagem, o que faz o Michael Giacchino aqui é sacanagem. A trilha musical é totalmente fantasiosa, dá uma sensação de nostalgia absurda, vai te instigando pela magia trazida através dela, é tão bonita de ser ouvida, e em momentos emocionalmente impactantes ela fica tão presente, cara, é belíssimo, é uma trilha tão comovente e confortante.
Comprovando a versatilidade de seu diretor, "Amigos Imaginários" é uma belíssima aventura, onde você consegue perceber que John Krasinski colocou muito coração aqui, muita emoção, numa aventura fantasiosa, uma comédia que emula um filme da Pixar em live-action, onde conquista as crianças pelo visual, pelas cores, os personagens excêntricos, a protagonista que regula idade, e os pais pela mensagem, pela emoção, pela identificação, pela compreensão e todo o conjunto. Honestamente, merecia muito mais sucesso do que recebeu, é um longa com uma mensagem tão bonita, tão impactante e tão abrangente que chega a ser difícil explicar porque não fez um burburinho maior. Com uma excelente atuação da revelação Cailey Fleming, um bom coadjuvante com Ryan Reynolds, e excelentes e criativos personagens em computação gráfica, em um universo lúdico, bem apresentado, fantasioso, com excelentes cenas e uma trilha sonora sensacional e marcante. Vale muitíssimo a assistida.
Nota - 8,0/10