Crítica - A Verdadeira Dor (A Real Pain, 2024)

Um retrato sobre sentimentos em uma boa dramédia.

Estamos acompanhando uma geração de atores se aventurando na direção, tentando realmente virar autores. Um deles é Jesse Eisenberg, que está fazendo filmes menores, independentes, já está no seu segundo trabalho na cadeira de direção, o primeiro foi o pequeno e desconhecido "Quando Você Terminar de Salvar o Mundo" (2023), que não foi tão bem recebido assim, as pessoas não gostaram. Diferente deste, que vem sendo bem elogiado, muito bem cotado, e está nas cabeças nas grandes premiações, pegando indicações para Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e, especialmente, uma grande aclamação por Kieran Culkin nos prêmios de Melhor Ator Coadjuvante, sendo o grande favorito disparado, com ninguém chegando perto dele em chances de abocanhar essa estatueta atualmente. É um daqueles filmes que só vendo para entender a aclamação, pois a primeira vista ele parece mais um daqueles dramas de pessoas conversando nas ruas de algum lugar, que são filmes bem divisíveis, onde muita gente gosta, muita gente não. Eu, particularmente, gosto bastante, mas confesso que não dava nada para este, achava que seria só mais um, mas ele me surpreendeu, sendo um dos filmes mais sentimentais do ano, que é sincero no que quer apresentar e impacta com o que quer dizer.

O filme conta sobre David Kaplan (Jesse Eisenberg) e Benji Kaplan (Kieran Culkin), primos que perderam sua avó há algum tempo, e em memória da velha, decidem viajar até a Polônia, onde ela nasceu, para conhecer a vida dela antes de ir para os Estados Unidos e entender como era viver naquele país, especialmente num contexto que ela foi uma sobrevivente do Holocausto. No entanto, durante a viagem, vamos percebendo como a relação deles é afetada, muito pelos rumos que cada um tomou e como cada um lida com suas próprias vidas, além de se entenderem em assuntos mal resolvidos entre eles. É um filme que fala muito sobre o luto, tem toda a questão deles lidando com a perda de um ente querido e como isso os abala, mas também é o motivo que os une naquela situação. Somos apresentados a essa dupla como dois completos opostos, sendo o personagem de Jesse um cara bem sucedido, com emprego, esposa e filho, enquanto o outro é um vagabundo, maconheiro, que não deu certo na vida e que parece nem estar tentando ultimamente. É interessante ver como eles vão se reconectando aos poucos e como eles vão se entendendo e se encontrando neles novamente.

Qual é a verdadeira dor retratada? É a do luto? Bom, creio que não só essa, como o sentimento dor em si é retratado, os sentimentos em si são trazidos à tona por aqui, pois vemos como tudo é trazido de maneira tão palpável para a tela. Você olha para o personagem do Eisenberg e sente como ele está ansioso, preocupado, com saudades de casa, como ele é mais responsável, e você olha para o Kieran e nota sua despreocupação, sua irresponsabilidade, sua quase síndrome de Peter Pan em se recusar a crescer. Você começa achando que um tem a vida perfeita e o outro é totalmente ferrado, mas acaba que um dos grandes acertos é nunca ser extremo por aí, tem imperfeições na vida do David que ele gostaria de corrigir, e existem coisas boas na vida conturbada de Benji. Mas, refletindo um pouco sobre algumas cenas e até diálogos que eles tem durante a exibição, eu consigo interpretar que a tal Verdadeira Dor é aquela que você guarda, que você não expõe, que tenta esconder ao máximo e fingir que está tudo bem, quando na verdade você sabe que não está e tenta ignorar isso, mas existem momentos onde elas não podem e não devem ser ignoradas. Isso é bem demonstrado em uma cena onde eles visitam o campo de concentração e, após saírem, vemos eles dentro da van que os levou lá, e Benji está chorando de forma contida, liberando seus sentimentos, mas sem revelá-los ou explodir com eles.

É isso que eu gostei muito no longa, que ele não é explosivo ou demonstrativo no que quer fazer, ele é contido, assim como os personagens principais. Hão momentos que isso é ensaiado, diálogos entre os dois que isso parece que vai acontecer, mas o filme é inteligente em não fazer isso. Ele dá até um momento para o Jesse Eisenberg (no caso, ele próprio se dá) e ele tem um monólogo onde ele desabafa sobre a relação com seu primo, como ele enxerga Benji e como ele quer ser diferente, mas ao mesmo tempo ter algumas semelhanças. Esse é o único momento mais próximo de ser essa grande explosão, mas sobre o assunto principal, o sentimentos que eles realmente sentem pela avó, são bem trabalhados em serem mais escondidos, pois é isso que faz com que esse se diferencie. Em outro longa, teria uma grande cena de briga, onde os dois teriam falas pesadas um para o outro, tentariam causar um choque de realidade, mas aqui não existe isso, por isso que é bom, acaba que foge do óbvio e dá ao longa uma carga nova, que faz com que você acabe prendendo o grito daquilo junto. Particularmente, me identifiquei bastante, pois também sou assim, não gosto de falar muito com os outros sobre os meus sentimentos, e acaba que me pega justamente por isso, por essa maneira que é mostrado.

O Jesse Eisenberg é muito competente na sua direção, ele entrega algo mais calmo, mais sútil, mais simples, mas que é bem feito, que é um feijão com arroz bem cozinhado. Ele entrega algumas coisas bem interessantes, ainda comete alguns erros de novato, creio que especialmente na maneira saturada como ele usa a trilha sonora de piano, que acaba afetando até os momentos onde a música é bem utilizada, mas no fim ele manda bem. Ele cria um bom drama, ele sabe como conduzir essa narrativa dramática que existe por trás desses dois personagens, trazendo um tom mais pé no chão e singelo no que ele quer contar, tendo muitos momentos, diálogos, onde a gente entende bem o que aqueles personagens são e como eles se sentem no meio daquilo tudo, não só na situação da vó, mas na situação que ambos estão passando em suas vidas. Como ele constrói a figura da avó, quase que como uma presença, um espírito, que acaba unindo os dois e fortalece a relação, é admirável. Além do mais, ainda tem a parte da comédia, já que é uma dramédia, e os momentos cômicos são encaixados com uma maestria absurda, literalmente não há nenhum que está fora de tom ou que fique esquisito, existem até horas onde parece que vai atrapalhar, mas acaba que a comicidade engrandece o drama em alguns momentos, trazendo de forma mais descontraída, algo mais sério que precisa ser falado sem que o longa pareça um mar de cabeça para baixo.

É importante citar o Eisenberg também como ator, já que ele entrega o melhor papel dele em mais de uma década por aqui, literalmente desde o "A Rede Social" (2010) que ele não entregava tanto em um papel, e aqui, creio eu, ser o papel mais emotivo de sua carreira. Ele consegue trazer esse lado mais tímido do seu personagem, mais contido, uma certa ansiedade controlada em alguns pontos. Ele tem saudades de casa, do seu filho, da sua esposa, ele tem toda a questão de ter TOC, de ter que controlar seu transtorno, então às vezes ele acaba sendo meio dopado, outras vezes ele acaba por ser um pouco mais conservador, especialmente nas atitudes que seu primo toma, mas isso acaba que o engrandece quando está em cena com ele. Seu grande destaque acaba por ser a já citada cena do monólogo, onde ali ele acaba soltando o que pensa sobre seu primo, sobre como é viver com ele, e como ele se sente em relação a tudo isso, os conflitos que ele tem com si mesmo em relação a ele, ao Benji e a toda aquela situação, como ele o ama e o odeia, como ele quer que ele suma e ao mesmo tempo quer ser um pouco como ele, existe esse discurso de que a perfeição alcançada dá saudades do imperfeito e isso é trabalhado de uma maneira muito delicada e bem colocada.

Mas o grande destaque é o Kieran Culkin, que, merecidamente, está recebendo a aclamação que deveria, é uma excelente performance em um personagem muito interessante. É impressionante como com pouco ele entrega muita coisa, ele diz muito sem precisar verbalizar ou extravasar. Só de ver os olhos dele, você já consegue entender muito sobre o personagem, dá para entender o quão quebrado ele é, uma infelicidade, até um pouco de inveja da vida de seu primo, uma tristeza, uma tranquilidade em meio ao caos, tudo isso só no seu olhar e nos seus trejeitos. Ele guarda tudo para si, tenta esconder o que realmente sente e vai soltando aos poucos em momentos que ele não consegue se segurar, como sua indignação com o guia turístico por ele tratar pessoas e histórias como curiosidades, ou sua tristeza ao ver o que seu povo passou ao ver um campo de concentração, a cena dele chorando encolhido e meio escondido depois de ver é muito boa, pois você entende aquilo não só como uma empatia geral por aquela situação, mas também é um pouco da saudade de sua vó sendo extravasada de alguma forma, de uma forma que ele tente não mostrar isso, mas que ele não consiga esconder. Ele consegue entregar muita coisa, ele traz muito, tem a parte cômica que é ótima, ele tem ótimos momentos de espontaneidade que são momentos engraçados. Ele realmente merece as premiações, ele manda muito bem.

Tem mais coisa a ser dita, mas creio que não agrega tanto, tem um bando de coadjuvantes no tour que eles fazem, mas acho que eles não agregam tanto para um parágrafo próprio, assim como qualquer quesito técnico, onde nenhum se destaca. É um texto mais curto do que os que estou postando recentemente, mas, creio que "A Verdadeira Dor" não tem tanto a ser falado sobre, mas tem muita coisa a dizer. Tem muito a passar, traz muita coisa, muita reflexão, muitas discussões sentimentais, a ponto de eu ter visto ele na companhia de dois amigos em call e ficarmos com ele pausado por quase uma hora para falarmos e desabafarmos sobre várias coisas das nossas vidas. Eu gosto muito disso, de ser tão simples, pequeno, mas que traz algo profundo e impactante que gera algo maior fora dele, foi uma experiência massa de se compartilhar, acredito que não tinha uma obra melhor de 2024 para ver com mais gente do que essa. Um bom trabalho do Jesse Eisenberg, que ainda está se encontrando na direção, não está tão bem aperfeiçoado, mas que traz uma sutileza, uma delicadeza e um sentimentalismo muito bem trabalhado em sua condução, além dele mesmo entregar uma ótima performance, e Kieran Culkin se destacando, sendo a melhor coisa do longa e o que faz ele subir de nível. Um filmaço, algo que me fez me sentir de várias formas e acaba que cinema é isso, é emoção, é sentimento, e este é um dos que mais entrega isto na temporada.

Nota - 8,5/10

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