Crítica - Guerra Civil (Civil War, 2024)
Depois de um ano, finalmente tomei vergonha na cara e trouxe a crítica.
Cá estamos para falar de um filme que lançou um ano atrás, que eu tinha colocado na lista de mais esperados do ano de 2024 e sequer assisti no final, várias coisas foram entrando no caminho e acabou que foi passado para trás. No entanto, com o lançamento de um novo filme de seu diretor agora em abril de 2025, junto com o fato deste filme estar no top 10 da Netflix no momento em que estou escrevendo, achei uma brecha para trazer esse texto mais de um ano depois de seu lançamento nos cinemas. Sendo a maior produção da A24 até então, com o maior investimento em marketing e orçamento, era a grande tentativa do estúdio de tentar emplacar um "blockbuster independente", por assim dizer. Dirigido por Alex Garland, o cara dos futuros distópicos, que emplacou sucessos como "Ex Machina - Instinto Artificial" (2015) e "Aniquilação" (2018), aqui ele traz mais uma visão de distopia ao trazer um futuro próximo de uma guerra civil polarizada nos Estados Unidos, mostrando a visão do conflito através de fotojornalistas. Isso, no entanto, causa algumas divisões, com alguns criticando um posicionamento político isento por parte do diretor, outros dizendo que é corajoso um longa como este, mas, no geral, agradou a maioria. No entanto, era preciso ver com meus próprios olhos se eram críticas válidas ou não, e bem, será algo que vocês lerão ao longo da crítica.
Em um futuro próximo, os Estados Unidos são divididos por uma guerra civil entre o governo e as "Forças Ocidentais Separatistas" (WF - Western Forces), lideradas pelos estados do Texas e da Califórnia. Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) são dois experientes jornalistas que decidem ir até a Casa Branca para entrevistar o Presidente (Nick Offerman), cujo está em seu terceiro mandato, que é o estopim do grande conflito, e também o principal alvo, à beira de uma queda iminente. Quando a jovem aspirante à fotojornalista Jessie (Cailee Spaeny) é salva por Lee e se junta ao grupo, eles partem nessa missão em meio a um país caótico, perto de um colapso, onde a busca pela informação e pela verdade são cada vez mais necessárias. A questão é: nunca é bem explicado o porquê o país entrou nessa guerra, nenhum dos lados é bem demonstrado e creio que a intenção não era criar um debate sobre certo e errado, sobre direita e esquerda, sobre guerra e pacifismo, nada disso, era sobre como mostrar que as vezes não existe um lado certo ou errado quando se trata da vida de milhões de pessoas, de um país em que milhões buscam uma oportunidade, uma carreira, uma vida, e como tudo isso pode ser tirado de uma hora para outra por uma decisão que não cabe a você. Não digo nem em questão de ser Estados Unidos, isso que é mostrado no filme poderia acontecer em vários outros (especialmente no Brasil, onde a polarização política é doentia), como já acontece em vários outros territórios faz muito tempo. Não importa se o motivo é ideológico, político, religioso, ou qualquer que seja, pessoas inocentes sempre irão sofrer no meio disso, essa é a real mensagem que eu consigo tirar daqui.
Eu gosto da direção do Garland aqui, como ele vai construindo calmarias dentro das tempestades. Você sabe que está rolando um contexto de guerra, de que está todo mundo se matando uns aos outros, mas ele vai colocando momentos de descontração, uma ou outra cena que mostra esses personagens interagindo, se conhecendo, se entendendo, tentando viver uma vida que eles perderam antes do conflito começar. Quando ele trabalha as tempestades, são coisas que atormentam, que trazem um sentimento de embrulho no estômago só de assistir, coisas que fazem você questionar a moral e a ética daqueles que fazem. Por isso eu acho interessante o longa sequer apresentar os lados do confronto, pois é como eu disse no último parágrafo, tem gente que não tem nada a ver com isso tudo que acaba pagando o pato por decisões dos outros, assim como estes jornalistas, que estão tentando fazer seu trampo, pegar os fatos e transmiti-los à população, mas são envolvidos nesse conflito de uma forma ou de outra. Não tem mesmo porque tomar lados nessa situação, já que vemos como a situação como um todo acaba abalando um país inteiro, com ruas vazias, cadáveres na estrada, soldados abatidos, pessoas sendo caçadas, toda uma situação assustadora que termina afetando todos para um lado mais negativo do que positivo.
Mas, o que mais me surpreendeu nesse trabalho de Garland são justamente esses momentos onde ele aumenta a tensão, não só em cenas de ação, mas como ele vai, as vezes, dando uma trollada, criando uma aflição por algo que no final pode ser apenas um momento de piada, ou então, quando você menos espera, começa uma cena que te deixa apreensivo. Eu gosto muito de um momento que aparece o Jesse Plemons, por exemplo, já já falarei mais sobre a atuação dele, mas a construção desse momento é precedida de um momento de diversão, de descontração entre os personagens, e aí vem uma cena que o fiofó tranca num nível que não passa nem wi-fi. Confesso que no miolo do filme, muitas vezes eu não estava sendo tão fisgado quanto sinto que poderia, acho que muitas vezes esses momentos mais descontraídos são legais, mas eles dão uma freada tão massiva no longa que acaba tirando um pouco do peso geral dessa narrativa, tem momentos que servem para a construção desses personagens e tudo mais, porém, no fim, são coisas que não batem no mesmo ritmo de outras dentro da trama. É até interessante essa dissonância de um certo ponto, mas não me impactou do jeito que eu creio que impactou outros, ou do jeito que Garland queria impactar no geral.
Eu gosto de como a relação dos personagens é construída pelo diretor, como ele cria arquétipos e os une em figuras bem interpretadas pelos seu elenco. A gente tem a Lee, que é essa mulher mais velha, experiente, que se sente num mundo totalmente diferente do que ela era acostumada, tanto que nem se lembra de como sua vida era antes de toda essa loucura começar. Juntar ela com a Jessie, uma repórter inexperiente, que a vê numa posição de idolatria, que quer seguir os passos dela, e como as duas vão criando uma relação, não só de mentora-aluna, mas uma amizade que vai se construindo, sem deixar que o profissionalismo atrapalhe isso num geral. Eu vi muita gente reclamando da personagem da Jessie, dizendo que ela é burra, inconsequente e que a atitude dela no final seria uma decisão diferente se a situação colocasse a Lee para ter tal ação, mas os próprios diálogos das duas dizem ao contrário, é só prestar atenção no que elas falam que você vê que o ultimato de tudo isso já estava sendo construído desde muito antes no longa, o Alex Garland constrói bem seus foreshadowings, inclusive. Além delas, o Joel é alguém que contribui bastante com o longa no geral, e dá um bom suporte para as duas personagens principais. Gosto principalmente da amizade dele com a Lee, como você consegue sentir a confiança que eles tem um no outro só de olhar o porte deles quando estão lado a lado, como o profissionalismo é respeitado, mas como isso transcende e você sente a amizade ali.
Falando mais individualmente dos personagens agora, gostaria de falar da Lee, que como eu disse, é essa personagem mais velha, experiente, que é muito focada no seu trabalho e sequer lembra de como era sua vida fora dele, longe de todo esse contexto de guerra e destruição, ou até mesmo, longe do trabalho. Tem até uma cena, que eu considero um dos melhores diálogos do longa, onde eles chegam até uma cidadezinha e vão até uma loja de roupas, e quando ela sai vai falar com o Sammy (Stephen McKinley Henderson), que é o seu mentor, e ela diz que aquela não lembrava daquela calmaria, quando vem ele e diz que era justamente daquilo que ele se lembrava. Eu gosto da Kirsten Dunst e aqui ela tem uma performance competente, que condiz bem com o que o longa pede, não chega a ser brilhante ou algo de brilhar os olhos, mas ela consegue pelo menos criar uma personagem a qual você cria o mínimo de conexão, eu aprecio muito como o silêncio dela em vários momentos consegue dizer muito sobre ela e sobre a situação que eles estão passando em tal momento, mas ela é engolida pelos demais à medida que o longa passa.
Sobre os outros personagens, temos o Joel, que não é o Pedro Pascal, mas sim nosso conterrâneo Wagner Moura. Ele vai na mesma vibe do cara experiente, ele de fato é o jornalista da trama, o cara das perguntas, e ele tem esses momentos em que ele é mais engraçadão, ele tem um carisma, uma energia diferente, ele até dá encima da novata, mas, quando ele é necessitado no drama, nós como brasileiros sabemos muito bem que ele sempre entrega, e aqui não é diferente, onde muitas vezes você sente uma raiva interior dele saindo algumas vezes, uma impaciência que se libera a sua paciência que ele aparenta trazer na maior parte de sua participação. Tem até uma cena dele gritando e o longa em silêncio (já chego nessa parte de design de som), e ali, mesmo sem nada, você sente o que o Joel passa. Sobre a Jessie, bom, é o velho arquétipo da jovem aspirante que muitas vezes é burra e inconsequente, e a Cailee Spaeny traz perfeitamente isso aqui. Devido a sua inexperiência, ela acaba lidando diferente que Lee e Joel em diversos momentos, muitas vezes movimentando a narrativa, e ela passa muito bem a tensão que essa personagem sente em momentos que os outros já estão acostumados devido ao tempo na profissão, tem cenas que você sente o medo dela, o quanto ela passa sua aflição só pela linguagem corporal, que bela atriz (não, não comentem que ela deveria ser a Ellie, por favor, eu não aguento mais, ela deveria era ser minha esposa).
Ainda nisso de atuação, passar rapidamente pelo Jesse Plemons, que tem sete minutos de tempo de tela e rouba o filme como um ótimo antagonista em apenas uma cena. Primeiro que a forma que ele entrou aqui é muito aleatória, era para ter sido outro ator (que eu não achei a informação de quem seria), aí ele largou o projeto uma semana antes de gravarem a cena e a Kirsten Dunst o sugeriu, já que eles são casados. Esse maluco sequer é creditado no longa, ele não precisava ser tão bom, mas o que ele faz é coisa de maluco, de te deixar apreensivo pelo o que ele é capaz de fazer, interpretando um militar psicopata, xenofóbico e ultranacionalista, que lança boas falas para você já entender como ele é, o que ele defende, o tal do "americano puro", lançando a frase mais marcante do longa: "que tipo de americano você é?", que além de já dizer muita coisa sobre esse lado da guerra (sem dizer qual é ou sequer se é a favor ou contra o presidente que eles estão indo entrevistar), ainda gera ótimas possibilidades de memes. E para vocês verem, é um papel pequeno, não-creditado, que só foi gerado devido ao nepotismo, mas que gerou um parágrafo todo por aqui, e que prova mais uma vez que esse cara é um belo ator, entregando muita coisa com pouco material. Absurdo.
Na parte técnica, o grande destaque é justamente o desenho de som, que acaba se mesclando com outros artifícios, especialmente a edição. Eu gosto muito de como o som é trabalhado por aqui, como muitas vezes o silêncio é desenhado para criar uma sensação de quebra, de como a realidade ali naquela cena acabou meio que parando, silenciando o mundo barulhento que eles vivem. Tem muito disso, como eu disse, existem calmarias entre tempestades, e muito disso é criado através do som e de sua ausência. Tem toda questão também das armas, dos barulhos de tiros, da trilha sobrepondo ou se unindo, mas eu também gostei de como as vezes a ação está rolando, tiroteio, a direção de fotografia não parando, mas entrando as fotos tiradas pelas câmeras das personagens e o som da câmera por cima da loucura que vai acontecendo. Um filme sobre fotojornalismo também merecia uma boa fotografia, e aqui temos vários planos interessantes, uma movimentação de câmera absurda, que traz muitas vezes a urgência, ou, dependendo da situação dos personagens, o tanto que aquele momento os aproxima ou afasta da realidade vivida. Tem frames muito bonitos, de gerar wallpapers, especialmente um que eles estão deitados num gramado e as pequenas flores tomam o foco enquanto os personagens as olham, mas eu acho que o grande destaque mesmo é no clímax, uma baita cena de invasão, onde a movimentação vai organizando uma tensão, mesclada com o bom trabalho de montagem e o som, que criam um final fascinante.
Bom, antes tarde do que nunca, dá para dizer que vale o investimento em assistir "Guerra Civil", se bem que 99% das pessoas que estão lendo já viram, eu que cheguei atrasado e só estou falando coisas que provavelmente todos já ouviram parecido sobre a obra, mas eu gostei, é muito bem feito. Garland sabe criar momentos pesados, trazer uma tensão e dar impacto a sua obra só em frames, ver um frame com a bandeira estadunidense com só duas estrelas é impactante; um buraco cheio de cadáveres de imigrantes, é impactante; a foto final em preto e branco, que passa nos créditos, encerrando o longa quase como uma obra histórica, é impactante. É um bom filme de guerra, bom filme de ação, bom filme sobre jornalismo. Acho que as vezes peca no ritmo, especialmente no miolo, isso que me afastou mais do longa, também achei a Kirsten Dusnt com pouca presença de protagonismo, ela é suficiente, mas os trabalhos de Wagner Moura e Cailee Spaeny engolem ela. No geral, uma produção absurda, ótimas cenas e um belo entretenimento. As polêmicas, honestamente, não fizeram muito sentido para mim, já que vendo aqui, não é o que longa se propõe, além de que existe um choque de ser um filme dos EUA se atacando ao invés de atacando os outros, que é o que estamos acostumados, então é algo que cutuca as feridas de muito otário. Mas vale a pena, é massa.
Nota - 7,5/10