Crítica - Mickey 17 (2025)

O primeiro filme de Bong Joon-ho após fazer história com Parasita.

Alguns anos atrás, o sul-coreano Bong Joon-ho tornou-se um dos diretores mais hypados da atualidade. Ele que já havia tido alguns sucessos, especialmente tratando-se de um cara que construiu toda sua carreira na Coreia, apesar de ter feito filmes em Hollywood que fizeram sucesso, como "O Expresso do Amanhã" (2014) e "Okja" (2017), mas seu grande hit veio com "Parasita" (2019), cujo tornou-se um clássico instantâneo e quebrou paradigmas quanto ao cinema fora de Hollywood, tornando-se o primeiro filme em língua não-inglesa a ganhar o prêmio máximo de Melhor Filme no Oscar, em 2020. Com isso, todo mundo ficou ouriçado para saber qual seria seu próximo projeto, sua próxima grande obra e se ele conseguiria realizar uma nova obra-prima. Seu projeto foi anunciado então como "Mickey 17", uma adaptação do romance de ficção científica "Mickey 7", estrelando o nosso querido Robert Pattinson. Obviamente, juntar um dos diretores com mais hype com um dos atores com mais hype, cria um hype natural, afinal estamos falando de dois responsáveis por grandes e marcantes obras marcantes dos últimos dez anos. Porém, nem tudo são flores, e apesar de dois grandes artistas, um investimento absurdo em técnica e uma ideia bastante interessante, acaba que o longa não atinge seu máximo potencial, pois tenta ser muito quando necessitava do pouco.

No futuro, em 2054, a Terra conseguiu evoluir tecnologicamente ao ponto de criar viagens interplanetárias, com um investimento de um bilionário, um dos objetivos é colonizar um planeta gelado chamado Niflheim. Mickey Barnes (Robert Pattinson) é um órfão meio fracassado, que perdeu sua mãe em um acidente que ele crê ter sido sua culpa e que não conseguiu se estabelecer em nenhum emprego e relação ao longo da vida. Com isso, ele se candidata ao programa especial no emprego de "expendable", ou "dispensável", cujo ele será usado como cobaia em várias situações letais e depois ser substituído por um clone dele mesmo com todas as suas memórias após sua morte. Depois de ser morto dezesseis vezes, o 17 é dado como morto após se perder em uma das cavernas de Niflheim. Porém, quando consegue voltar de volta para sua base, ele é surpreendido com sua cópia número 18, uma versão bem mais amargurada e descolada dele mesmo. Quando o planeta é colocado em ameaça após o bilionário excêntrico Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) criar um cenário de guerra contra os Creepers, os nativos daquele planeta. Você vê que tem muita coisa aqui que poderia ser explorada, como o lado sci-fi, as críticas que o longa ensaia, personagens com arquétipos interessantes, porém, acaba que é muita coisa para um longa que se explora muito pouco.

Bong é um diretor que explora muito críticas sociais em seus longas, especialmente envolvendo o capitalismo e a desigualdade social e financeira, são temas recorrentes em sua filmografia, praticamente todos seus filmes recentes falam sobre isso. Obviamente, com a base que temos aqui, os temas que estão na camada superficial, tem aqui ideias de críticas que ele ensaia, mas infelizmente acaba por terminar num ensaio. Durante todo o filme ele tenta encaixar um monte de críticas, mas nenhuma delas é bem desenvolvida. Fica claro que ele tenta criticar, novamente, o funcionamento do capitalismo, a forma como a sociedade torna-se refém do sistema, mas especialmente, o quão descartáveis somos nós em frente ao sistema capitalista, mostrando isso literalmente quando nosso protagonista tem um emprego denominado "dispensável", onde ele morre repetidas vezes em prol de ideais de um magnata. No entanto, tudo o que acontece aqui acaba virando uma caricatura de tudo que o longa nos apresenta inicialmente, onde nenhuma das críticas acaba realmente sendo bem desenvolvida ao ponto de causar impacto e tornar-se uma parte crível da trama, acaba soando tudo meio forçado, é tudo muito cartoonizado, alguns dos personagens parecem ter saído diretamente de um desenho infantil, onde tudo é muito preto no branco e não é bem passado para o espectador.

Bong trabalha a trama de um jeito que começa bem, os primeiros trinta minutos apresentando a ideia, antes do título do filme aparecer, aquilo ali é uma ótima sequência. Começa bem, apresenta bem esse mundo, essa distopia, como é o funcionamento desse projeto espacial, como nosso protagonista chegou lá naquele ponto e como as críticas que eu falei no último parágrafo vão sendo apresentadas, vão sendo ensaiadas, tudo isso num ritmo muito agradável que nos apresenta bem o Mickey, suas relações, seu par romântico, seu emprego e seu objetivo na empresa. Tem um tom cômico satírico muito bem trabalhado, as cenas são engraçadas por sua condução, seu ritmo, a montagem trabalha bem todo essa comédia característica da autoralidade do diretor. No entanto, depois que o título do filme passa, vai passando, passando, e vai tornando-se uma experiência mais negativa do que positiva. Muita coisa é colocada para pouca coisa servir para a trama como um todo, tem vários personagens que não servem para nada, e são muitos, mas já já eu chego lá. Existem sequências que são tão exageradas que dá um cansaço, tudo soa como um desenho infantilóide tentando ser sério e adulto. Quando chega o clímax, é um negócio tão chato, tão desinteressante e anticlimático, que eu estava quase dormindo enquanto assistia. A condução do Bong aqui é insuficiente, pois a cada segundo torna-se algo desconexo, quase como se fosse uma abordagem de uma estrutura episódica, que ok, porém ser episódico e ser incoerente são duas coisas diferentes, várias sequências não condizem com as anteriores.

Eu gosto da ideia desse personagem principal, ou melhor, personagens, já que o Mickey é revivido tantas vezes que acompanhamos o encontro de dois no longa. A única coisa que eu creio ser constante por aqui é justamente esse personagem, já que começa mostrando como ele se sente descartável em sua própria vida civil, como a função que ele arranja é condizente com como ele mesmo se enxerga em meio a um mundo totalmente disfuncional. Existe até uma discussão, onde vários personagens perguntam para ele qual a sensação de morrer, e isso é outra das coisas que o longa joga e deixa jogado, já que poderia ser explorado e tornar-se um tema excepcional, algo até mais nilista envolvendo essa figura do Mickey, porém, é mais uma das coisas que o Bong joga e deixa lá jogada no meio daquilo tudo. Voltando ao foco, é interessante como esses dois personagens interagem entre eles, como a personalidade entre eles é totalmente conflitante, onde o 17 é todo medroso, certinho e exagerado, e o 18 é como se fosse o Pattinson interpretando uma versão mais radical de seu Batman, e mais "cool" também.

Digo mais: nem Noé carregou tanto animal quanto o Robert Pattinson fez aqui. Um papel duplo é sempre algo diferente e que deve ser apreciado, já que atuar como dois personagens, criar duas figuras diferentes com o mesmo rosto, dar exclusividade e singularidade a cada uma delas, isso é algo muito difícil de se fazer, e aqui o Pattinson faz isso com maestria, conseguindo entregar perfeitamente dois personagens que em teoria são o mesmo, mas que criam essa coisa única de cada um. O 17 é todo medroso, assustado, certinho, tenta sempre ser bonzinho, é mais ingênuo de uma certa forma, e o 18 é, como eu disse, uma mistura dele como Batman com algum personagem louco da cabeça que seja mais irônico. Ele interage com ele mesmo em cena e isso é assustador, ele está múltiplas vezes com ele em cena e existe uma interação natural, algo que soa tão crível que parecem ser duas pessoas diferentes. O que o Pattinson faz aqui não pode ser normalizado, isso aqui é uma atuação de gênio, a forma como ele muda a postura, as atitudes, até a voz, isso chega a ser bizarro, e não dá para ser normalizado, pois ele é um dos poucos atores da atualidade que consegue aguentar a pressão de um papel desses. Ele merece reconhecimento, esse filme só não chega ao patamar de ruim na minha concepção por conta dessa performance absurda.

Já sobre o resto do elenco... Bem, não posso falar o mesmo de quase ninguém infelizmente. Tem uma que se salva, que é a Naomi Ackie, que faz o par romântico do Mickey, e ela realmente entrega algo ali. Ela tem boas cenas e ela é versátil, ela consegue entregar tanto um lado mais cômico da personagem, quanto dramático quando é necessário. Ela tem um bom monólogo mais para o final do longa e, apesar de cair um pouco para um overacting, acho que se encaixa bem nas situações que ela é colocada naquele ponto da exibição. A química dela com o Pattinson é funcional, tanto o 17 quanto o 18, já que é um casal crível, você consegue comprar esses dois como cônjuges. Além de que o conceito em si desse relacionamento é bonito, ela ama ele independente de como ele seja, independente do número de clone que ele é, isso é algo bem legal, que também poderia ser melhor explorado, mas do jeito que foi acaba funcionando. Mas agora, todos os demais atores são desperdiçados, de uma maneira que não dá para entender o porquê. O Steven Yeun é o maior de todos, deu pena, porque ele é apresentado como uma espécie de melhor amigo do protagonista, mas se ele tem cinco cenas onde ele realmente fala é muito, pois jogam ele para o lado e só lhe trazem quando é conveniente para o roteiro achar alguma solução fácil para algo que acontece com o Mickey, ele vira um artifício da própria narrativa, o que é triste, já que ele é um ótimo ator jogado aqui no meio. Tem também a Anamaría Vartolomei, uma atriz francesa que é linda, que tem uma beleza de tirar o fôlego, mas essa mina aqui só serve para criar uma trama de triângulo amoroso que dura uma cena, não vai para frente e ela simplesmente evapora do resto do longa, ela some e reaparece na cena final assim como todos os personagens, e eu acredito que ela não seja apenas um rosto bonito pois já vi performances dela sendo elogiadas, mas aqui o Bong usa ela apenas nisso, apenas para acrescentar uma beleza ao longa.

Agora, os vilões não dão, meu irmão, é a representação mais forçada que eu já vi. Eu não veria problema em ser forçada se fosse bem trabalhada, mas da forma que é feita é irritante. Mas, ser irritante sendo os vilões da obra, não seria boa coisa? Bom, seria, mas aqui irrita não de propósito (apesar de que eu acredito que eles sejam realmente insuportáveis propositalmente), mas eles irritam num ponto de me fazer querer me causar alguma espécie de dor física, porque são atuações tão canastronas e caricatas que chegam a me dar raiva. Bom, não tem como fingir que Kenneth Marshall não remete a figuras da vida real, como o atual presidente dos EUA, Donald Trump (assim como sua esposa remete à primeira esposa de Trump, Ivana), além de Elon Musk e outros. Pode até não ser uma crítica direta a eles, mas é a caricatura desse tipo de pessoa: o político filantropo, o magnata com ideais de direita, que tem uma esposa dondoca e puxa-saco. Ele é a representação de um arquétipo, e se vocês acompanham aqui há algum tempo já, sabem que eu não gosto de nenhum desses que eu citei, porém, a forma que é feito me agradaria se o Bong se preocupasse em fazer bem feito, mas ele coloca de uma forma que soa como vilão genérico de risadinha de desenhos infantis para crianças de 3 a 7 anos, pois eles exalam aquele tipo de "hahaha olha como eu sou mau". O Mark Ruffalo aqui está no papel mais canastrão de sua carreira, naturalmente eu já não sou um grande fã, gosto dele em "Pobres Criaturas" (2023), mas ele aqui é uma caricatura do personagem dele naquele filme, o Duncan, que já era um papel mais exagerado. Ele é só vilão malvadão por ser, não tem motivo, não tem justificativa e quando mostra ele tentando ser um magnata malvadão, nada consegue ser realmente crível para nos fazer crer em suas motivações, nem sua ganância. Assim como a Toni Collette, no pior papel da carreira dela, onde ela é a esposa-trófeu, o mesmo arquétipo da mãe rica de "Parasita" misturada com o arquétipo da primeira dama que geralmente não faz nada. Ela tem cenas exageradas, a relação dela com o Ruffalo é forçada ao extremo, de um jeito que incomoda pela maneira deles agirem, especialmente juntos. Deu pena dela, merecia muito mais do que isso.

Uma coisa que aqui é inegavelmente bem feito é a parte técnica da produção, que não tem do que reclamar, é muito bem filmado, bem editado, bem coreografado, ótima direção de arte, design de figurinos, o CGI, tudo ótimo, única reclamação que eu tenho a fazer é a maquiagem, especialmente a do Mark Ruffalo, que deixou ele muito esquisito, talvez propositalmente, mas ele ficou parecendo o Steve Harvey branco e com cabelo com aquela peruca, o botox e as roupas excêntricas. Tirando isso, tudo quase perfeito tecnicamente, porém, infelizmente não é só de técnica que vive um filme. Contudo, a desse aqui se sobressai em alguns pontos, especialmente na parte de efeitos visuais, cujo é impressionante. Primeiro de tudo, fazer com que dois Robert Pattinsons em cena soe crível durante o longa quase todo, nem parece que é a mesma pessoa que gravou aquilo como dois personagens diferentes em momentos diferentes, que não só é um ponto para os efeitos, mas para a própria direção do Bong nesses momentos. Também gosto do design dos creppers, algo que puxa algumas referências, como os vermes de areia de "Duna", e a forma como é feita, os tentáculos se movendo para a comunicação, a casca, o design, é realmente muito bom, até puxando já para uma parte sonora, pois isso deles se comunicarem com aqueles sons sendo traduzidos simultaneamente é muito bem feito, existe um cuidado com design sonoro com toda essa questão dos aliens e da nave. Também gosto muito do design de produção, que cria bem a questão da base, é muito bem trabalhado dentro do contexto que o longa apresenta desse futuro, existe uma vastidão naquela nave, uma profundidade, que é realmente impressionante o nível de detalhe e como acaba sendo bem utilizada pelo Bong.

No fim, agora eu creio que já não tenha mais tanto a ser falado, pois acaba que é um longa que não gera tanto isso, não tanto quanto o anterior do Bong, que decidi rever despretensiosamente, e escrevi um comentário no Letterboxd sem pretensão e saiu mais longo que essa crítica. Até porque, infelizmente, "Mickey 17" não chega aos pés de "Parasita", Bong Joon-ho não fica nem perto de alcançar sua obra-prima, creio que também não seja a intenção e a comparação até termina sendo injusta como um todo, mas, inegavelmente, eu não posso dizer que não sai decepcionado deste longa. Eu esperava algo que fosse pelo menos divertido de se assistir, algo que eu conseguisse pegar a vibe e visse um bom sci-fi. No entanto, o que eu vi foi muita coisa sendo trabalhada para pouco filme. Não tem uma pitada mais ácida, o longa é covarde em sempre tentar ensaiar críticas sociais e largar todas elas de lado ao simplesmente ignorar em cenas seguintes. Personagens mais descartáveis que o próprio protagonista, que literalmente trabalha num emprego onde a função dele é "descartável", já que todos os personagens são jogados por aqui e deixados, assim como as críticas, tem muitos atores desperdiçados, e digo que Mark Ruffalo e Toni Collette foram usados até demais em vilões ruins e caricatos que não apresentam nenhuma ameaça, é só uma representação desse arquétipo de político e/ou bilionário, mas que nunca é explorado de uma forma crível. Sua sorte é que Robert Pattinson, com uma atuação monstruosa, carregou o longa nas costas, fazendo um papel duplo cujo ele conseguiu dar qualidade mínima à obra. Acaba que, pelo hype, torna-se já a primeira grande decepção de 2025.

Nota - 6,0/10

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