Crítica - Pacificador (1ª Temporada, 2022)

A obra-prima de James Gunn.

Já falei muito sobre DC e James Gunn nessa página, especialmente agora em 2025, onde de fato seu novo universo compartilhado da DC estreou. Gunn já estava trabalhando na DC há algum tempo, onde nos entregou o fenomenal "O Esquadrão Suicida" (2021), onde nos fez criar afeição por mais um bando de personagens desconhecidos que nem a própria empresa dava a mínima, com um deles sendo Christopher Smith, o Pacificador, interpretado por John Cena. O personagem teve um potencial tão grande no longa, somado ao pouco material existente dele nos quadrinhos, que Gunn decidiu trabalhar em uma série própria apenas sobre o anti-herói. De início vieram aqueles clássicos questionamentos: "Uma série do Pacificador? É sério? Cadê os projetos de personagens como Lanterna Verde, Superman?", aquela bobagem toda que até eu reproduzo de vez em quando por aqui (é que Sgt. Rock é um nível incompreensível, convenhamos). Mas, irmão, quando se trata de James Gunn, não podemos duvidar do que ele pode fazer. Pode não ser o melhor diretor do mundo, nem o melhor roteirista, mas ele tem uma coisa que poucos dos melhores tem: a visão. Ele olhou um personagem pequeno, com pouquíssimo background, pegou personagens secundários que tinham menos coisas ainda a serem adaptadas, e nisso, ele tirou sua melhor obra. É seu projeto mais autoral e também seu projeto mais pessoal, onde ele pôde extravasar toda a sua loucura e todos os seus sentimentos através do personagem-título, nos dando algo que era mais que apenas uma série de um personagem classe F ou G (ou até menos) dentro da DC.

Após os eventos de "O Esquadrão Suicida" e a sua suposta morte, Christopher Smith, o Pacificador (John Cena) é designado pela ARGUS para participar do Projeto Butterfly, que busca lidar com uma invasão alienígena na Terra de uma raça conhecida como Borboletas, que são... Bem, borboletas, que matam e dominam corpos de seres humanos, se infiltrando entre nós. Na sua equipe, Chris precisará lidar com Murn (Chukwudi Iwuji), o chefe amargurado que carrega um grande segredo; John Economos (Steve Agee), o cara dos computadores que pinta a barba; Leota Adebayo (Danielle Brooks), a filha da Amanda Waller, que entra nessa vida pois perdeu seu emprego e sua mãe lhe ofereceu esta vaga; e Emilia Harcourt (Jennifer Holland), uma agente exímia e gostosa (que curiosamente é esposa do diretor), cujo Chris se apaixona. Além disso, Chris tem de lidar com Adrian Chase, o Vigilante (Freddie Stroma), seu sidekick excêntrico e meio psicótico, e Auggie Smith (Robert Patrick), seu pai, que é um antigo vilão neonazista conhecido como Dragão Branco e líder de uma seita supremacista ariana, cujo, também, era um péssimo pai, que culpa Chris pela morte de Keith, irmão do Pacificador e seu primogênito, obrigando nosso protagonista a enfrentar o seus traumas, suas convicções e suas origens. Eu considero essa a melhor coisa que o James Gunn já fez na vida, eu acho que ele nunca errou quando se trata dos trabalhos dele tanto na DC quanto na Marvel, ele acertou em tudo, algumas coisas são melhores que outras, mas ele mantém um alto padrão, só que esse padrão é extrapolado por Pacificador, pois pegar um personagem totalmente desconhecido e extrair dele uma história que nem essa é algo absurdo. Claro, ele fez isso com Guardiões da Galáxia, mas lá ele ainda usou elementos de outros personagens que eram maiores dentro da Marvel, elementos de histórias do Thor, do Nova, do Capitão Marvel e da Ms. Marvel, etc. Aqui, ele usa apenas elementos relacionados ao Pacificador e ao núcleo da ARGUS, isso que para mim coloca acima.

Uma coisa que também coloca acima é como a história do Pacificador reflete muito do próprio James Gunn, como ele vai tratando coisas da vida dele mesmo através do personagem do Chris e como ele vai mostrando como ele está lidando ainda com muitos dos problemas que ele teve. Quando você vai atrás da história do Gunn, você descobre que ele teve muitos impasses com o seu pai, James Gunn Sr., que não gostava da ideia do Jr trabalhar sendo roteirista e diretor, ele gostaria que seu filho tivesse uma carreira mais segura, e esse entrave foi travado por praticamente toda a vida do James Gunn Jr, tanto que é só você notar que TODOS os personagens principais dos filmes do James Gunn na Marvel e na DC tem daddy issues: Gamora e Nebulosa tem problemas com o Thanos; Peter Quill tem problemas com o Ego; Rocket tem problema com o Alto Evolucionário (que não é seu pai, mas é seu criador); o Sanguinário tem problemas com o pai; o Homem-Bolinha tem problemas com a mãe (precisa variar uma hora também); a Caça-Ratos II viu o pai dela morrer; e recentemente, o Superman teve problemas com o Jor-El. Então, é algo que está presente em toda a carreira do diretor, você vai notando esse padrão, que é repetido com a relação entre Chris e August por aqui, só que aqui é onde vem a maior excelência nesse quesito, já que a forma que é trabalhado toda a relação do Chris com o pai e como em todo episódio isso vai sendo moldado, até vir a porrada no sétimo episódio, é muito bem feita e vai causando o impacto, e mesmo você sendo preparado s temporada inteira, nada te prepara totalmente para o que a gente vai ver do Chris lidando com isso nos dois últimos capítulos.

Eu gosto muito como o Chris é construído, pois o Pacificador é esse cara que é muito ingênuo, ele acredita em tudo que vê na internet, ele não questiona nada, ele tem uma crença que todo mundo está falando a verdade para com ele e isso o deixa as vezes muito infantil. Ele tem a inocência de que ele vai recuperar o amor do pai por ele, ele acredita que o pai ainda gosta dele, ele tem uma noção muito fora da realidade dentro dessa relação, ele não houve nenhum contraponto, ele não gosta de ter suas ideias de um mundo perfeito contrariadas, tanto que chega a um ponto de ele conversar mais com uma águia e com uma borboleta do que com outros humanos, já que talvez ele não saiba lidar com a verdade, porque ele não aguenta ser machucado. Ele é o tipo de pessoa que cria toda essa casca de machão, de super-herói, ele quer ser um ideal, ele quer ser um símbolo, ele tem convicção em muitas dessas coisas que ele colocou na sua cabeça, mas ele por dentro não passa de um ser humano frágil, com uma mentalidade juvenil, que se mantém em uma casca criada para protegê-lo de realidades que ele não sabe lidar. Eu adoro como isso é construído ao longo dos episódios para ele ir evoluindo, aceitando e combatendo os seus problemas, levando isso como uma motivação, uma aspiração para melhorar, se sentindo melhor em relação a si mesmo, em se sentir confortável tendo relação com outras pessoas, mas não abandonando seu lado sombrio. Eu gosto como aquilo que eu falei de daddy issues no parágrafo anterior é mais do que apenas um problema, é algo que vive dentro da cabeça do protagonista, mesmo matando seu pai, ele não saiu da sua cabeça, ele ainda vive lá.

Já já eu falo mais sobre o personagem, mas outra coisa que eu preciso comentar é sobre o próprio tom e estética que o James Gunn que o James Gunn cria aqui. O universo DC que ele trabalha é muito rico, mesmo antes dele ser o chefe, ele já dava uma exclusividade para cada núcleo que ele gosta de trabalhar, até mesmo dentro de seu próprio filme, onde a forma que ele tratava os personagens exclusivamente uns dos outros é uma das partes que eu mais admiro lá. Aqui, ele faz ume extensão disso trabalhando apenas o lado do Pacificador, que como eu disse, é um cara que vive fazendo piadinha, mas não entende ironia, que é violento, que vem de um lar nada saudável, e ele equilibra muito bem o drama com a comédia, apelando muito mais para a natureza cômica, mas sabendo fazer um bom drama quando necessário. O senso de humor do James Gunn é muito doentio, você ri pelo absurdo do que ele acha engraçado, e como é uma série +16, ele se liberta para tirar algumas loucuras da sua cabeça (no momento que estou escrevendo esse texto, já vi o primeiro episódio da segunda temporada e bom, esse maluco é totalmente piroca da cabeça), tem o Pacificador usando um vibrador como microfone, tem uma vagina enlatada, tem cocaína, maconha, gore, nudez, o James Gunn querendo ver a mulher dele dando para o John Cena, e tudo isso que eu dei exemplo acontece nos dois primeiros episódios. Ao longo dos episódios vai acontecendo cada absurdo que é muito bom.

Não só os acontecimentos, como as próprias piadas são muito boas. Existe uma comédia de situação que é muito bem feita, mas eu gosto como o absurdo estético também se alastra para as falas dos personagens, como eles são meio exagerados e perturbados, nisso eles falam da forma mais séria e na lata os maiores absurdos que é possível, causando um choque nos espectadores pelo o quão louco alguns diálogos são, especialmente os do Pacificador e do Vigilante, onde a cada frase que sai da boca deles, você sabe que é um absurdo, mas também, você pode ter certeza que a próxima será pior. No primeiro episódio já, o Vigilante começa a comemorar, surge um cara perguntando por quê ele está comemorando, coisa que ele responde dizendo que a namorada dele está grávida e que ele está feliz porque eles irão fazer um aborto, depois ainda convida seu colega para participar do aborto. Essa escalonada que vem do nada nos diálogos é um primor do James Gunn, que muitas vezes poderia dar errado, mas em 95% das vezes acaba funcionando perfeitamente.

Só que nem só de comédia vive o James Gunn, já que tem momentos onde o drama precisa se sobressair, e é aí quer ele demonstra o porquê de ser tão conceituado, já que ele encaixa muito bem um tom mais sério quando necessitado. A maior parte vem justamente dessa construção que existe no Pacificador, que é uma quebra dessa casca que ele cria do maluco bad-ass e piadista, onde vemos sua vulnerabilidade vindo de certas situações onde ele pensava que poderia ser superior, mas que são a sua maior fraqueza, como ele ter acidentalmente matado o seu irmão, que é sua pior lembrança, ou a criação conturbada pelo pai. O John Cena quebra muito a expectativa aqui e consegue entregar as camadas do personagem, ele que por muito tempo teve o rótulo de ator ruim, aqui mostra que na realidade só estava nos papéis errados. O Pacificador dele é um personagem que tem muitas nuances, como deu para notar nos últimos parágrafos que venho falando, e o John Cena consegue trazer perfeitamente tanto a parte cômica, o timing dele é perfeito, tem coisas ali que ele traz com tanta naturalidade que parece até ter sido improviso (a cena dele listando famosos que poderiam ser incriminados é brilhante), e quanto na parte dramática, onde ele traz um vigor muito grande nas cenas que isso é necessário, especialmente ali nos episódios finais da temporada. O Pacificador também tem um quê muito do Drax também, não atoa o papel inicialmente deveria ter sido do Dave Bautista, mas graças a Deus caiu no colo do mano JC, porque é um casting 10/10.

Todo o casting dessa série é sensacional, inclusive. Ele reutiliza alguns personagens terciários lá do O Esquadrão Suicida, pessoal de suporte técnico, como o Economos e a Harcourt, e enfia lá outros personagens que, sendo honesto, eu nem sei se existem nos quadrinhos de fato, como a Adebayo, que é a filha da Amanda Waller, e o Murn. Cara, o talento do James Gunn para retratar personagens desse naipe é bisonho, ele faz você gostar de todos eles. A Adebayo é usada para ser a melhor amiga do Pacificador, como uma forma de trazer algo mais pé no chão para ele, a Danielle Brooks é excelente e consegue trazer os conflitos da personagem, como o casamento em ruínas, estar nesse emprego porque perdeu o seu e aprendendo a ser uma agente, até perceber que ela nasceu para isso, que isso era uma vocação, e a forma como ela cresce junto do Chris é exímia, o crescimento dela a cada episódio é natural e convincente. Outros personagens como o Economos e o Murn são excelentes membros de apoio para a equipe, funcionando como uma boa composição de elenco. O arco do Murn é curto, mas muito bem trabalhado pelo texto da série, onde faz com que a gente se importe com ele, o twist que envolve ele é bem trabalhado e, de fato, imprevisível. O Economos serve mais para as piadas, onde ele tem situações muito engraçadas, tanto fazendo parte da piada, quanto sendo o alvo delas, tem a piada recorrente da barba pintada que é engraçada justamente por ser maçante, já que torna-se maçante para o personagem também.

Os dois personagens, além da Adebayo, que tem mais destaque, acabam sendo o Vigilante e a Harcourt. O Vigilante é um dos maiores acertos do James Gunn, que personagem sensacional, ele que é meio que uma mistura de Demolidor com Deadpool, e o James Gunn faz, através dele, mais ou menos o que eles faria se tivesse o Deadpool nas mãos dele. Cara, a cada frase que ele solta é uma pedrada, ele é o alívio cômico em uma série de comédia, onde as piadas dele na maioria nem são piadas, são coisas que ele fala ou faz que são tão absurdas, mas feitas com tanta naturalidade, que você ri mais pelo fato de ser inacreditável. Gosto de como trabalham ele como um sidekick que fica lambendo as bolas do Pacificador o tempo todo, como ele é um fã do que o Chris faz, e essa dinâmica dele tentando a todo custo trabalhar junto com o Smith é maravilhosa. A Harcourt, também conhecida como mulher do James Gunn, acaba tendo uma boa participação também, já que ela é mais daquele tipo de personagem mais amarga, workaholic, que vive pelo trabalho, e ao longo dos episódios ela vai se soltando e criando laços, criando uma personalidade que foge do que ela era inicialmente. O que me incomoda um pouco, mas não muito, é que parece que o James Gunn quer a todo custo que o John Cena ponha a mulher dele na chapa, parece um desejo antigo.

Acho que é isso, essa série é muito melhor do que qualquer palavra que eu escrever, já que, na minha opinião, a primeira temporada de "Pacificador" é a melhor obra de James Gunn (pelo menos nesse universo de quadrinhos, não vi nenhum filme dele fora de DC e Marvel). É genial na comédia, talvez a série que eu mais tenha rido na vida, mas o que torna ela melhor é que não se contenta apenas com as piadas, pois existe um drama muito bem construído ao longo dos episódios, onde o Pacificador e seus conflitos envolvendo a si e a seu passado são os destaques, mas todos os personagens principais tem arcos muito bem construídos e instigantes, especialmente a Adebayo, e o Vigilante como alívio cômico é absolutamente perfeito. É a obra mais pessoal do James Gunn, onde ele se coloca muito no Pacificador e, basicamente, tenta exorcisar o seu passado através dos dilemas enfrentado pelo Chris, onde por muito tempo ele se viu como um perdedor, alguém que não ia longe, como alguém descartável e que não sabia o caminho que seguir. Na realidade, Pacificador é uma mensagem dizendo para você não desistir de quem você é, até porque, às vezes, você nem sabe quem você é ainda, e é isso que Chris vai descobrindo ao longo dos episódios, ele achava que deveria ser um assassino pela paz, mas descobre que a paz não virá através de uma arma, mas sim através de suas ações, e é isso que o define.

Nota - 10/10

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