Crítica - Pacificador (Peacemaker - 2ª Temporada, 2025)
A evolução de uma das melhores séries de super-herói da história e um ótimo setup para o DCU.
Após três anos de espera, finalmente chegou a nova temporada de "Pacificador", a série de James Gunn situada no universo DC, que foi um grande sucesso inesperado com a primeira temporada lá atrás, acabou conquistando o público pelo estilo de humor irreverente e sem regras, mas com um excelente drama construído pelo Gunn. Acontece que demorou tanto para uma nova temporada, pois nesses três anos que se passaram, um limbo gigantesco ocorreu no universo DC, que foi o reboot do finado DCEU para tornar-se o DCU de James Gunn. Muitas dúvidas aconteceram em torno do que essa temporada seria, o que aconteceria nela, o que é e o que não é canônico, já que algumas coisas foram mantidas do velho universo para este novo. Na realidade, apenas as histórias que o próprio Gunn contou tiveram seu mantimento em partes, nem tudo realmente aconteceu neste novo universo, que tem uma similaridade com o anterior pois muitos eventos acabaram por serem os mesmos, depois eu explico isso melhor. Acontece que a série voltou, em um universo diferente, mas com os mesmos personagens, os mesmos núcleos, mas com muita coisa nova, diferente e que trabalha com diversas consequências deixadas pelo primeiro ano.
Um ano após os eventos da primeira temporada, Chris Smith, o Pacificador (John Cena) está procurando um novo sentido para a vida. Abalado por seu passado e pela morte de seu pai Auggie (Robert Patrick), Chris está afastado da vida de herói e de seus amigos da 11th Street Kids, e nisso, numa noite fria, ele acaba entrando no portal interdimensional de seu pai e acaba caindo em um mundo aparentemente perfeito para ele, onde tanto seu pai quanto seu irmão Keith (David Denman) estão vivos e ele tem um relacionamento com Emilia Harcourt (Jennifer Holland), mas, ele pode se decepcionar ao perceber que essa Terra não é tão perfeita quanto ele pensa. Enquanto isso, na Terra principal, Rick Flag Sr. (Frank Grillo) caça Smith em busca de vingança pela morte de seu filho, usando de seu poder atual de diretor da ARGUS para tal. Além disso, os outros 11th Street Kids estão passando por suas próprias questões, como Emilia, que foi proibida de servir qualquer serviço de inteligência americano; Adebayo (Danielle Brooks), que foi largada pela esposa e está tentando seguir a vida de agente; John Economos (Steve Agee), que trabalha para Flag contra sua vontade; e o Vigilante (Freddie Stroma), que, bem, é o Vigilante. Essa temporada teve muitos acertos, mas também tiveram erros, muitos deles no último episódio, é verdade, mas desde antes algumas coisas já vinham me incomodando, como tramas que começam e terminam em pouco tempo, outras que apenas começam e não terminam, e também algumas que terminam, mas não começam.
A trama principal da série é muito boa, pois lida muito bem com o personagem do Chris, o desenvolvimento dele, como ele vai lidando com ele mesmo, isso é muito bem trabalhado e já trago isso de forma mais aprofundada mais para a frente. A questão é que existem muitas tramas e nenhuma tem algum impacto no final. A subplot da Adebayo acontece nos primeiros dois episódios, é esquecida e trazida de volta no último episódio apenas. O Vigilante passa cinco episódios sendo praticamente inútil, sequer usa o seu uniforme, quando tem uma subtrama dele nos episódios 6 e 7 é uma das melhores partes da temporada, mas aí vem o fatídico episódio 8 e ele volta a ser um completo inútil. O Economos cresce ao longo desse segundo ano em relação ao primeiro, mas cai na mesma do Vigilante no final, termina que não leva a lugar nenhum. O problema dessa temporada foi a season finale, termina que esse último capítulo é um grande epílogo anticlimático que parece resumir o que demoraria metade da terceira temporada contaria. O episódio mais longo da temporada, que são cinquenta minutos de pura enrolação e constrangimento. Acaba que o sétimo episódio deveria ter sido o verdadeiro final, onde teve tanto um clímax tanto de ação quanto emocional e deixaria um gancho muito melhor.
A história da Terra alternativa, que posteriormente vamos descobrir que é de fato a Terra-X, o mundo onde os nazistas venceram a Segunda Guerra, tem muita coisa ali a ser explorada, que é ensaiado um desenvolvimento maior de tudo aquilo, e termina que tem coisas que acabam sem respostas, que não precisavam ter respostas de fato, mas seria melhor gastar tempo lá naquela Terra desenvolvendo uma história melhor, do que ficar encima do muro nessa finale patética. Uma das respostas que faltaram: onde é que estavam as pessoas negras? Pois quando a Adebayo sai na rua, literalmente gritam "UMA ESCAPOU!"... escapou de onde, meu irmão? Ou também a questão do grupo revolucionário dos Filhos da Liberdade, que é mostrado como uma organização rebelde, cujo o Vigilante daquele universo faz parte, mas também é uma ponta solta, já que não sai disso. Tudo isso se fosse um pouco mais desenvolvido e empurrasse os acontecimentos do penúltimo episódio para o último, seria muito mais satisfatório. Outra ponta solta é o Eagly, que do nada é um ser místico que é a Águia Suprema, onde ele se revela assim no quinto episódio, tendo poderes e controle sob as outras águias, e isso é simplesmente esquecido posteriormente, sequer tem resquícios. Essa parte eu confesso que ali se passou demais, acho que se não tivesse, não faria muita diferença.
Mas, essa trama da Terra-X é a mais funcional dentre os acontecimentos dessa temporada, já que é nela que se acumulam os principais pontos do que chega mais próximo de ser a grande trama principal. Não há uma grande única narrativa, e isso não é uma crítica, pois é uma série, abre espaço para essa visão mais dividida de uma mesma história, mas isso funciona bem quando vai de fato para essa Terra alternativa, pois ali que se concentra todo o cerne principal da série, desde o desenvolvimento do Chris como personagem, quanto a relação dele com a Harcourt, a função dos outros personagens, que de fato todos eles contribuem para um único objetivo narrativo, onde foi a parte que mais se assemelhou à primeira temporada nesse quesito de tudo estar aonde deveria. O clímax de ação vem nessa parte, com a cena onde os heróis tem de voltar para o seu universo e acaba rolando essa batalha contra o Keith, quanto os dois grandes clímaxes emocionais, um no sexto episódio que é a cena do Chris com a Harcourt na sede da ARGUS, e depois no sétimo episódio a cena do breakdown do Chris ao sentir que o problema não eram os universos, mas sim ele. Os episódios que se passam lá são os melhores da temporada, sem dúvida.
Todo o arco do Chris nessa temporada é bem construído (até o último episódio), já que como eu falei no meu texto sobre a primeira temporada, é o projeto mais pessoal do James Gunn, e o Chris é o personagem que tem mais dele que ele já escreveu. É tão pessoal para ele que ele sente a necessidade de ver o Pacificador dançando, beijando e se deitando pelado com a esposa dele. Mas, brincadeiras à parte, dá para comprar isso da pessoalidade que o James Gunn traz dele para o Chris, como a forma de lidar com a morte do pai, o afastamento que ele teve de seus amigos, ele traz momentos sombrios para o personagem e parece usar isso como uma fonte de terapia para ele mesmo. Ele explora essas diversas facetas do Chris em situações diversas, mostrando o quanto Smith é quebrado e está totalmente perdido, como a bizarra cena da orgia que ocorre no primeiro episódio, onde ali a gente vê que ele está tão atônito com tudo que ocorre à sua volta e ter algo diferente (que é a descoberta desse novo universo) acabou o afetando tanto ao ponto dele organizar uma suruba. Até mesmo a abertura explora isso, a nova abertura, que é um dos poucos pontos que eu considero que essa temporada supera a anterior, mostra mais do Chris como Chris e não como Pacificador, enquanto a letra da música tema, "Oh Lord", da banda Foxy Shazam, vai descrevendo perfeitamente a situação que ele vem passando.
Outra coisa que ajuda demais nessa construção do Chris é a própria atuação do John Cena, onde na primeira temporada ele se provou, e nessa segunda ele se firmou como um bom ator. Ele demonstra bem esse sentimento vago que o personagem está sentindo, esse vazio, onde você vê que ele está sem rumo, sem propósito. Ele traz a ingenuidade do Chris de forma perfeita, onde ele está feliz com o que ele nunca teve, as cenas dele estando feliz na Terra alternativa com sua família e com a Emilia, a cena dele no primeiro episódio ainda, com ele chorando após ter uma conversa com o pai e com o irmão que ele perdeu, tendo uma visão de como seria sua vida se ele, na cabeça dele, não tivesse estragado tudo. Smith é tão conturbado da cabeça que ele se culpa por tudo, mesmo que ele não tenha sido o culpado, ele se põe nessa função, pois foi isto que foi colocado na cabeça dele pelo seu pai durante toda a vida dele. Por isso que ele considerou aquele mundo perfeito e nem deu tanta bola para o que estava rolando naquele mundo como um todo, pois é tudo o que ele sempre quis: sua família reunida e se dando bem, a mulher dos sonhos dele é apaixonada por ele e ele é festejado como um herói, ele tem a reputação que ele sempre quis ter. Por isso que soa tão doloroso quando isso cai por terra, pois ele se põe nesse local de se culpar novamente, e a cena dele sendo preso, a atuação do Cena é silenciosa, mas diz muito através da expressão dele.
Os demais personagens também estão bem nessa temporada, por mais que eu tenha falado que eles não servem para nada no final, mas eles tem momentos bem interessantes na temporada. A Harcourt tem um desenvolvimento muito interessante, onde ela vira uma bêbada desempregada, que foi impedida de trabalhar com o que ela vive para fazer, e o que resta para ela é a adrenalina de beber e arrumar briga. Mas, olha, a Jennifer Holland também se firmou nessa temporada, provou que ela é realmente boa atriz e não apenas a mulher do chefe, já que ela tem cenas, como a da ARGUS no sexto episódio, que ela entrega muito, mas o maior mérito dela é entregar duas versões completamente distintas da mesma personagem e convencer como se fossem duas pessoas diferentes de verdade, pois toda essa irritação, essa falta de propósito, essa escuridão da Emilia principal, com a realização e o brilho que tem a Emilia da Terra-X, é muito bem distinguida e muito bem entregue. Outra que manda bem na atuação é a Danielle Brooks como Adebayo, ela foi a melhor coisa do último episódio, porque ela entrega o tom dramático necessário em diversas cenas, uma das poucas cenas boas desse último episódio é a intervenção feita para o Chris, e ela ali entrega bastante e traz um tom mais sério que era necessário naquele momento.
Além delas, eu gostei bastante do Vigilante quando ele teve destaque. O Adrian é muito engraçado, eu gosto de como o James Gunn explora um pouco mais dele, tem a questão confirmada dele ser autista e mostra como ele tem diversos hiperfocos em animais, ou o maior hiperfoco dele que era encontrar seu outro eu da Terra alternativa. Mostra também como ele tem uma dependência emocional muito grande no Pacificador e naquela relação dos 11th Street Kids, onde ele claramente não tem muito amor, foi abandonado pelo pai gay dele e não era bem tratado pelo irmão mais velho segundo o próprio Chris. O único amor que ele recebe genuinamente é o da mãe, cujo ele não sabe valorizar e até destrata a coitada da senhorinha (fiquei com raiva dele nessas cenas, não vou mentir). Mas, o momento de auge dele nessa temporada é o papel duplo, onde ele se encontra com o Adrian da Terra-X, e diferente da Harcourt que são duas personagens distintas, o Freddie Stroma acerta em entregar os dois personagens extremamente iguais e isso foi sensacional, a relação dos dois completando o autismo um do outro foi incrível. O Economos nessa temporada teve um destaque maior, e ele foi um personagem melhor como um todo, trazendo momentos que fazem ele ter jus ao título de EconoGOAT. Ele não tem um arco em si, mas ele é um excelente suporte para todos os demais personagens, inclusive o Eagly, onde ele funciona quase como uma carta curinga para diversos momentos dramáticos, já que todo mundo desabafa com ele.
Tem outro personagem bem secundário, mas bem engraçado, que é o Fleury, interpretado pelo Tim Meadows, que é o cara da cegueira de pássaros, e irmão, eu não sei de onde o James Gunn tirou essa ideia, mas pô, é muito engraçado. A ignorância e a irreverência dele é muito boa, as cenas dele são algumas das mais divertidas da temporada. Tem a Sasha Bordeaux, que é mais uma das atrizes gostosas que o James Gunn encontra por aí, não tem tanto desenvolvimento e o que tem é bem raso, mas fica a menção e o convite para Sol Rodríguez casar comigo. Agora, um que foi inconsistente, foi o Rick Flag Sr., interpretado pelo Frank Grillo, porque é bizarro como ele se torna outro personagem do que ele era lá em "Comando das Criaturas", ele caçar o Pacificador faz sentido, é condizente com a persona dele. Agora, ele no último episódio foi patético, já que a cena dele rindo e dos parças do Luthor cheirando cocaína é a cena mais vergonha alheia de toda a série. O final dele prendendo o Pacificador em Salvation é ridículo, transformaram a figura de um pai querendo justiça pelo filho num completo escroto do absoluto nada, quando ele era babaca com o Chris, numa figura antagonista, fazia sentido, era o mínimo do jeito dele tratar o assassino do filho dele. Agora, essa transformação repentina no final ficou muito zoada.
Bem, como este ainda é o início do DCU, ainda tem muita coisa daqui que serve para a construção de universo, acaba que existem diversas conexões com outras obras, como "O Esquadrão Suicida" e "Superman", aparece o Joel Kinnaman como o Rick Flag Jr. retornando lá na Terra-X e depois aparece o Nicholas Hoult como Lex Luthor e seus comparsas, além da citação de diversos eventos destas obras. Além de que também traz conceitos que virão a ser melhor desenvolvidos no futuro, como a prisão Salvation e a organização Checkmate. Mas, eu acho que o James Gunn tem que dar um tempo e trabalhar em um projeto de cada vez, já que eu considero que ele trabalhar simultaneamente com um grande blockbuster que é "Superman" e uma série menor para o Max, que é esta, acabou que prejudicou mais aqui, especialmente no final. Eu até entendo o que o Gunn tentou fazer, ele queria que fosse um clímax mais sensível do que algo cheio de ação e porradaria, quase um anticlímax, mas não funcionou com o restante da temporada. Falta um respiro, falta revisão, falta ter um pouco mais de calma, e parece que ele estava desesperado em estabelecer esse início de DCU, que prejudicou diversos pontos dessa segunda temporada. Ainda bem que ano que vem teremos esse descanso, as próximas três entradas desse universo já serão outras mentes criativas e isso é bom, já que não pode tudo depender 100% do James Gunn, pois acaba que iria tornar-se repetitivo, eventualmente.
Numa temporada empolgante, bem dirigida e escrita, acaba que o segundo ano de "Pacificador" termina com um final agridoce, sem sal, sem graça e que acaba manchando a série, de um jeito em que começamos a se importar com coisinhas bestas que geralmente não nos importaríamos e acaba jogando mais para baixo do que deveria. É uma temporada que, como um todo, tem muito mais acertos do que erros, é até injusto falar mal, mas não tem como, acho que esse episódio final foi o maior erro do James Gunn nesse universo de heróis desde que ele começou, já que deixa um sentimento muito melancólico nesse final, pois não é só anticlimático, tem diversas coisas ali que são factualmente ruins, mal feitas, foi uma decepção. Acaba que foi a DC que está controlando o James Gunn e não o contrário, já que essa é a DC que eu conheço, a famosa era da DCpção. Porém, o otimismo para o futuro do DCU é maior, espero que o James Gunn tome esse ano de hiato das obras dele para revisar Man of Tomorrow quantas vezes for necessário. Tivemos boas atuações, um excelente arco do Chris, grandes cenas de ação, momentos empolgantes, uma trilha sonora que é brincadeira de tão boa, termina que é sacanagem diminuir o todo por um episódio ruim, já que todos os outros sete foram ótimos acima. Então, o saldo é positivo, mas a impressão final deixou uma marca negativa apesar disso.
Nota - 8,0/10
Nota por episódio:
2x1: "The Ties That Grind" - 8,5/10
2x2: "A Man Is Only Good as His Bird" - 8,0/10
2x3: "Another Rick Up My Sleeve" - 8,5/10
2x4: "Need I Say Door" - 8,0/10
2x5: "Back to the Suture" - 8,5/10
2x6: "Ignorance is Chris" - 10/10
2x7: "Like a Keith in the Night" - 10/10
2x8: "Full Nelson" - 5,5/10