Crítica - Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, 2014)

O filme mais divertido do MCU.

Recapitulando: até aqui no MCU tínhamos quatro filmes que se focavam em desenvolver dramas pessoais dos protagonistas e como eles iriam derrotar uma grande ameaça, que tinham um pouco de comédia, mas nada dominante, já que o foco era mais a ação e o sci-fi. Tínhamos um filme de guerra sobre um patriota e, posteriormente, sua sequência, que era foi para o lado da espionagem. Tínhamos dois longas-metragens mais sérios sobre um deus nórdico, que iam para o lado mais mitológico e sério da coisa, e, por fim, um filme de equipe, que tinha suas piadas, mas também indo para o lado de buscar a diversão através de grandes batalhas. Aqui é a clássica soma “ação + comédia” e o mais autoral do MCU até esse momento, é uma linguagem completamente diferente que funcionou para qualquer tipo de público, eu não conheço ninguém que desgoste desse filme, particularmente. Na época de lançamento, foi o maior ato de coragem da Marvel, na verdade, acho que até hoje é, depois desse diminuiu o risco de obras sobre heróis desconhecidos fracassarem na bilheteria e na crítica, eles pegaram personagens de escala C ou D da editora, fizeram um filme e saiu uma coisa incrível, ninguém conhecia esses personagens, eu, por exemplo, na época conhecia os personagens, mas só de visual por causa do videogame, de história eu sabia zero sobre e depois, indo estudar sobre quem eram os personagens nos quadrinhos, lendo as histórias, digo que é uma das poucas adaptações drásticas em filmes de heróis que funcionaram.

Drásticas por exemplo: mudar origem, visual, história, equipe e tudo mais, não são mudar apenas um detalhe, como o criador de tal coisa, por exemplo. Se você pegar os quadrinhos, a equipe dos Guardiões era totalmente outra, esses personagens nunca haviam se juntado antes do longa ser anunciado, era uma equipe com heróis bisonhos de escala D da Marvel, aqui o filme reúne cinco pessoas que todos hoje em dia reconhecem só por dizer o nome: Peter Quill, o Senhor das Estrelas (Chris Pratt), Rocket Raccoon (Bradley Cooper), Gamora (Zoë Saldaña), Groot (Vin Diesel) e Drax (Dave Bautista), e a interação deles nesse filme, somado a direção do James Gunn, responder o questionamento do porquê desse filme existir. Aqui vemos um bando de desajustados, seres que fizeram coisas horríveis durante anos da sua vida, com motivos de apenas acabar com glórias egoístas, dinheiro e souvenires caros, temos o Peter Quill que é um ladrão, temos o Rocky e o Groot que são caçadores de recompensas, a Gamora que é uma assassina e o Drax que é um maníaco vingativo, todos são perdedores, e ao longo do filme esses lobos solitários vão se apegando uns aos outros, criando um baita clima de equipe, que vai se elevando para família aos poucos, e o Gunn vai trabalhando isso de uma forma incrível, é devagar, é sutil, com calma, dá para ver o afeto entre os protagonistas crescendo cena por cena, até que chega no clímax onde os heróis já são capazes de se sacrificar uns pelos outros.

Gosto de como o James Gunn trabalha os dramas de cada um e como ele faz esses arquétipos funcionarem tão bem junto, tendo um bom roteiro e um bom elenco ao seu favor. O Peter é o protagonista, os dramas e traumas dele são demonstrados durante a exibição toda, e o diretor sabe trabalhar muito bem detalhes como o refúgio dele na música (que praticamente é o único resquício da humanidade que ele tem) e o trauma envolvendo a perda de sua mãe, que é muito bem feito, ao ponto de você conseguir sentir que ele vai se arrepender até o fim dos dias dele por não ter segurado a mão dela, o que é assustador, a despedida digna que sua mãe merecia não foi cumprida. O Chris Pratt não é um ator tão bom, isso é fato, mas ele dá uma segurada aqui, ele consegue fazer do personagem um alguém muito carismático, para um filme de ação/comédia, ele funciona bem, ele entrega no que lhe foi pedido: um herói de ação engraçado, carismático e meio fracassado, mas que tenha seus próprios traumas rondando sua mente.

Outro drama muito bom é o do Drax, o quanto ele é sedento por vingança pela morte da sua família, o trauma é visível, chegando até a chamar o vilão Ronan, o Acusador (Lee Pace) diretamente para a batalha, porque ele quer matar quem já lhe matou emocionalmente a qualquer custo. O James Gunn trabalha incrivelmente bem esse arco, que é compreensível o porquê Drax faz isso, entretanto, como o Rocket diz no filme: "todos nós já gostamos de alguém que morreu e nem por isso temos que sair matando tudo e todos". A Gamora tem um desenvolvimento bem simples, mas que dá para compreender direito, ela quer se livrar do Thanos (Josh Brolin), de tudo que ela fez, de todos os assassinatos cometidos, dá para ver que ela se arrepende e que não foi por vontade própria que ela os cometeu. É busca pela redenção, em tentar virar uma pessoa melhor, com motivações melhores, e com os Guardiões ela vê uma nova chance de um recomeço. A Zoë Saldaña também consegue aguentar o peso, ela é atriz de filme de ação e sempre funciona muito bem, sempre consegue criar um ar de bad-ass para seus papéis, deixando ela uma personagem forte e carismática, que tem uma postura incrível, como ela formula a personagem para ser essa mulher que é braba, porém tão traumatizada quanto os outros. Também é impressionante o fato dela atuar com tanta maquiagem por tanto tempo, é um esforço incrível, não só dela, como da equipe de maquiadores (mas deles eu falo depois).

Falando nele, ele me lembra muito o Arqueiro Verde das HQs, todos sabemos que o James Gunn é DCnauta (Legado do futuro: Hoje em dia, James Gunn é o co-CEO da DC, então aqui está mais uma espécie de previsão), então deve ser baseado um pouquinho, já que o sarcasmo e a esperteza, além de posicionamentos iguais. Cara, o Rocket é um esquerdista, fica o toda hora xingando o sistema, chama todos os afiliados ou funcionários do governo de fascistas, e ainda é perceptível em várias falas dele um posicionamento político forte. O trabalho de voz do Bradley Cooper ajuda muito também, a voz rouca que ele faz combina demais, se encaixou perfeitamente com o CGI, e deixa o personagem com motivações claras e um carisma inigualável, porque ô bichinho carismático, viu? Seu amigo inseparável, o Groot, também é bem cativante, ele não tem desenvolvimento nenhum, ninguém sabe de onde ele veio, só sabe que ele está ali, é fofinho, inocente e te conquista só por isso, ele não precisou de nenhum aprofundamento, não é algo que faça falta, ele é incrível só por existir. Além de que a árvore tem seus momentos para brihar (uma dessas vezes é literal), tem cenas incríveis que envolvem ação, mas especialmente as cômicas, que ele agrega muito para a comédia, tendo múltiplos momentos engraçados.

Falando nisso, a comédia é muito bem colocada, não me vem a mente nenhum momento onde o diretor força demais uma piada (tem uma ou outra que é meio demais, mas não chega a ser forçado), ou que ela seja desnecessária, o encaixe aqui é perfeito, o timing cômico dos personagens é funcional e cada personagem tem um estilo cômico próprio que dá uma identidade própria à cada um deles. O do Quill se beneficia da canalhice dele e de situações onde ele é envolvido, como ele querer ser o brabo, mas que no fim sai no rótulo de ladrãozinho fracassado e vadio. O do Rocket é o sarcasmo, a utilização que ele faz, eu gosto de ser um humor muito pontual e até que zoa com algumas bizarrices que vemos. A Gamora ganha seu humor justamente pelo fato de ser uma pessoa séria, com isso surgindo situações engraçadas, como a clássica cena do casalzinho na varanda onde ela fala que não vai cair na “feitiçaria pélvica” do Peter. O Groot é engraçado porque ele repete só o nome em situações onde não se deveria, além de sua fofura apesar de ser gigantesco. E o Drax é engraçado por não entender metáforas e ironias (basicamente alguém com mais de 35 anos mexendo na internet), ficando abestalhado em várias situações. As cenas de ação são muito boas também, poucos cortes são notáveis, são emocionantes, algumas épicas, tem uma coreografia espetacular - principalmente a luta de Gamora e Nebulosa (Karen Gillian), que é uma baita cena de ação braba e que é fascinante. As cenas de nave na maior inspiração de Star Wars são maravilhosas também, de tirar o fôlego. E pela primeira vez nesse universo, temos um uso agradável da câmera lenta, que finalmente é usada para deixar os nervos à flor da pele, para criar tensão no espectador e para dar uma sensação épica ao momento.

A maquiagem é espetacular, deve ter dado uma trabalheira danada de ter feito tudo aquilo, é a extravagância dos quadrinhos trazida por Gunn às telonas. É sensacional, dá para perceber o quanto ele ama quadrinhos, até o coadjuvante mais inútil tem uma maquiagem caprichada que dá identidade àquele cara que vai aparecer uma vez. Eu fico imaginando quanto tempo os maquiadores ficaram trabalhando, no mínimo devem ter sido umas dez horas para tudo, isso se contar com a sorte de ter várias pessoas no departamento, é cada raça com cada tom de pele, cicatriz, escama, marca tudo para dar uma identidade galáctica àquela parte do universo que estamos acompanhando, tem gente de pele azul, vermelho, verde, púrpura, rosa, tem tecnologia mesclada à pele, tem queimadura, cortes, tudo inacreditavelmente caprichado. Os efeitos visuais e a direção de arte são espetaculares, a construção das naves, como elas ficam em tela, os próprios designs do Rocky e do Groot, que contém tantos detalhes que impressionam, os cenários, a cenografia das naves, é tudo muito bom (por que você deixou a qualidade cair, Marvel? Por que...?). 

Outro grande destaque é a trilha sonora, não só a original composta pelo Tyler Bates, mas a selecionada. Acho que um dos propósitos do James Gunn fazer filme é divulgar a playlist dele, e que bom que ele faz, porque ele tem um bom gosto danado, conheci várias músicas incríveis nos filmes dele e que marcam presença na minha playlist até hoje. Além de clássicos como "Moonage Daydream" do David Bowie e "I Want You Back" dos Jackson 5, temos outras que já eram famosas, mas que foram apropriadas como "música dos Guardiões", como as marcantes "Hooked on a Feeling", do Blue Swede, e claro, "Come and Get Your Love", do Redbone, que toca na cena de introdução, que é um dos momentos mais icônicos e sensacionais da história do MCU. O próprio tema do Bates é muito bom, trazendo aquela sensação épica quando necessita, fazendo com que a repetição em vários momentos, com tons diferentes, deixe aquela batida na cabeça. A única coisa que eu não curto no filme é o vilão, o Ronan, ele apresenta ameaça, mas é muito sem sal, é caricato e não combina com o resto da estética divertida, só dá risada maléfica e trai o chefe, tanto que todo mundo elogia o filme e sequer lembra-se dele, até porque não é nada que atrapalhe muito na experiência, mas é algo meio broxante em comparação a todo o resto.

Para fechar, gostaria de mencionar que nesse filme temos simplesmente o melhor herói da Marvel: Howard, o Pato, que só aparece na cena pós-créditos, mas tem uma aparição brilhante, e que depois volta a fazer cameos na sequência desse filme e também na batalha final de "Vingadores: Ultimato" (sim, ele estava lá). "Guardiões da Galáxia" é, sem dúvidas, o filme mais divertido do MCU, o mais carismático, mais engraçado e que nos traz os personagens mais adoráveis e identificáveis desse universo, isso é um parque de diversões, uma montanha russa de emoções, que fica melhor a cada segundo, é impossível sair dele triste, eu terminei ele com um sorriso de orelha a orelha. É um filme muito confortável e é isso que acontece quando dá espaço para o diretor trabalhar, sai um filmaço como esse, a autoria de Gunn aqui é algo que o transforma e lhe dá uma identidade própria, diferenciando-o dos outros de super-heróis, é simplesmente o filme mais fácil de gostar do MCU. Simplesmente maravilhoso, como eu adoro essa galera.

Nota - 10/10

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