Crítica - O Homem do Norte (The Northman, 2022)
Um épico medieval memorável.
🚨 Texto sem spoilers 🚨
Após três anos do lançamento do elogiadíssimo "O Farol", o diretor Robert Eggers retorna, dessa vez com um épico medieval de estúdio que contém produção técnica impecável e um elenco estelar. Porém, o fato de ser um filme de estúdio acaba por tirar algo muito notável nos filmes anteriores de Eggers: a liberdade total. É um filme que não teve liberdade total por parte de Eggers e visivelmente tem coisas ali que foram cortadas, provavelmente o filme era muito mais longo e muito mais brutal. Porém, mesmo com esse problema, Eggers demonstra um talento fora do normal ao fazer um dos melhores épicos medievais dos últimos anos.
O filme é baseado na lenda do Príncipe Amleth, um personagem mitológico dos romances clássicos da Escandinávia e que acabou por ter a história que inspirou William Shakespeare a escrever "Hamlet". Esse filme então pode parecer algo que já vimos várias outras vezes, porém, baseado na obra original que inspirou esse estilo de história. A representação de Eggers é muito mais pesada e brutal que as lendas originais, é uma retratação mais fantasiosa e bem mais "viking" mesmo, por assim dizer. Eggers traz as crenças, tradições e lendas nórdicas com muita fidelidade e respeito aos povos e à mitologia desses locais, é fascinante a forma que é retratada, dá até vontade de pesquisar mais sobre as lendas dos povos escandinavos. Acho que essa parte fantasiosa poderia ter sido muito mais explorada, quem sabe, com mais tempo de filme, daria para explorar muito mais essas lendas fantasiosas, demora muito para você entrar nessa parte mais mística do filme e parece que essas cenas são todas mais isoladas do resto do filme, é um dos poucos problemas deste filme.
O filme é uma obra-prima visual, tem aspectos técnicos impressionantes, que te colocam dentro do mundo retratado de um jeito bastante imersivo. Figurinos impecáveis, cenários incríveis e deslumbrantes, além de uma maquiagem sensacional que te bota dentro daquela trama, a construção das vilas, dos reinos, dos locais, das águas, é tudo incrívelmente muito bem feito, você sai do filme querendo ser um viking e querendo encontrar seus inimigos nos Portões de Hel. Tem um trabalho de aplaudir do Jarin Blaschke na cinematografia, onde ele brinca muito com a luz natural ao longo do filme, utilizando o nublado e a noite como artifícios interessantíssimos de serem filmados, além de usar a luz do fogo de maneira espetacular, que acaba sempre por criar planos belíssimos de serem vistos.
Eggers se prova um ótimo diretor de ação, saindo de filmes de terror mais modernos e acaba indo bem fora da sua zona de conforto. Tem cenas de ação brutais, sanguinolentas, porém, claramente tem várias que foram censuradas, pois tem cenas onde a violência corre solta e tem cenas que foram cortadas com apenas sangue voando à mostra. As cenas de ação são épicas, você sente o impacto dos golpes e você sente aquele sangue fervente em cada cena. Eggers também trabalha bem com as reviravoltas do filme, tem plot twists realmente inesperados e eu gosto de como esses twists acabam fazendo parte da jornada vingativa do personagem, que no final geram um ato final emocionante e vibrante. E um spoiler pequeno, porque eu gostaria de destacar a entrada triunfal do personagem no ato final, pois lá depois de tudo que o personagem treinou, passou e descobriu ao longo da trama, vemos o início da conclusão de sua jornada ali em um dos momentos mais icônicos do cinema em 2022, onde também vemos a vingança enraizada na expressão e no tom de voz do Alexander Skarsgård em uma performance sensacional.
Sobre o elenco do filme, vou falar sobre alguns. Alexander Skarsgård vai incrivelmente bem, nunca havia o visto chegar naquele nível de atuação na carreira dele. Ele demonstra a sede de vingança indomável do protagonista de um jeito muito convincente, você acompanha a jornada dele desde o início e ao longo do tempo você vai cada vez mais se familiarizando com a vingança dele, com os planos dele e com as relações que ele vai estabelecendo ao longo da trama, realmente uma performance arrasadora. A Nicole Kidman fica meio contida por uma boa parte do filme, mas quando o filme necessita que ela se solte, ela se solta e faz uma das performances mais assustadoras dos últimos anos, sério, é uma atuação de cair o queixo, é inacreditável, mas não posso falar mais do que isso sem dar spoilers. Ethan Hawke aparece pouco, mas convence no que ele aparece, ele tem cenas que ele se destaca e tem um monólogo sensacional, ele tem uma certa imponência e é muito funcional no papel que lhe é designado.
A Anya Taylor-Joy também está incrível no filme, quem me acompanha sabe que eu não gosto dela nem daquela cara de peixe morto que ela faz na grande maioria de seus papéis, mas aqui eu gostei da performance dela, ela tem cenas onde ela se destaca, ela tem uma personagem interessante, um jeito interessante de retratá-la e a última cena dela no filme, é fascinante o jeito que ela interpreta ali, fazendo algo totalmente fora da casinha. O Claes Bang faz um grande vilão, o rei Fjölnir, ele tem monólogos incríveis no filme, ele se impõe como um verdadeiro rei tirano, você sente medo dele, ele tem uma voz esplêndida, ele dá uma gritaria muito boa, tem monólogos gigantescos, e o Claes Bang é um ator espetacular, onde é que esse cara tava esse tempo todo? Ele já fez alguns filmes um pouco conhecidos mas nenhum tão famoso para conhecermos de vez o talento dele, daqui para frente vamos ouvir cada vez mais falar desse cara. Acho que nessa parte do elenco o filme peca com o Willem Dafoe e a Björk, que são indiscutivelmente talentosos e mal tem cenas dentro do filme, principalmente o Willem Dafoe que notavelmente foi cortado do filme, ele mal aparece, isso me decepcionou muito.
"O Homem do Norte" é um épico medieval difícil de esquecer, você termina ele querendo ser um viking e querendo gritar igual um maluco nórdico no meio da rua. É um filme que tem seus problemas, não é perfeito, mas que tem cenas de ação espetaculares, tem um elenco sensacional, é visualmente perfeito, é um filme verdadeiramente épico, é um dos filmes que melhor retrata a vingança no cinema. Robert Eggers sai da zona de conforto e, apesar de ter sido censurado pelo estúdio, conseguiu provar seu talento. Um verdadeiro espetáculo!
Nota - 9,0/10