Crítica - Elementos (Elemental, 2023)

Até a água consegue uma ruivinha e eu não 😔

Quando esse filme lançou há quase dois meses atrás, as primeiras notícias colocavam direto na sua cara: "A pior estreia da Pixar em bilheteria", com meros U$48 milhões arrecadados em seu primeiro final de semana, contudo seu orçamento foi de U$200 milhões (o que é um número absurdo para uma animação, mas esse total foi gerado por atrasos na pandemia). Até aí parecia que teríamos um fracasso anunciado, assim como foi "Lightyear" (2022) no ano passado, no entanto as semanas iam passando e os números iam subindo, e subindo, e subindo cada vez mais, tendo seu número de salas no Brasil recebendo um aumento na terceira semana (o que é extremamente raro), conseguindo reverter sua situação e ainda está em cartaz apesar de ter lançado em VOD, neste momento estando com mais de U$458 milhões de dólares, estando, até o momento que estou escrevendo este texto no dia 22 de agosto de 2023, entre as dez maiores bilheterias do ano. Mas, tirando esta remontada histórica digna de Champions League, será que a qualidade justifica o orçamento e o resultado? Pois a Pixar vem vivendo uma era trevosa, com filmes que vêm sendo taxados de genéricos, no piloto automático, e tudo mais, e sinceramente é bonitinho, mas acaba sofrendo dos mesmos problemas dos últimos longas do estúdio.

Ember (Leah Lewis) é filha de imigrantes da Ilha do Fogo na cidade Elemental, onde pessoas de água, ar e terra convivem em perfeita harmonia. Por ser do elemento fogo, os pais de Ember se estabeleceram em uma vila própria, majoritariamente habitada pela galera do fogo, e criaram uma loja que é o principal ponto do local. Quando a garota explode (literalmente) em um momento de estresse, um fiscal aparece, Wade (Mamoudou Athie), que é um rapaz de água. Uma interação rápida que acaba ficando cada vez maior, assim tornando-se amor, e então acompanhamos a jornada de Ember e Wade que envolve suas famílias, seus objetivos, o futuro e o preconceito que eles enfrentam por serem de "raças" diferentes. Segue o padrão clássico do estúdio, que é dar fala a coisas inanimadas ou animais, é o que deu certo na história da Pixar, foi assim com os brinquedos, os insetos, os monstros, os peixes, os carros, os ratos, os robôs, os sentimentos, as almas, e agora os elementos. Pôr essa habilidade nesses negócios é o passe para os artistas trabalharem questões mais sérias nas animações, por exemplo o luto e o valor da vida em "Soul" (2020), o consumismo em "Wall-E" (2008) ou a ditadura e a revolução em "Vida de Inseto" (1998), e aqui não é diferente, pois o pano de fundo dos elementos é usado para discutir a questão de imigração e a vivência e adaptação de estrangeiros em novas locações, a cultura, os costumes, crenças, e nessa parte funciona muito bem.

Quando o longa trata dessa questão de imigração, é extremamente bem trabalhado, pois consegue impactar de alguma forma. As tradições do povo do fogo é uma mistura das culturas orientais no geral, tem um pouco da polinésia, da japonesa e tailandesa mais presentemente, nisso dá para criar uma cultura própria que é pouco explorada, mas nesse pouco é interessante, pois tem toda a questão da chama azul que representa uma força maior, a fé daquele povo que vive numa periferia subjugada, e essas vilas de imigrantes são extremamente comuns lá fora, tem o Harlem Espanhol em Nova York, por exemplo, que já foi referenciado várias vezes no cinema, no televisão e na música (o Santana fez um álbum praticamente inteiro sobre esse bairro), e aqui a criação dessa parte imigrante, um pequeno povoado ali, a interação entre eles, como eles compartilham as mesmas crenças e costumes, é de fácil identificação. Outra parte que é empática é quando Ember vai na casa de Wade, onde ela, por ser diferente, é interrogada e subestimada pela galera da água, as crianças ficam curiosas pela diferença chegam até a pôr o clássico: "nossa, você fala tão bem a nossa língua"; mas essa parte também é boa porque mostra durante todo o filme a habilidade de Ember com a areia, e como sabemos, fogo + areia = vidro, e na casa de Wade vemos os objetos sendo majoritariamente de vidro, nisso tem aquela mensagem sublime de que foram os imigrantes que construíram as grandes cidades, uma mensagem impactante, especialmente para o Brasil.

No entanto, quando vai tratar da própria trama, aí acaba ficando apenas mediano, é competente, mas cai muito em conveniências (e acredite quando eu digo muito). A história em si não tem nada demais e é nisso que surge o problema, pois acaba não gerando um conflito fixo a ser resolvido, são vários jogados em momentos variados da trama em que acontece, é resolvido, ocorre algo depois mostrando que deu errado, tem que arrumar de novo, arruma e é isso. O grande desafio era concertar uma barragem, que é resolvido na maior tranquilidade pela protagonista, mas que acaba sendo destruído convenientemente no momento mais importante da trama quase vinte minutos depois. Falta algo a mais, talvez tenha até um déficit de vilão, falta alguma figura antagônica, não é nem um personagem em si, porém um obstáculo verdadeiro, os dramas apresentados não são críveis, não dá para criar qualquer identificação com os problemas que os dois enfrentam juntos, justamente pela facilidade que aquilo é arrumado e pela velocidade que ocorre e a facilidade que se resolve. Outro problema na minha visão é visual, é uma animação que os cenários são extremamente sem graças, não tem vida alguma, não cativa, parece cenário gerado por inteligência artificial, faltou aquele fascínio que tinha em filmes anteriores, até os mais fraquinhos como "Lightyear" e "'Luca" capricharam nisso e esse não.

Contudo, acaba ao menos tendo um casalzinho bem bacana como protagonistas, não é algo que choca por ser excepcional, mas ter química entre versões antropomórficas do fogo e da água é algo ainda sim surpreendente. Os dois combinam juntos, tem uma interação bacana que carrega o filme, e é bom que eles se lembram dos elementos que eles representam e como eles agem quanto a isso, é bem feito. Os próprios personagens são bacaninhas, a Ember é uma personagem de fácil identificação, pois ela tem aquela clássica motivação de querer ser algo mais do que a foi definido pelas motivações e sonhos do pai e ela querer trilhar o próprio caminho em uma carreira diferente, ela tem um talento escondido, mas que tem os impeditivos da própria família, da reação que ela pensa que eles terão, e também do possível preconceito que ela pensa que irá sofrer, a forma como ela reage a isso explodindo (de forma literal) é algo que eu me identifiquei, a pressão que ela sente por um monte de coisa rolando ao mesmo tempo é uma coisa que eu sinto com frequência, e achei bem interessante. O Wade não tem quase nenhum desenvolvimento, ele é um bobão, basicamente, ele tem aquela mania do choro numa piada que soa repetitiva as vezes, no entanto, preciso destacar o trabalho de voz do Mamoudou Athie (e a quinta série atacou com o nome desse cara, Mamoudou kkkkkk), que consegue ir desses momentos cômicos e frágeis do personagem com a vozinha escrachada, até nos momentos de drama com a voz um pouco mais grossa, é uma baita voz original.

Cara, "Elementos" não chega a ser ruim, mas também denota essa falta de qualidade que a Pixar vem sofrendo, é uma queda brusca desde "Soul", onde o que vem desde lá são animações bonitinhas com mensagens que tentam, que forçam a mensagem, mas que não soam tão naturais quanto aquela verdadeira Pixar que teve seu auge de 1995 até 2010 e resquícios dessa genialidade posteriormente até 2020, mas agora isso se torna um estigma de que a Pixar faz filmes medianos, sem graças, cujo a beleza visual não compensa e agora nem mais fascina, pois já é o quarto seguido pelas minhas contas. Tem uma boa mensagem sobre imigração, sobre culturas diferentes, a importância dos imigrante, um casal protagonista não-convencional que tem carisma, mas que falta desenvolvimento, falta objetividade, falta alguma coisa a mais para que funcione. No final, diverte, principalmente as crianças, mas quando comparado aos outros filmes do estúdio e animações recentes, fica bastante para trás.

Nota - 6,5/10

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