Crítica - O Pacto (The Covenant, 2023)
Mais um filme normal de militar americano, mas pelo menos um bem feito.
Guy Ritchie é um daqueles diretores que são meio "cults", faz uns filmes agradáveis, engraçadinhos, alguns mais sérios e o pessoal adora. Ele ficou mais famoso por ter sido marido da Madonna e ser pai de dois filhos dela, mas no cinema ele fez longas verdadeiramente bons e é autoral, tendo uma marca tanto em obras cômicas quanto em dramas, é um cara que você reconhece o estilo quando bate o olho em alguma de suas obras. Nos últimos anos, esse mano vem trabalhando igual um adoidado, lançando uma obra atrás da outra, tendo sido o responsável pelo bilionário live-action de "Aladdin" (2019), que é indubitavelmente a coisa mais famosa que ele fez, e em sequência lançou "Magnatas do Crime" (2020), "Infiltrado" (2021), "Esquema de Risco: Operação Fortuna" (2023) e este, que foi lançado no Prime Video e com uma parceria do realizador com Jake Gyllenhaal, e que chama a atenção justamente por isso, um diretor relativamente conhecido com um dos melhores atores de sua geração, somado com a temática militar que sempre rende frutos bastante interessantes, como no ano passado tivemos o fenômeno "Top Gun: Maverick" (2022), o multi-Oscarizado "Nada de Novo no Front" (2022), dentre outros. Mas será que isso basta para ser bom? Ou é só mais um desses filminhos que vem e somem?
A trama segue John Kinley (Jake Gyllenhaal), um sargento do exército americano que lidera uma missão contra o Talibã no Afeganistão em 2018, cujo tem seu intérprete morto por um homem-bomba e precisa de um novo, que acaba sendo Ahmed (Dar Salim), um ex-Talibã que saiu da organização após a mesma tirar a vida de seu filho. Ahmed acaba salvando Kinley após um ataque, entretanto John retorna aos EUA e o tradutor fica preso no Oriente Médio sendo caçado pela organização. Nisso, Kinley decide resgatar seu salvador para agradecer por ter salvado sua vida, mas isso desencadeia eventos tensos que desafiarão o sargento a se arriscar mais uma vez. A história desenvolvida por Guy não é extremamente inovadora, mas é diferente do que estamos acostumados nesse tipo de longa, e como seu trabalho dramático mantém um certo padrão de qualidade, acaba sendo competente dentro de sua proposta, mas não apresenta nada de fora do comum. A narrativa, mesmo comum, é bem desenvolvida, é linear e bem trabalhada, é direto ao ponto, não perde tempo em subtramas e qualquer coisa que destraia da timeline principal, você está ali para ver como se desenrola o enredo do militar americano e do tradutor afegão, a relação entre eles sendo construída no contexto de guerra entre os países, e isso é feito com maestria.
Ritchie trabalha uma vibe bem séria e dramática, dando um senso de localidade bem interessante, criando uma imersão na hora inicial de filme que faz com que o espectador sinta o calor do deserto, que vai aumentando diante das situações enfrentadas pela dupla principal. A construção da relação dos co-protagonistas é espetacular, é o grande trufo do longa na minha visão, pois você crê naquilo, começando meio tensa, uma desconfiança do sargento por conta de histórico, até de xenofobia, mas como esse preconceito vai se desmistificando na mente do personagem principal, até quando acontece o atentado e Ahmed se vê numa espécie de obrigação de salvar Kinley, e é aí que a relação se fortifica, com uma amizade verdadeira surgindo pela situação. Depois, as cenas do Gyllenhaal tentando fazer de tudo para salvar o tradutor quando ele volta para a zona de guerra são espetaculares, as melhores do filme (até pela atuação). Guy manda bem nisso, a construção da tensão nas partes de ação, na realidade uma aflição constante pelas situações em que aqueles caras são submetidos, é um clima bem angustiante que realmente prendeu minha atenção na maior parte. Nas cenas de guerra, Ritchie é excelente, ele sabe coordenar bem e deixar coeso com a edição e a história, conseguindo deixar os tiroteios e as batalhas em boas cenas e que tem um sentimento de adrenalina crível.
No entanto, tem um problema que me atingiu, que foi que em alguns momentos é monótono, o que deixa a experiência soar mais longa do que realmente é. Ritchie perde o controle do ritmo em certos pontos, dando uma sensação de chatice, não tem outra palavra, é verdadeiramente chato em muitas partes, eu só não dormi porque o design sonoro naturalmente é alto pelos tiros e motores de veículos, mas foi por um triz. Acaba se tornando monotônico pelo break, quando sai da parte militar e vai para o pessoal, que sim, eu elogiei anteriormente a atuação do Gyllenhaal, mas só isso não basta, fica uma barriga mais gorda do que deveria, em especial quando demonstra a fragilidade do arco do personagem com sua família. Literalmente só colocaram que ele tinha esposa e filhos pelo padrão desse tipo de longa, mas a influência disso para a trama e para as ações dele é quase irrelevante, é mal construído e me deu uma sensação de "por que?", apesar da esposa dele ser uma bela moça, no final ele tem mais química com o Dar Salim e ainda mais com o Alexander Ludwig do que com a mulher (inclusive tem até momentos em que se torna uma tensão sexual homoafetiva, porque é impressionante como americano tenta se pagar de machão e acaba soando gay). Outro problema é a vangloriação dos norteamericanos, que sempre tem de sair como os salvadores de alguma forma, porque sim, o afegão salva o americano, mas depois parece surgir a necessidade da troca de papéis para que os EUA se saiam como superiores, o que no longa executado funciona, mas a ideia é errada e propagandista.
O principal mesmo acabam sendo as performances do Jake Gyllenhaal e do Dar Salim, que surpreendem pela qualidade em um filme desses, que geralmente tem atuações bem comuns. O Gyllenhaal faz de novo um daqueles longas que o pessoal só lembra por conta dele gritando igual doido em alguma cena, vide "Nocaute" (2015) e "Mais Forte que o Mundo" (2017), mas ninguém faz essas cenas de grito igual a ele, por isso que é bom e ele continua fazendo isso, é uma zona de conforto extremamente funcional. No entanto, ele manda bem na calma, na sutileza em meio a tensão rolando, ele tem que passar aquela calmaria durante a tempestade, o medo sendo encoberto pela liderança, é surpreendente como esse cara é talentoso, como ele dá tantas nuances para um só personagem mesmo quando o material não necessita disso para funcionar, é por isso que ele faz uns papéis de tipos parecidos, mas consegue distinguir todos eles e dar um ar único. E o Dar Salim é uma grande surpresa, a atuação dele puxa para o lado mais emocional da trama, ele tem uma casca, uma amargura, uma emoção que é escondida, mas ao mesmo tempo mostrada, é outra dubiedade incrível e o peso que ele passa é de crença fácil, você nota no olhar dele toda a história que ele passou, todas as ambições e todos os desejos que foram destruídos por acontecimentos de sua história e como ele quer deixar o passado para trás, é uma atuação de gala que aumenta o nível do longa.
Alguns destaques finais ficam para a edição, que tirando a parte monótona no meio, é muito boa, na parte de ação é bem dinâmica, consegue ligar bem os momentos e dar o ritmo necessário às cenas, com um timing preciso em muitas partes, e também o design sonoro, que é alto, mas ajuda na imersão naquele mundo militar e consegue te dar uma sensação mais vívida da trama. No fim, não há muito o que falar, pois "O Pacto" é um filme militar assim como vários quinhentos que passaria domingo a noite na Globo e sairia despercebido. No entanto, há uma vantagem pela experiência do diretor, pela montagem e pelas atuações de gala dos dois personagens centrais, com um show de Jake Gyllenhaal e uma baita revelação de Dar Salim. Contudo, sofre com alguns problemas que me incomodam, acaba sendo chato em alguns pontos, o drama familiar do protagonista é majoritariamente desnecessário e a vangloriação americana é um saco (e ainda sou obrigado a ler nos comentários do site pirata os caras pagando pau para essa nação maniqueísta). Acho que se não fosse o Guy Ritchie na cadeira de direção, provavelmente seria mais um longa qualquer, mas como sua experiência foi fundamental para um funcionamento coeso, acabou tornando-se um bom filme, só que será apenas mais um que será esquecido.
Nota - 7,5/10