Crítica - Maestro (2023)

O "Oscar Bait" da temporada?

Um projeto que quase virou lenda urbana, é assim que dá para definir "Maestro", pois está sendo feito há muito mais tempo do que parece. É a história de Leonard Bernstein, compositor de música clássica que regeu grandes orquestras e tornou-se uma lenda moderna no meio, chegando a trabalhar com cinema na composição da trilha de "Sindicato de Ladrões" (1954), que é um dos maiores clássicos dos anos 50 em Hollywood. O projeto passou pelas mãos de simplesmente Steven Spielberg e Martin Scorsese em diferentes momentos, mas ambos largaram a direção e decidiram apenas produzir, fazendo com que Bradley Cooper, já escalado para viver o músico, assumisse como o realizador. Desde 2019 eu ouço sobre esse projeto, sempre num limbo de quando iam lançar, naquela época já tinham imagens do Bradley caracterizado com maquiagem envelhecida, mas demorou e apenas agora o longa está entre nós. Cooper teve uma estreia primorosa na direção, com "Nasce Uma Estrela" (2018) tornando-se um romance memorável com uma trilha sonora que furou a bolha, foi um sucesso em todos os aspectos e rendeu uma indicação para o artista ao Oscar de Melhor Ator (e um esnobe considerável em direção). Mas, desde quando saíram as primeiras imagens promocionais daqui, revelando ser um romance em preto e branco com diferente formatação de tela, somado ao fato de ser uma biografia de uma figura reconhecida, não demorou para perceber de que estaríamos diante de mais um Oscar Bait.

Leonard Bernstein (Bradley Cooper) é um talentoso músico que busca seu lugar na indústria, participando de alguns trabalhos musicais e tentando fazer parte do máximo de projetos que ele poderia, graças ao seu fascínio pela arte e pelo som. Durante uma festa onde era pianista, Lenny (como era chamado) conhece Felicia Burns (Carey Mulligan), uma atriz da Broadway que imediatamente sente uma conexão com o compositor. Então, acompanhamos o desenrolar do casal em suas vidas profissionais, mostrando a ascensão de Bernstein como maestro da Orquestra Filarmônica, enquanto sua esposa, agora sob nome artístico de Felicia Montealegre, é parte do início da televisão nos EUA. Vemos como o relacionamento vai sendo afetado com a chegada dos filhos, traições e a bissexualidade de Bernstein tornando-se uma brecha para adultério, e como a. jornada profissional colide com a pessoal. Cooper não é nenhum asno por trás das câmeras, o cara é pupilo do fucking Clint Eastwood (que é top 2 dos meus diretores favoritos), mas aqui ele se faz, entregando exageros técnicos e narrativos para alcançar o seu tão sonhado Oscar, que está enlouquecendo o coitado do ator por somar sete indicações e não ter nenhuma vitória até o momento. Parece tudo uma utopia surgida na cabeça do Bradley sobre o regista, não uma biopic em si, pois até os obstáculos encontrados pelo homem no caminho soam artificiais.

Não há emoção, não é sobre a música, Cooper é o que faz o que há de bom no longa, mas também é o principal problema. Em questão técnica existe uma evolução dele como diretor, ele emula peças teatrais e antigas obras dos anos 30 e 40 para contar sua história de maneira clássica, a misè-en-scene é impressionante, como ele constrói as locações, criando esse ambiente que remete ao tempo que a história se passa. Todo o trabalho de figurino, maquiagem (inclusive tem uma polêmica aí que quero comentar mais na frente), design de produção, fotografia, som, iluminação, é tudo muito bem trabalhado, mas narrativamente, não são poucos os problemas. Na própria fotografia que eu elogiei, tem uma divisão entre uma parte preta e branca e posteriormente fica colorido. A questão é: por que? Tenta mostrar uma diferença entre certas épocas, mas a parte feliz do relacionamento é a P&B e a triste é a colorida... Isso justamente não passa uma mensagem contrária? Achei meio esquisito, com um propósito confuso dentro do longa, tornando-se mais um argumento para o adjetivo de Oscar Bait.

Na direção, Cooper se esforça, mas seu problema vem por diversos fatores, incluindo sua performance. Primeiro de tudo, o personagem em si tem várias nuances interessantes, tem a paixão dele pela música, o próprio relacionamento com a esposa e os filhos, os grandes trabalhos, os feitos tão grandes em uma tão pouca idade, mas aqui parece que o único interesse é colocar o cara para trair a esposa com homens. Tudo bem trabalhar a sexualidade do rapaz, mostrar que ele é bissexual, que ele sentia atração e tinha várias relações homoafetivas, mas tentam construir todo o arco ao redor disso, deixando escanteado toda a relação do maestro com a música,  que acaba sendo o que foi vendido. Então, o próprio marketing vacila com a obra e não querem que eu reclame? O problema maior nem é esse, é que quando tem ele orquestrando é completamente vazio de sentimento, não tem a paixão que deveria ter, soa tudo artificial porque o próprio longa esquece muitas vezes da relação do Bernstein com a primeira arte.

Outro motivo para o mau funcionamento é que você não se importa com o personagem, o ator faz com que ele seja um pé no saco. O Bradley Cooper está coringando (e sim, é uma referência ao fato dele ser um dos produtores de "Coringa"), ele quer muito esse Oscar, ele já bateu na trave sete vezes, quatro como ator, duas como produtor e uma como roteirista (e ele conseguiu perder três prêmios numa mesma edição, o que acredito ser parte de sua história de redenção). Ele nem precisa, já está na história da premiação pela performance de "Shallow" ao lado da Lady Gaga em 2019 (que é o vídeo mais visto do Oscar no YouTube) e também foi ele que tirou a lendária selfie da Ellen lá na edição de 2014, ele acabou sendo icônico dentro da cerimônia, ele agora só busca o prêmio. Seu problema é o overacting, pois ele passa demais do ponto e se perde, deixando seu personagem ainda mais detestável do que era para ser naturalmente. Isso é conflitante, até porque eu elogiei o overacting dele em "Licorice Pizza" (2021) anos atrás e disse que ele merecia indicação ao Oscar por aquele papel, mas lá combinava por ser uma comédia cujo a proposta do papel era o exagero. Aqui a proposta é algo sério, de premiação, um romance, uma lenda da música, mas tudo que eu senti por ele foi repulsa, pois toda cena ele faz aquelas caras e bocas de alguém que acabou de ser dopado. Ele tenta emular o que fez o Andrew Garfield lá em "tick, tick... BOOM!" (2021), mas não chega aos pés do brilhantismo daquela atuação.

Mas temos também a Carey Mulligan, que carrega o Bradley nas costas. Tenho problemas com o fato de ser a Carey Mulligan, pois ela está interpretando uma chilena e fazendo um sotaque esporadicamente que dá um certo incômodo, mas é inegável que ela dá vida ao longa. Vemos o quanto ela sofreu por seu marido ser um fanfarrão que gostava de brincar com meninos mais novos e curtia substâncias ilícitas, ela manda bem mostrando como ela se sente negligenciada, ela demonstra perfeitamente essa ida do amor ao abismo. Sem querer ofender, mas a melhor parte da obra é quando ela fica doente, pois é o único momento em que o Lenny não é um ser humano desprezível e que mostra esse amor, essa união dos dois e mais a participação dos filhos dentro do relacionamento, a importância deles para a longevidade da relação. Esse relacionamento dos dois sofre novamente por conta do Cooper, na parte P&B tem brechas impressionantes para ser algo maravilhoso, oportunidades de diálogos incríveis, mas atrapalhadas pelos exageros incômodos do Bradley.

Gostaria de separar esse parágrafo só para jogar algumas fezes no ventilador, falar de polêmicas. A primeira é a napa de Luciano Huck que tem na maquiagem do Bernstein, que foi considerada ofensiva pela família do músico por reforçar um estereótipo judeu, o que eu sinceramente não consigo opinar por não ter local de fala, mas fica aí a menção. Outro problema étnico é a Carey Mulligan latina, que sinceramente eu não tankei, pois tem que se esforçar bastante para acreditar nesse casting. Isso que num dos meus filmes favoritos o Andrew Garfield interpreta um brasileiro, mas tem a justificativa do Brasil ser um país de imensa diversidade étnica, honestamente não consegui crer na Mulligan nem em seu sotaque esquisito. Tem desperdício de ótimos atores, como o Matt Bomer, que aparece em três ou quatro cenas e some abruptamente; a Sarah Silverman como a melhor amiga da Felicia, que só aparece para fumar e reforçar a sexualidade do Lenny; e a Maya Hawke como filha mais velha do casal, que sinceramente poderia ser qualquer outra pessoa no papel que não mudaria nota. Sem contar o quanto o Bradley Cooper quer forçar a sexualidade do Bernstein, usando a orientação sexual do maestro para passar pano para as atitudes do mesmo, o cara se utiliza da causa LGBTQIA+ para disfarçar o lixo de ser humano que ele interpreta. Sem falar do queerbaiting, pois ele insinua inúmeras vezes os relacionamentos homoafetivos do personagem, mas nunca tem coragem de se aprofundar de fato. Ou seja, erra em tudo que tentou fazer de certo.

Convenhamos, todos já sabíamos que "Maestro" não passaria de uma cinebiografia Oscar Bait, que seria feito para trazer o Oscar para o Bradley Cooper, mas acho que ninguém imaginava que seria tão forçado e exagerado a esse ponto, o longa em si é um bait total, pois te vende que veríamos conflitos de um dos maiores músicos da história dos Estados Unidos entre o seu casamento e o amor verdadeiro pela música, mas o que recebemos é um "queerbaiting" que ofende até eu que não faço parte da comunidade LGBTQIA+, pois o protagonista está mais interessado em brincar de espadas com novinhos do que em compor suas obras. Lotado de polêmicas, sem emoção quando se trata de música e uma atuação exagerada do Bradley Cooper com caras e bocas que passam do ponto, chegando a ser insuportáveis. Se salva pela Carey Mulligan, por toda parte técnica impressionante e pelos minutos finais do casal, mas de resto é arruinado pelo próprio Bradley, uma pena que essa busca incessante por um Oscar tenha feito com um ator tão bom (por favor Bradley, volte para as comédias e faça "Se Beber, Não Case 4").

Nota - 5,0/10

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