Crítica - Saltburn (2023)

A fanfic de Emerald Fennell sobre a família tradicional britânica.

Para quem não se lembra ou não sabe, eu trouxe há anos atrás na página a estreia da atriz Emerald Fennell na direção com o muito bem sucedido "Bela Vingança" (2020), foi uma das primeiras críticas do blog e na época eu havia curtido bastante, mas depois acabou que, refletindo e reassistindo, eu notei problemas que fizeram com que a experiência original fosse minimizada. Ainda gosto muito da Carey Mulligan na atuação, mas lá já haviam resquícios de que Fennell é roteirista de fanfic, com uma grande parte onde vira uma comédia romântica entre a protagonista e um moleque sem graça. Então chegamos aqui, em "Saltburn", onde a premissa envolve a exploração de uma história LGBTQIA+. Pela cineasta, que acabou vencendo o Oscar de Melhor Roteiro Original pelo seu trabalho anterior, criou-se um interesse genuíno no que ela queria apresentar aqui, ainda mais com um grande elenco, e olha, eu achava que o filme mais comentado do final de 2023 seria "O Mundo Depois de Nós" (2023), mas esse aqui chegou no finzinho de dezembro no Prime Video e aí furou a bolha totalmente, criando tanto um fã clube quanto um hate enorme, entrando para aquelas listas de "ame ou odeie". Bom, acabou que eu estou no grupo do desgosto, é uma obra doentia.

Em 2006, o jovem Oliver Quick (Barry Keoghan) estuda na faculdade de Oxford, adora livros, é extremamente inteligente, mas é igualmente tímido. Um dia ele ajuda o rico e popular Felix Catton (Jacob Elordi), que cria uma afeição pelo protagonista por ter lhe ajudado imensamente àquela hora e acaba o incluindo em seu grupo de amigos. Nisso, após descobrir sobre os problemas pessoais e familiares de Oliver, Felix o convida para passar um tempo em Saltburn, o lar de sua família, uma mansão imensa, com grande jardim, áreas de lazer e até um labirinto. Lá, Oliver tem de lidar com sua reprimida paixão pelo rapaz enquanto se relaciona com sua excêntrica família: a mãe perfeccionista e esnobe Elspeth (Rosamund Pike), o pai excêntrico James (Richard E. Grant), a irmã exibida Venetia (Alison Oliver) e o primo insuportável Farleigh (Archie Madekwe). Nisso, o que parecia apenas férias de verão, fica cada vez mais louca, envolvendo muito sexo, droga e nojeira. Fennell é uma diretora tecnicamente competente, o trabalho técnico é excepcional, mas o storytelling é falho, não apenas pela abordagem, mas por tudo que acontece parecer ter saído direto do Wattpad.

Olha, eu não sou consumidor de fanfic, mas eu acompanho o canal do Seijinho no YouTube, cujo boa parte dos vídeos são analisando obras que foram adaptadas diretamente desse site Wattpad. Parece que tudo é uma grande fantasia erótica da Emerald Fennell, ela tenta criar essa vibe sexy e tenta trazer tesão a todo momento, ela acha que está arrasando, mas vem cá, minha querida Emerald: você não é o Paul Verhoeven, você não é o David Cronenberg, você não é o Almodóvar. Tem que ser muito competente para conseguir criar essa vibe tesuda na trama, fazer com que tudo pareça gostoso, mas no fim ela falha ao entregar absurdos e nojeiras que provavelmente ela fica ouriçada pensando para colocar num filme desse tamanho e alcance. Tem uns troços tão nojentos e absurdos que chega a ser inacreditável estar vendo algo assim, a cena do ralo é a primeira e é tão bizarra que não dá para acreditar, parece ter sido tirado diretamente do Rule34.

É vergonha alheia, paia, literalmente cringe, tem tantos momentos que eu não sei nem como descrever em texto, apenas vendo você entende o valor total de bizarrice. O que não colabora são os diálogos, que conseguem deixar mais paia ainda... Olha, se isso aqui conseguir alcance no Instagram, eu não vou entender como, aqui vão várias situações que se fosse na Twitch eu seria banido: o protagonista bebendo esperma no ralo da banheira; o mesmo fazendo sexo oral em uma moça menstruada, passando o sangue em sua boca e na dela dizendo que é um vampiro; ele novamente fazendo sexo anal com um rapaz perguntando se ele vai se comportar (ali foi minha desistência); e por último, mas não menos importante, o cara metendo a pitomba na terra no cemitério. Tem mais, mas essas são pontos que não dão para aguentar. Esse combo bizarro poderia dar certo, mas a maneira que é tratado remete a uma fanfic. As falas daqui comprovam uma coisa: se você tem o sonho de virar roteirista ou escritor, vá em frente, porque se isso aqui foi aprovado, não vai ser muito difícil para você.

Também não há preocupação com consequência e conclusão, literalmente tem coisas apresentadas que são esquecidas. A relação do Oliver com a própria família é muito mal feita, aparentava ser um relacionamento complicado, que justificaria os comportamentos dele, mas quando apresenta é uma quebra de expectativa que acaba em inconsequência que não se fala mais durante o resto da história. O personagem do Farleigh é expulso da casa duas vezes em menos de meia hora e fica por isso mesmo, ele volta, todo mundo ignora, para depois ser despejado novamente (e o que isso influencia na trama? Sim, você adivinhou, nada). Tem uma personagem, a Pamela (Carey Mulligan), que é uma amiga da família que mora lá, estava lá no início, aparece por algumas cenas, some e do nada é citado que ela morreu e fica por isso, não faz diferença alguma na trama tanto ela quanto o que acontece, parecem só informações jogadas sem motivo.

O conceito do protagonista é interessante, eu curto a ideia, é inspirado meio em Almodóvar e Paul Verhoeven como citei anteriormente, nesse cara que é um lobo em pele de cordeiro, porém termina que é sabotado pelo próprio storytelling. Os diálogos paias, como havia falado, somados a mais elementos de fanfics, acaba tirando a credibilidade de muita coisa. Era para ser um personagens complexo, com várias camadas, de fato tem, mas todas são identificáveis a olho nu, essa complexidade é uma máscara por qual Fennell tenta esconder o amadorismo, até porque é basicamente uma versão masculina de uma personagem de filme fanfic analisado pelo Seijinho, tem até o fascínio por livros (característica mais batida da história). Mas, se tem alguma coisa que salva isso da lista de piores do ano, é o Barry Keoghan, porque ele entrega uma performance sensacional. Ele passa essa timidez do personagem, essa reclusão por conta da falta de amigos, por conta da sexualidade que ele reprime, e como essa figura fechada vai se abrindo dentro da loucura de Saltburn, é o lobo tirando aos poucos a fantasia de cordeiro. Keoghan se solta, você vai assistindo os delírios eróticos dele e ele agindo naquela maluquice de forma tão sóbria que é bizarro. O cara realmente se entregou, isso não tem como negar.

Sobre o resto do elenco, bom, alguns se salvam. O Jacob Elordi é muito bom, ele faz esse cara que é o popular, o mulherengo, que é engraçado, com senso de humor, que é meio ingênuo e que tem essa tração que a diretora busca, o cara sabe seduzir sem ser vulgar, o destaque dado para a voz dele é muito bom para mostrar essa inocência em meio ao bambambam todo que ele é tratado. A Rosamund Pike está bem, mas só bem, ela já fez papéis muito melhores, aqui ela é apenas uma mãe rica caricata, não tem nenhuma grande cena de destaque mesmo, sinceramente não entendi suas indicações na temporada até agora. Do mesmo filme, quem poderia aparecer era a Alison Oliver, que essa sim tem momentos de destaques, ela cria uma dualidade e uma tensão sexual com o protagonista que vai tornando-se predatória até a sua última cena, gostei bastante dela. Archie Madekwe, reclamei desse cara no filme "Gran Turismo - De Jogador a Corredor" (2023) e aqui ele se mostra um pouco melhor, mas cai em arquétipos exagerados e faz um papel inconsequente dentro da própria narrativa, sua presença é fútil. Por fim, Richard E. Grant, eu não sei que droga esse cara usou antes de entrar em cena, mas eu quero um pouco, esse velho tá loucão de alguma coisa em toda cena.

Tecnicamente também funciona, a diretora evoluiu muito nesse quesito de seu filme anterior para cá. É tudo muito chique, é de alto nível, requintes de classe em todas as cenas. O figurino é bom nesse quesito, trás esse alto nível social da família para a tela, os vestidos excêntricos das mulheres e os ternos caros dos homens, sem contar a cena da festa à fantasia que até no meio de música eletrônica tem esse toque. Design de produção da casa é absurdo, construção gigantesca e bem recheado, vários detalhes no cenário que remetem a uma antiga Grã-Bretanha, realmente como uma casa do século XVIII. Faz um complemento bom com a fotografia do Linus Sandgren, que passeia pelos locais com uma fluidez incrível, as cores vão mostrando perfeitamente as fases mais sombrias até as mais comuns, além da formatação 4:3 que remete ao clássico e às televisões de tubo da época em que se passa.

Temos coisas boas em "Saltburn"? Temos, tem um bom elenco, Barry Keoghan é excepcional, Jacob Elordi é muito bom, gosto da Alison Oliver, a fotografia é sensacional, o design de produção é muito bem feito (esses dois últimos aí podendo aparecer na lista do Oscar e não seria nenhum absurdo), tem o soundtrack que eu acabei passando, que é muito bom. Mas, tudo isso acaba sendo prejudicado quando percebemos que estamos diante de uma fanfic doentia, onde, com todo respeito, parece que a Emerald Fennell escreveu o roteiro com uma mão no teclado e a outra na larissinha... (Ok, isso foi meio pesado, peço desculpas). Narrativamente é fraco, personagem que quer ser complexo mas não passa de uma fusão da Bella Swan com o Coringa, um tesão inexistente que soa totalmente forçado e uma emulação muito mal feita do que outros diretores já fizeram muito melhor em suspenses eróticos. No fim, é só mais uma adição para a lista de ame ou odeie, que pelo menos gera um debate interessante.

Nota - 5,0/10

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