Crítica - Segredos de um Escândalo (May December, 2023)

As consequências dos traumas e decisões.

Natalie Portman e Julianne Moore, só aqui já estão dois bons motivos para sair algo de bom de qualquer obra. Essas colaborações entre grandes atores acontecem muito recorrentemente e nisso você perde a noção de quão bom podem ser esses combos em tela, até porque não depende apenas dos interpretes, mas de quem dirige. Aqui quem tem a função é Todd Haynes, num caso incomum de que ele foi escolhido pela protagonista, a Natalie Portman (que também é produtora) leu o roteiro escrito pela dupla novata Samy Burch e Alex Mechanik, e selecionou Haynes a dedo para comandar essa história que ela gostou tanto e decidiu protagonizar. Por sua vez, Haynes escolheu Moore, que havia protagonizado a estreia dele no cinema com "Longe do Paraíso" (2002) - ótimo filme, recomendo. Outros trabalhos do diretor incluem a excêntrica biopic de Bob Dylan, "Não Estou Lá" (2007), e o romance lésbico "Carol" (2015), ambos os trabalhos são explorações mais psicológicas de seus personagens, fazendo com que ele busque o cerne das decisões que eles tomaram, tomam e tomarão, e aqui não é diferente.

Nos anos 90, Gracie Atherton (Julianne Moore) era uma mãe pacata, com marido e três filhos, que trabalhava em um pet shop e vivia tranquilamente. Até que ela contrata Joe Yoo (Charles Melton), um garoto da sétima série, para ser seu assistente após a escola. Contudo, a moça acaba se afeiçoando demais pelo menino, fazendo com que eles tenham uma relação imprópria, que a leva para a cadeia e faz com que surja uma grande repercussão midiática quanto ao caso. Vinte anos depois, Elizabeth Berry (Natalie Portman), renomada atriz e vencedora do Oscar, é contratada para interpretar Gracie em uma cinebiografia, nisso ela viaja para estudar o papel, conhecer a mulher, agora casada com o jovem e com mais três filhos. Elizabeth então começa a estudar a fundo a vida dos dois, buscando buscar na raíz o que levou ambos a entrarem naquele relacionamento, além de como isso afetou pessoas próximas ao casal. É uma ideia interessante analisar um caso desses, é fictício, não é baseado em particularmente em nenhum caso real específico, mas dá para notar bases em vários escândalos similares que aconteceram, incluindo na própria Hollywood, o famigerado caso do Edward Furlong e muito mais.

Temos esse triângulo de personagens que vai sendo mostrado, cada um de uma forma, começando todos de um jeito e ao longo da exibição você ir percebendo os motivos que os deixaram assim. Elizabeth é uma atriz famosa, ela é basicamente a própria Natalie Portman, não há muito o que explicar, e ela tem as particularidades pessoais, como o fato de não saber nem usar um nebulizador ou se sentir meio intrusa na dinâmica daquela família. Ela guia a trama, sendo através dela e de seus estudos que vamos entendendo melhor o caso, os motivos que levaram uma mãe de família a se relacionar com um adolescente. O papel de atriz é algo muito interessante de se explorar em uma obra, justamente pelo fato de você nunca saber totalmente a verdade dela por conta da profissão. Ela, por exemplo, tem nuances diferentes, ela tem algo ali que ela não sabe bem, acabam sendo em questões mais sexuais, ela tem um tesão reprimido pela profissão, uma das melhores cenas acaba sendo onde ela explica para um grupo de teatro a sensação de participar de cenas de sexo e ela descreve de uma maneira real, meio travada em relação a si mesma, mas como ela tem sentimentos inegáveis as gravando.

Isso acaba sendo fundamental quando ela começa a criar laços com Joe e Gracie. Essa personagem da Julianne Moore é interessantíssima, pois desde o início vamos pensando naturalmente os motivos dela ter se envolvido com praticamente uma criança. Aí descobrimos que ela era muito superprotegida na infância e adolescência pelos irmãos, que ela tem tanto irmãos mais velhos quanto mais novos, que ela é mentalmente reclusa, instável, e aos poucos as peças vão se encaixando em conversas que Elizabeth tem com o ex-marido, o advogado e o filho da mulher, até que esse último lhe revela verdadeiramente o trauma de sua mãe, fazendo com que muitas peças se encaixem. Acaba sendo uma discussão interessante, como o trauma muda uma pessoa, como a idade que você o sofreu acaba sendo um ponto de estagnação mental, você percebe que o envolvimento vem por ela ter a sensação de proteção e pertencimento com um garoto do ensino fundamental, que acabou sofrendo o mesmo justamente pelo relacionamento em que se meteu.

Joe acaba sendo o personagem mais interessante do longa, muito pelo o que eu falei anteriormente. Durante toda a trama você percebe que ele se sente meio que deslocado, como se estivesse no relacionamento por uma obrigação, arranjando hobbies diferentes para dar espaço uma escapada dessa realidade. Descobrimos que ele precisou amadurecer cedo demais, tendo que praticamente criar as irmãs mais novas sozinho enquanto os pais trabalhavam, ainda mais com o bônus de uma delas ser asmática em um nível terrível, dando obrigações a ele que ele assumiu por falta de opção. Ele se sente roubado, ele sente que perdeu muito da sua vida, já que teve que entrar na posição de pai de família precocemente, tanto que nem um cigarro de maconha ele consegue tragar (algo que é praticamente banal entre os adolescentes e jovens adultos dos EUA). Você sente ele meio desconfortável naquilo tudo, desesperançoso, como se ele estivesse preso e quando ele se libertasse, Gracie entrasse em colapso, ele está numa posição tão frágil que qualquer coisa pode acabar com tudo.

Esse trio não seria possível sem grandes atuações de ambos os três, é uma parcela enorme dedicada a eles, já que o longa consiste muito em tê-los em tela para funcionários. Portman, como disse, é uma versão dela mesma, mas isso não significa uma diminuição da performance nem nada do tipo, pois ela não faz uma repetição de outros papéis, ela cria essa persona, essa mulher estudiosa, que busca sempre a raíz dos ocorridos, busca vários lados da moeda e tenta se pôr na pele da moça para entender as motivações, ela poderia facilmente estar na briga pelo Oscar de Melhor Atriz se não fosse um ano tão disputado. Moore é aquele tipo de pessoa instável que se esconde por trás de uma máscara de falsa felicidade, ela parece que vai explodir a qualquer momento. Ela passa essa falsa calmaria de forma até incomodativa, e quando ela deixa essas emoções tomarem conta, temos momentos incríveis, como o choro por conta do bolo. Melton, então, é brilhante, pois ele tem a mesma vibe mas de um jeito diferente, ele parece que vai coringar em algum momento, ele sente-se preso naquela vida, ele internamente pensa como se tivesse sido roubado da própria vida, até mesmo antes do relacionamento, é como se ele tivesse sido posto em posições que ele não deveria assumir em certas idades. O olhar dele, essa desesperança, é sensacional, você vê nele a própria incerteza e a sensação de aprisionamento.

Tem alguns problemas, mas acho que aqui não vem muito ao caso pela desenvoltura positiva que tive ao longo do texto. Só para não deixar batido, acho que vem mais pela contemplação desnecessária em alguns momentos, ritmo nem sempre funciona e por dar uma escanteada na Julianne Moore em alguns pontos em que, na minha visão, ela poderia ser mais participativa, mas não é um problema tão grave. No fim, "Segredos de um Escândalo" acabar sendo um daqueles dramas bons de acompanhar, é quase um thriller, mas os tons pessoais são essenciais para o funcionamento dentro da trama. A forma que Todd Haynes busca ir no cerne de cada um dos personagens, explorar suas qualidades, defeitos, passados e traumas é revigorante, ele traz isso à tona tão perfeitamente que fica difícil de não gostar. É algo que tem uma questão humana envolvida em ambos os lados, se destaca pela abordagem e desenvolvimento. Sem contar o principal que é o trio Natalie Portman, Julianne Moore e Charles Melton, ambos em papéis excepcionais que poderiam garantir indicações ao Oscar (Moore e Melton creio já estarem dentro, é mais complicado para Portman). Muito bom, me surpreendeu.

Nota - 8,0/10

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