Crítica - Wonka (2023)

Uma visita ao passado do colonizador dos Oompa Loompas.

Acredito que todo mundo aqui lançou um "por que?" ao ler o anúncio da Warner Bros. sobre uma prequel de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" contando a história do jovem Willy Wonka, ninguém sabe se o Roald Dahl gostaria de ver sua obra chegando a esse ponto, mas cá estamos. A ideia já não parecia convincente, aí vem a revelação de ser um musical, que ok, faz sentido, mas sabemos como o gênero é mal visto atualmente (2024 que o diga com as reações no cinema do novo "Meninas Malvadas"). Logo após, vem a escalação do Timothée Chalamet, que eu já não aguento mais ver ele atuando toda hora em todo filme (apesar de que ele vem escolhendo melhor - e atuando melhor - recentemente). Só que tem um bom diretor, Paul King, responsável pela aclamada franquia "Paddington" e após o lançamento foi acumulando críticas positivas, indicações em algumas premiações e arrecadou mais de U$670 milhões nas bilheterias, ficando até mais tempo que o planejado em exibição nos cinemas - esse combo despertou meu interesse. No fim, acaba sendo um longa extremamente divertido, é engraçado, é bonitinho e uma referência legal ao material original.

O jovem sonhador Willy Wonka (Timothée Chalamet) vive com o objetivo de se tornar um chocolateiro de sucesso, sonho esse que na infância foi fomentado pela sua mãe (Sally Hawkins). Nisso, ele parte para a cidade grande em busca de concluir sua missão pessoal. Entretanto, quando cai nas mãos da manipuladora hospedeira Srta. Scrubbit (Olivia Colman), Wonka é preso e precisa, de maneira clandestina, vender chocolates para pagar dividas, contando com a ajuda da garotinha Noodles (Calah Lane), a qual vira sua amiga. No entanto, outro empecilho que ele precisará enfrentar é a perseguição do Cartel do Chocolate, o qual quer que ele saia da cidade a todo custo. O Paul King é a escolha certa para dirigir algo assim, já que ele é um filhotinho de Tim Burton, ele é uma versão do diretor atualizada para a nova geração. Ele não tem a mesma malícia que Burton em seu auge, não tem a mesma insanidade que ele tinha, é como se fosse uma versão clean. Mas sua estética não copia totalmente nada feito anteriormente mesmo em relação à franquia, King busca pelo seu estilo próprio já apresentado em "Paddington", esse quê de humor britânico, mesclado com algo até mais teatral e, principalmente, fabuloso, tem uma parte de fábula ali.

Dá para cravar que o humor desse filme não é consenso (igual o de qualquer outra comédia, é impossível todo mundo ter o mesmo senso de humor), mas me agradou bastante. É aquela comédia seca, que é engraçada pela objetividade das piadas, onde muitas vezes são através de diálogos e outras são através do físico. É bom lembrar que a obra é direcionada majoritariamente ao público infantil, ao mesmo tempo que busca a nostalgia de duas (até três) gerações diferentes as quais viram as versões anteriores, então achar esse estilo abrangente e versátil foi bem complicado, mas é bastante agradável no geral, consegue capturar tanto as velhas quanto as novas gerações. Tem muito um quê de desenho animado na comicidade, dos clássicos mesmo, Looney Tunes e tudo mais, mesclado com algo mais artístico, certos momentos lembram até Wes Anderson se ele fosse bom, por ser um longa tecnicamente muito correto que utiliza desses seus artifícios de set, figurino, maquiagem e efeitos na construção humorística.

King cria essa sensação aventureira de maneira excelente, com uma originalidade surpreendente. Ele pega o senso de fábula, de fantasia, e mescla com a aventura e o musical de maneira bem equilibrada. Eu gosto especialmente da inserção dos números musicais na trama, já que soa bastante natural, não são tantas músicas como geralmente há no gênero, até porque a colocação é exímia e sútil, há uma naturalidade no que é apresentado. Eu não sou o maior fã de musicais do mundo, mas gosto bastante desse tipo de obra no geral, especialmente quando existe um detalhe que faz toda diferença, que é a música contar a história. Aqui é um desses casos, já que a trama não pausa para que eles comecem a cantar, o fato deles cantarem faz parte do storytelling. E devo dizer que são números excelentes, o do zoológico (onde o Chalamet executa o passo da areia antes de "Duna: Parte 2") é excelente, é chiclete, também a recorrente gag da rima viciante do Oompa Loompa (Hugh Grant) é sensacional, mas o grande momento do longa é "A World of Your Own", um número incrível, onde vemos a essência completa do personagem Willy Wonka em toda sua glória, essa áurea sonhadora, de realização, ao mesmo tempo que você nota todo o amor dele pelo chocolate, com uma coreografia incrível e uma utilização perfeita dos cenários, é um absurdo de bom, inacreditável essa música não ter entrado em praticamente nada na temporada de prêmios.

O elenco também é um grande trunfo que King tem nas mãos, tendo uma galera muito boa e competente atuando. Claro, o destaque é o Timothée Chalamet, que lidera esse grupo de atores com maestria e torna-se o filme. Ele manda tão bem que no momento que estou escrevendo saiu a notícia de que ele assinou contrato com a Warner para escolher projetos para atuar e produzir, visto o sucesso alcançado com este longa e "Duna: Parte 2" (2024), que fez ele quebrar o recorde de estrelar dois filmes líderes nas bilheterias em menos de oito meses, o que não acontecia há quarenta e seis anos (o último foi o John Travolta, para ter noção). Cara, ele tem uma aura impactante, é uma esperança acima de tudo, mesmo quando ele é abatido emocionalmente você sente no olhar dele a fé de realizar um sonho. Ele não tenta emular o Gene Wilder, muito menos o Johnny Depp, ele busca uma visão própria sobre o personagem, entregar uma versão ainda nem tão maturada para justamente haver a passagem de tempo até a famosa história, a qual você vai entender mais sobre ele. Eu assisti recentemente a versão do Burton, onde dá para dizer que o Wonka do Depp é bem cínico, é quase um sociopata, um Jigsaw para o público mirim, honestamente aqui não tem cinismo, é uma história que claramente passa-se muito tempo antes, o Chalamet entrega o personagem à sua interpretação é é extremamente funcional para a proposta.

Os coadjuvantes que o diretor escolhe focar funcionam. Honestamente, o ponto fraco de todo o filme é o grupo de vilões, o tal Cartel do Chocolate, que é uma metáfora óbvia, o nome nem esconde, e são três malucos que não apresentam quaisquer ameaça, não há nenhuma motivação clara enquanto ao porquê eles não podem deixar que o moleque venda os chocolates, tentam fazer um subtexto de máfia e briga de gangue, como se fosse a coisa adulta para os pais darem risada, mas não soa muito legal, na realidade é destoante, . É o que impede da nota ser maior. Mas tem três que eu gostei muito apesar disso. A garotinha, a Noodles, funciona excepcionalmente bem como a sidekick do Wonka, ela traz esse quê corajoso, a criança destemida que quer fugir da sua realidade em busca de sonhos maiores, é um papel bem clichê, mas que a Calah Lane entrega com muito carisma. Olivia Colman é uma antagonista bem legal, pouco aproveitada, mas ela é espetacular daquele jeito caricato e doidão, funciona bem como uma plot secundária. Outro destaque é o Hugh Grant como Oompa Loompa, o casting mais aleatório que eu já vi, mas que é extremamente engraçado, é um timing cômico excelente e a motivação dele é incrível, funciona excepcionalmente bem.

Na parte técnica, é inegável que o Paul King tem um capricho que já vem de anteriormente. Eu considero a versão do Tim Burton um dos filmes tecnicamente mais bonitos do século, questão de design de produção, maquiagem, fotografia, penteado, figurino, cenografia e tudo mais, mas essa aqui é incrível também. Tem um problema só, que é muito óbvio quando é locação e quando é chroma key, faltou ser mais refinado. Mas a construção de Londres na época em que se passa é sensacional, ali em meados de 1880-90, os artifícios de cenário que ajudam a contar a história, as brechas, as construções, é impecável. Acho que as roupas e o cabelo acabam sendo os grandes destaques, já que são muito específicos de uma época em mescla com uma fantasia que busca esse estilo bem polido e finalizado das histórias do Roald Dahl. O visual é muito bonito, a primeira fábrica de chocolate é bem impressionante e consegue ser bem encaixada em um local relativamente pequeno.

Encerro meu desenrolo sobre "Wonka" dizendo que é um filme extremamente fofo, não ironicamente, ideal para se assistir na páscoa enquanto se empanturra de chocolate das mais diversas formas. Divertido, bonitinho, bem polido, o longa sofre com alguns problemas, como o trio antagonista, o mal aproveitamento de atores como Keegan Michael-Key, ou a rápida conclusão de alguns arcos, mas o saldo é majoritariamente positivo. Timothée Chalamet, não curto o fato dele estar em todo filme atualmente, mas esses dois últimos trabalhos dele foram absurdos de bom, aqui como Willy Wonka ele entrega uma versão própria do personagem, que cai mais para o Gene Wilder do que para o Depp, porém, no fim, soa como uma nova interpretação em um novo universo que futuramente é provável que ganhe uma nova adaptação de A Fantástica Fábrica de Chocolate, a qual eu já estou ansiosamente aguardando. É incrível de verdade, surpreendente.

Nota - 8,0/10

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