Crítica - TÁR (2022)

Um drama vazio carregado por uma atuação histórica.

A cultura do cancelamento é algo que existe há muito tempo, muito mesmo, porém só ganhou força recentemente com o Twitter. Com isso, tem dois lados: o lado bom é que muita gente de m*rda perde espaço, o lado ruim é que quem cancela fica doente por isso se achando perfeitos e donos da razão. Mas essa não é a questão, já que aqui acompanhamos "a cancelada", porém, até isso acontecer, demora até demais. Enquanto não ocorre esse assunto (o que é vendido pelo marketing), temos uma hora e quarenta de exibição de diálogos longos desinteressantes, com um desenvolvimento estendido de forma desnecessária, porém carregado por uma atuação gigantesca e até histórica, que fica marcada na já premiada e solidificada carreira de Cate Blanchett e devo dizer, disparadamente a melhor coisa do longa e a melhor performance do ano de 2022 seja masculina, feminina, principal, coadjuvante e etc. Não chega a ser ruim por isso, mas eu não vou mentir, eu tirei um soninho gostoso enquanto assistia... Duas vezes.

Aqui acompanhamos a história de Lydia Tár (Cate Blanchett) e diferentemente do que algumas páginas famosas pensam, não é baseado em uma história real, mas seguimos a história dessa moça, uma musicista extremamente renomada, vencedora de vários prêmios, compositora mega respeitada no meio da música clássica, mas que é uma péssima pessoa e acaba se ferrando por isso. Na direção temos Todd Field, que é o roteirista e é um ator também, de filmes grandes inclusive, estava em "De Olhos Bem Fechados" (1999) de Stanley Kubrick interpretando o amigo de faculdade do Tom Cruise. Ele que entrega um longa excelente em sua estreia como diretor com "Entre Quatro Paredes" (2001) e depois fez "Pecados Íntimos" (2006) com a Kate Winslet e esse eu confesso que não assisti. Essa é a primeira coisa que ele dirige em dezesseis anos, é muito tempo de férias (o cara foi de Terrence Malick) e pelo visto com esse espaço temporal tão grande para estudar a arte e a felicidade que é realizá-la, ele não conseguiu criar uma obra que não tivesse o que, na minha opinião, são os três pilares para um filme ser bom: emoção, sensibilidade e paixão. Acho injusto dizer que não é sensível, até porque a maneira como ele retrata a história é bastante, mas eu particularmente não senti durante mais de cem minutos nenhuma emoção envolvida, era uma monotonia que só que fez eu me perguntar se uma hora ia engrenar.

E engrena, porque chega o grande plot do cancelamento e toda essa questão entra em vigor na história, porém quando isso acontece eu já tava tão desligado da trama que nem teve tanto impacto. Mas depois dessa parte acho injusto dizer que é ruim, porque dá um bom up no filme, mas no conjunto geral fica numa prateleira escrita "só bom" para mim. Quando essa questão da personagem ser uma escrota vem à tona, eu tive uma lembrança grande do cinema do cineasta iraniano Asghar Farhadi, pois ele adora nos apresentar aos seus protagonistas e ao longo dos acontecimentos na história vamos vendo eles se ferrando aos poucos até enlouquecerem. É exatamente o que acontece aqui com a personagem e essa construção irei explicar mais detalhadamente no próximo parágrafo, mas vendo a maneira que é feita tão sutilmente, dá até para entender a lentidão no desenvolvimento, porque a queda é tão bem feita, mas quando você analisa o tanto de tempo que poderia ser economizado ali, chega a ser piada. Não tem conteúdo suficiente para duas horas e quarenta, meia-hora poderia ter sido arrancada facilmente que não faria falta, é pouco assunto para muito tempo (mas falarei mais lá na frente).

A construção de Lydia Tár é lenta, mas eficaz, pois com trinta minutos já estamos familiarizados com ela, o que ela faz, o quão gigantesca ela é em seu ramo e até aí tudo bem, mas esse desenvolvimento dela é lento e específico demais, acaba atrapalhando muito na minha visão ao ter cenas inúteis que não ajudam em nada na construção dela. Tem algumas cenas dela em restaurantes com outras pessoas que não agregam quase nada e são cenas que você se pergunta o porquê de estar lá. Até que vem o momento da queda, em que Lydia, que estava sendo relativamente legal, apesar de esnobe, se demonstra uma completa arrombada e tem toda sua vida destruída por não conseguir ficar quieta e falar muita besteira (como diria Benoit Blanc: "algumas pessoas confundem falar o que pensa com falar a verdade) e aí vemos uma das quedas mais pesadas e realmente decadentes no cinema recente, onde ela perde tudo: emprego, dinheiro, casamento, perde até o direito de ver a própria filha. É uma decadência tão grande que traz um sentimento agridoce, porque há o lado que pensa: "ela não era tão ruim assim" e o outro que pensa: "ala que mulher burra kkkkkkk tomou naquele lugar merecidamente". Um pequeno spoiler, mas o final dela indo para outro continente continuar sua arte e ficar menos visível na mídia é muito real e tem vários exemplos disso no próprio cinema (um certo polonês que o diga...).

Essa queda não seria tão bem feita sem a Cate Blanchett... Bom, o filme inteiro não seria tão bem feito se não fosse ela. Eu vou dizer para muita gente assistir porque a atuação dela é realmente imperdível, é a melhor performance da carreira dela facilmente, é a melhor atuação do ano, é uma das melhores atuações do século e nem dá para me chamar de emocionado aqui porque se eu esbocei emoção assistindo isso duas vezes foi muito. Ela constrói essa persona da pessoa que é incrível e sabe disso de uma forma muito convincente. Ela traz uma certa frieza, raramente demonstra algum sentimento enquanto as coisas estão indo bem, porque ela é meio workaholic e essa questão é bem explorada. Ela nessa atuação mais cotidiana já tava sensacional, aí quando vem o turning point ela consegue melhorar, trazendo as emoções faltantes na mão do diretor, ela traz o abalo, a tristeza, a decepção e a raiva, essa última especificamente em uma cena absurda e marcante que consolida esse trabalho da Cate de uma vez por todas.

Entretanto, contudo, todavia, ela é a única que se salva no elenco, porque o resto é de uma subaproveitação inacreditável. Você traz vários atores talentosos para terem performances aquém do que poderiam, muito por culpa do texto e da direção que prejudicam demais os papéis. Tem a Nina Hoss, conhecida do cinema alemão, vencedora de prêmios importantes e aqui ela faz a esposa da Tár e é uma atuação extremamente comum, parada e fraca, verdadeiramente. Tem a Noémie Merlant, que ficou famosinha na cinefilia após "Retrato de Uma Jovem em Chamas" (2019) e aqui ela é relegada ao papel de ser uma pau mandada da protagonista e nada além disso, é outra atuação comum que poderia ter sido melhor se tivesse uma exploração digna do potencial dela. Tem o Mark Strong também, ator super conhecido, fez vários filmes famosos, diminuído a uma cena qualquer coisa, com diálogos vazios, onde seu principal destaque é estar calveludo. Muitas dessas relações acabam atrapalhando o andamento da trama, tem várias participações de personagens inúteis, que não agregam em nada no desenvolvimento, mas tão lá por pelo menos uns cinco minutos para encher linguiça, isso adiciona muito tempo mal utilizado na trama que só o deixa mais chato.

Apesar de uma melhora no final, "TÁR" é chato uma boa parte do tempo e isso acabou sendo prejudicial para mim não gostar tanto assim. A engrenagem que faz girar é gigantesca, mas mesmo assim não conseguiu ser suficiente. É salvo por uma das grandes atuações do século pela Cate Blanchett, uma atuação marcante e vale a pena de verdade separar duas horas e quarenta do seu dia só para ver ela dando esse show incrível que traz o que o diretor não conseguiu colocar em peso: emoção e paixão. No mais, é um filme ok, é bem feito inegavelmente e tem uma mensagem interessante a ser analisada e discutida, mas se não dosse pela Cate Blanchett seria horrível e 100% esquecível.

Nota - 6,0/10

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