Crítica - Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and the Dial of Destiny, 2023)
A despedida de Harrison Ford do papel em uma aventura divertida, porém divisiva.
Após o fracasso de público e crítica de "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" (2008), foi decidido que um personagem tão icônico não poderia ter um final tão azedo e rejeitado pelos fãs. Nisso, surgiram várias especulações, uma de rebootar o Indiana Jones e colocar outro ator no papel, indo na linha de "Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros" (1993) sendo revivido em "Jurassic World - O Mundo dos Dinossauros" (2015), inclusive até especulando Chris Pratt para ser o novo arqueólogo, mas o Harrison Ford botou medo nele e disse que nunca vai existir outro Indy além dele. Então, mesmo ao alto dos seus 80 anos, Ford retorna ao papel que ele mais gosta (talvez o único que ele goste), mas, dessa vez, Steven Spielberg caiu fora do barco, deixando a responsabilidade para James Mangold, diretor de "Logan" (2017) e "Ford V Ferrari" (2019), que soube como fazer a despedida de um ator em seu personagem mais icônico. Entretanto, o resultado disso é, com certeza, bastante divisivo, já que até agora as opiniões são bem mistas, eu estou no time de quem gostou, mas reconheço alguns problemas, como o ritmo, falta de criatividade e a interferência do estúdio em algumas partes.
Anos depois dos eventos de O Reino da Caveira de Cristal, Indiana Jones (Harrison Ford) está se aposentando do seu emprego de professor, com isso, ele começa a perceber que está velho e obsoleto no mundo que vive, já que não suporta mais os jovens, as músicas, os eventos históricos que vão acontecendo não o apetecem mais, ele se sente deslocado. Nisso, sua afilhada, Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge), ressurge em sua vida anos depois da morte de seu amigo e pai dela, Basil (Toby Jones), cujo ficou obcecado pela Anticítera, um artefato feito por Arquimedes, que quando suas partes são unidas, é capaz de localizar fissuras no tempo que são portais para o passado, que também é procurado pelo Dr. Jürgen Voller (Mads Mikkelsen), um dos cientistas nazistas que já se encontrou com Indy na época da Segunda Guerra. Então, vemos Indiana em busca de impedir os nazistas novamente e reencontrar seu lugar no mundo. Sinceramente, James Mangold foi bem corajoso de aceitar dirigir, já que se ele inventa e decide mudar ele seria criticado, e o mesmo aconteceria se ele decidisse jogar no seguro e apenas emular o Spielberg, mas o que acontece é que ele faz os dois, entregando um resultado que joga no seguro e no final decide inovar e buscar algo mais fantasioso, mas que no entanto dá para notar que não há a identidade de Mangold ali.
Mangold decide ir no clássico, também responsável pelo roteiro, aposta em uma história sem originalidade, mas eficiente e que contém a essência da aventura da série. Começando com um prólogo excelente, que tem vinte minutos, é maior do que um prólogo normal costuma ser em blockbuster, é a cena que tem as raízes da franquia, com o Indy resgatando artefatos em meio à Europa na Segunda Guerra Mundial, descendo a porrada em nazistas, fazendo piadinha, um pouco de espionagem, infiltração e tal, é muito bem trabalhado e muito nostálgico, eu fiquei sorrindo igual bobo pensando: "caramba, eu finalmente estou vendo um Indiana Jones no cinema", ainda mais com a trilha sonora do John Williams estralando de fundo. No entanto, teve um probleminha que me tirou um pouco, mas bem pouco mesmo nesse começo, que é o CGI, vocês sabem que eu não gosto de reclamar disso, só que aqui, com um orçamento de quase 300 milhões de dólares, não conseguiram fazer um rejuvenescimento decente no Harrison Ford, ficou num nível "vale da estranheza" que honestamente eu não consegui ignorar e deu uma avacalhada, mas a vibe e o sentimento compensaram um pouquinho.
Onde Mangold melhor se sai é na ação, criando cenas de perseguição e investigação formidáveis, que traz a essência aventurosa criada pelo Spielberg com precisão. Além do prólogo, uma cena num trem que há uma emoção e uma tensão construída de uma maneira tão clássica e respeitosa com a franquia. Há a cena do desfile, que é impressionante, com o Indy correndo pela cidade com um cavalo e passando pelos trilhos do metrô enquanto é perseguido, é uma loucura e esse início do filme é excelente, extremamente bem conduzido e trazendo ao mesmo tempo os sentimentos de loucura, de nostalgia e de adrenalina, que surpreende não só pelo Harrison Ford participando ativamente com sua idade, como também pela técnica, jogo de câmeras e tudo mais. Tem uma cena de perseguição no Marrocos que é igualmente bem dirigida e filmada, com a montagem se saindo bem escondendo os dublês de Ford dentre os cortes e que se destaca bem por isso. Tem vários outros momentos muito bons nesse quesito, dá para reclamar de tudo no longa, mas da ação já seria exagero.
Na questão do drama, Mangold até tenta, mas dá para sentir uma certa interferência do estúdio, que notavelmente limitou em alguns pontos. No arco do próprio protagonista há, não uma espécie de restrição, mas no segundo ato parece que é esquecido, colocando o Indiana apenas como uma ferramenta para as cenas de aventura e o foco é dividido (até demais) com a Phoebe Waller-Bridge, mas no geral, o Indy se sai bem no longa. Aqui vemos o Dr. Jones realmente velho, se sentindo deslocado, obsoleto dentro da sociedade, vendo a juventude se contentando com músicas altas e pequenas conquistas dentro da Guerra Fria, uma geração que não liga para nada mais além da mesmice, enquanto ele viveu muito mais do que as pessoas imaginam e o desprezam, o que se reflete nos outros personagens, que acaba sendo uma retratação de como essa nova geração vê Indiana Jones, enxergam-no como coisa de velho, ultrapassado, não sabem o que aquele cara representa para as pessoas em sua época, o que é algo inteligente, mas que vendo pela reação das pessoas na internet, foi mal interpretado pelo público, mas a verdade é que é assim que o público atual olha o personagem, boa parte infelizmente nem conhece.
Outro motivo de hate é a co-protagonista de Indy da vez, sua afilhada Helena, que eu devo dizer: sim, é uma personagem chata, insuportável em alguns pontos e que as vezes é mil vezes mais esperta que o protagonista ou o antagonista por conveniência. Entretanto, tem um pessoal odiando ela só pelo fato de ser uma mulher zoando o Indiana (alguns só por ser mulher mesmo), mas isso acontece desde o primeiro filme, ele é zoado por mulheres em todos os outros filmes da franquia, é só prestar atenção, o fato da mulher principal fazer piadinhas com ele não é inédito, mas veio um hate por conta de saudosismo e até misoginia. Tem outro elemento no núcleo principal, o Teddy (Ethann Isidore), que é um Short Round genérico, outro que é extremamente inteligente e habilidoso do nada apenas para ser conivente para a trama, é dispensável. E tem o Jürgen Voller, que é um baita de um vilão, que tem um motivo prévio estabelecido para odiar o Indiana Jones, que tem um objetivo claro ali e que se impõe quando precisa. O Mads Mikkelsen eleva o nível do longa, entrega a imponência necessária, ele tem aquela presença maligna que o ator já é acostumado e aqui não é diferente, é o melhor vilão da franquia (único quesito em que esse filme deve ser o melhor da franquia).
O plano de Voller leva a um final que vai mexer novamente com ficção científica, com o conceito de viagem no tempo, mas de uma maneira não-convencional com o que já vimos na histórias de grandes blockbusters, tentando pôr um conceito que realmente puxe para o lado arqueológico e histórico. Não vou dar spoilers, mas quando isso acontece eu pensei "ah, não, não é possível", só que ao longo do que vai acontecendo e como aquilo se encaixa no desenvolvimento do Indy, eu comprei a ideia e curti aquilo ali, entretanto dá para notar a Disney se intrometendo, já que acaba antes do que parecia acabar de uma maneira muito prática e tosca. Outros destaques que posso fazer é na parte técnica, o design de produção incrível, a construção dos cenários é impressionante e como eles são utilizados é mais ainda, uma ótima contextualização de época que também se reflete nos figurinos. E também o trabalho excepcional de John Williams, que utiliza o tema principal ao seu favor para criar o sentimento épico, nostálgico e lúdico que a franquia necessita, vários temas, dos mais calmos em cenas comuns, aos mais altos em cenas de ação e aventura, que são perfeitamente colocados, uma baita trilha do maestro.
Superior ao antecessor e inferior a trilogia original, "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" é uma aventura divertidinha que alguns gostam, outros não e tudo bem. Eu fui no cinema, me diverti na maior parte, há a essência da franquia ali, tem um bom desenvolvimento de personagem do Indiana Jones, belas cenas de ação, ótimas cenas de aventura. Apesar de Spielberg fazer falta, Mangold assume bem o tranco e entrega o que pôde fazer, tentanto trazer a essência da franquia e a nostalgia de uma forma que me convenceu, particularmente. Infelizmente é um longa que está fadado ao fracasso nas bilheterias, U$300 milhões investidos e mais o marketing que chegou em menos da metade disso em seu final de semana de estreia, é vergonhoso e dá mais um final agridoce ao nosso querido arqueólogo. Pelo menos em bilheterias, já que o finalzinho deixou um sorriso no meu rosto e é isso que importa. O que resta dizer é apenas: Obrigado, Harrison Ford, pelo grande personagem que você proporcionou e pelas vidas que você mudou com ele e com os filmes de Indiana Jones, você é incrível!
Nota - 7,0/10