Crítica - Missão: Impossível - Efeito Fallout (Mission: Impossible - Fallout, 2018)
Uma experiência eletrizante e inesquecível.
Depois de vinte e dois anos, cinco outros filmes, quase todos excelentes (o que é ruim vocês já sabem qual é), uma franquia que vai se reinventando a cada obra, tornando as aventuras de Ethan Hunt e as peripécias do Tom Cruise cada vez maiores e mais perigosas, e então, depois de tudo isso, vem a pergunta: dá para melhorar? E a resposta é que não só dá, como ultrapassa todas as qualidades de todos os anteriores, que acaba encerrando um drama importante do desenvolvimento do Ethan Hunt, enquanto ao mesmo tempo abre caminho para novas histórias e estabelecendo de vez a equipe fixa do protagonista. Aqui há uma grande quebra de paradigmas dentro da série, já que é a primeira vez em que os filmes repetem um dos diretores, já que Cruise gostou tanto do trabalho de Christopher McQuarrie em "Missão: Impossível - Nação Secreta" (2015) que o convenceu a voltar à cadeira de direção, nisso se confirmou um casamento perfeito, pois parece que McQuarrie nasceu para ser parte de M:I, começando apenas como consultor do roteiro em "Missão: Impossível - Protocolo Fantasma" (2011) e no seguinte passando à direção, onde se mantém até hoje e, apesar dele ser um vencedor do Oscar pelo roteiro de "Os Suspeitos" (1995), esta franquia é o grande trabalho de sua vida.
Ethan Hunt (Tom Cruise) ainda se vê assombrado pelos seus erros na sua relação com sua ex-esposa, Julia (Michelle Monaghan), mas continua sua vida como agente do IMF. Em uma missão, Hunt se vê obrigado a escolher entre salvar Luther (Ving Rhames) e Benji (Simon Pegg) ou núcleos de plutônio, escolhendo seus amigos, nisso os artefatos caem nas mãos dos Apóstolos, uma extensão bioterrorista do Sindicato do filme anterior. Com isso, Ethan é enviado pelo IMF, juntamente a CIA, para que consiga interceptar os ataques terroristas, se relacionando com uma traficante de armas, a White Widow (Vanessa Kirby), entretanto precisa lidar com um assassino temperamental do governo norte-americano, August Walker (Henry Cavill) e com a volta de Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), que mantém uma motivação secreta. McQuarrie traz de volta os acontecimentos do anterior, agora com o desfalque de Jeremy Renner como William Brandt, que não retornou por agenda e por não ter gostado do futuro de seu personagem, Christopher faz com que os eventos escalonem e cada vez mais o "impossível" do título faça sentido, com a impossibilidade tornando-se crível pela abordagem dada, pois é fascinante, é hipnotizante, é algo que eletriza o espectador do início ao fim, a imersão é gigantesca e o trabalho de McQuarrie consegue equilibrar bem entre a ação/espionagem e o drama de seu personagem principal.
Acho que a palavra-chave para o que McQuarrie faz aqui é: maturidade, ele entende perfeitamente o ponto que a franquia está, e é corajoso em dar um fim ao grande trauma de Hunt ao longo de todos esses filmes desde o terceiro: o arco da Julia, pois ele entendeu que isso já deu o que tinha que dar e decide dar paz ao personagem em relação a isso. O principal conflito que o protagonista enfrenta aqui é decidir o que é mais importante entre a missão e a equipe, que é a mesma há tantos filmes que acabou praticamente se tornando a família do Ethan, e então ele começa a pensar neles como tal, já que faz tanto tempo que ele perdeu a oportunidade de ter uma. Nisso, há essa tal maturidade, pois ele trabalha isso com calma, de forma natural e que nos faz crer o porquê Hunt perderia esse receio envolvendo sua ex-esposa e utiliza-se primorosamente do arco criado ao longo dos outros para justificar o porquê do sentimento de família que ele vem criando com o Benji e o Luther, fazendo com que eles também fiquem cada vez mais próximos dos próprios espectadores. Além disso, a parte dramática ganha muito através dos diálogos, que são de outro nível aqui, especialmente um do Luther com a Ilsa antes do terceiro ato onde ele explica a rigidez do Ethan e o conservadorismo dele nessa questão de se apegar às pessoas.
Mas onde vêm os maiores acertos do diretor é na ação, que é o que realmente importa, já que aqui é outro nível em tudo. Primeiro gostaria de destacar o trabalho de dublês, já que as cenas de luta são inacreditáveis de tão bem feitas, a coreografia é perfeita, utilizando de um estilo parecido com "Busca Implacável" (2008) e até "John Wick - De Volta ao Jogo" (2014), criando lutas memoráveis, como a do banheiro, a do salão e a final no chalé, e se destacam principalmente os confrontos da Ilsa, já que o estilo dela inspirado pela Viúva Negra do MCU dá um ar de artes marciais maior para a franquia. Mas a maneira que ele constrói a tensão, a espionagem continua sendo o principal, o que é outro destaque, já que o diretor não deixa que a franquia perca a essência ao tentar focar em outras coisas, mas a parte de espião, da IMF, ainda é o centro de tudo, e isso é muito bem feito, pois o Ethan se passa por outro cara e aí se envolve com o tráfico de armas, e depois o vilão do filme passado, o Lane (Sean Harris) retorna, e isso desencadeia cada vez mais eventos inacreditáveis dentro da trama. A abordagem de McQuarrie é ainda um primor, pois ele dá uma importância demasiada a uma explosão em uma pequena cidade, e tudo bem que as consequências posteriores seriam piores, mas ele faz que você se importe com uma pequena vila na Índia como se fosse todo o mundo, fruto da imersão construída, pois é eletrizante, é fascinante como tudo acontece.
Outras coisas fascinantes são as loucuras, ou melhor, As Peripécias do Tom Cruise, já que aqui o que ele inventa de fazer não é só absurdo, como também é parte importantíssima da trama que contribui diretamente para a imersão da trama. Foi nesse filme em que ele quebrou a perna direita ao simplesmente pular de um prédio para o outro, você provavelmente já deve ter visto o vídeo dos bastidores na época, a produção parou por causa disso, e a cena no longa em si não para, ele bate, sente o impacto, mas o Ethan Hunt continua correndo. Ele também se pendurou em outra aeronave, dessa vez num helicóptero, e não só ficou pendurado, como também pilotou, e isso dá uma realidade absurda à cena, pois é justamente no clímax do filme e a cena é inacreditável de bem filmada, uma aula de edição, e a abordagem do McQuarrie nessas cenas, tratando com naturalidade no contexto da exibição algo que é tão surreal de ser gravado. A mesma coisa acontece no início do longa quando Hunt pula de paraquedas de uma altitude de 7500 metros, que ele pula de verdade, mas com a pós-produção pesada nem parece, até porque é uma cena que precisou de efeitos para trocar o cenário que o Tom Cruise tava saltando (ele pulou no deserto do Saara e no filme a cena acontece em Paris), mas isso não tira a loucura do maluco de saltar de mais de sete mil metros de altura e gravar. Acho que mais corajoso que o Tom Cruise, apenas o camerama que o grava nessas maluquices.
Sobre os coadjuvantes, McQuarrie enxergou algo diferente, pois geralmente a equipe de Hunt eram apenas agentes táticos que você não tinha nenhum apego pois sabia que iam sumir na sequência, mas ele decide pegar essa galera que aparece desde o terceiro e criar um clima de família, não uma convencional, mas a que o Ethan Hunt acabou criando ao longo de suas aventuras. O Benji é um personagem que cresce cada vez mais, ele vai ficando mais legal em todo filme, quase como se fosse um irmão mais novo um pouco medroso do Hunt que vai criando coragem e tentando tornar-se independente por si mesmo, tendo até cenas de ação dessa vez, sem contar o inigualável carisma do Simon Pegg. A Ilsa retorna, inicialmente meio misteriosa, com uma motivação que vai de encontro a do Hunt e isso causa inicialmente uma pequena rixa, com eles estando contra o outro na cena de perseguição em Londres, mas a evolução dela é impressionante, ela é um dos maiores acertos de toda a franquia, ela é fantástica e traz esse lado de femme fatale moderna perfeitamente, pois ela tem esse lado da dubiedade e da sedução (nesse bem menos que no anterior), mas ela é astuta, independente, ela tem esse lado mais forte que traz mais seriedade e uma química incrível com o Tom Cruise. E o Luther, bom, eu já cansei de falar dele, é ainda o mesmo personagem que é mega inteligente, engraçado, carismático, mas que aqui na parte dramática ele é o único que entende o Ethan pelo tempo que eles passaram juntos, ele sabe o porquê do Hunt ser daquele jeito mais misterioso e preocupado, ele é a figura de melhor amigo perfeita para o Hunt.
E aqui há algo inédito no histórico de M:I, que pela primeira vez há o retorno de um vilão, o antagonista do anterior, o Lane, interpretado pelo Sean Harris, e é um vilão que impõe bem, aqui mais que no filme passado, pois ele tem um visual mais crível, o ator deixou crescer uma barba gigante de mendigo que o deixa com mais cara de vilão, ele tem mais cara de ameaça, de maluco (não querendo estigmatizar os mendigos, a única semelhança é mesmo a barba, não confundam), o Sean Harris entrega mais seriedade ao papel também, fazendo uma única expressão fria em que demonstra o trauma causado pelo Hunt e o quanto ele busca a vingança. Mas ele é ofuscado pela outra figura antagônica, o August Walker, o Henry Cavill, que começa do lado do bem, mas todo mundo sabe que ele ia se virar contra o Hunt em algum ponto, porque o Cavill entrega bem essa má índole escondida, ele tem cara de dedo-duro também, ele é ameaçador, há um destaque no físico dele que deixa ele com um espectro maior. Só com uma recarregada de braço e com um bigode (polêmico esse bigode, hein? E no filme não serve para nada, ferraram a DC só por ferrar), o Cavill conquista e traz essa participação incrível para a franquia, tendo também o fim mais cruel de um antagonista até agora.
E a parte técnica, meu pai, que coisa bem feita, que trabalho lindo. A começar pela parte de efeitos especiais, eu já mencionei acima, os caras tiveram que trocar todo o cenário sem chroma key e essa cena do pouso é incrível em todos os sentidos, não só pela tensão do momento, mas toda essa construção da cidade, os efeitos das nuvens trovejando e o Ethan tentando ajudar o Walker no ar, é coisa de maluco. A fotografia é linda, é um troço meio único, que cada cenário tem sua própria identidade, tem a boate que é o mais bonito, é todo estilizado, é literalmente brilhante, é uma estilização que utiliza as luzes do cenário ao seu favor e deixando fascinante, tem a parte da neve no final, que é tão bonita quanto, a paleta de cores é toda branca e cinza, as variáveis que criam a sensação de estar ali no frio, é uma cena que eu senti o clima do local de tão imerso que eu tava naquele ponto. A montagem também é certeira, é aula de timing, tudo acontece na hora que deveria, criando essa eletrização no espectador, é hipnotizante, é quase impossível (sem trocadilho) tirar os olhos da tela, principalmente nas partes de espionagem, a infiltração do Hunt na boate, e as cenas de ação maravilhosas, como a perseguição de Londres, a cena do túnel e o final na Índia, a criação de tensão, há uma preparação desses cenários, e depois a forma como são utilizados, é impressionante, o funcionamento é certeiro, pois faz sentido com a maneira que acontece e realmente choca.
Incrível, "Missão: Impossível - Efeito Fallout" é o ápice da franquia Missão Impossível até agora, é algo inimaginável que iria acontecer vendo como base os primeiros dois ou três filmes dessa série. Cara, é impactante, é de tirar o fôlego, é uma das experiências mais imersivas que se pode ter no cinema de ação e blockbuster da atualidade. Você fica do início ao fim paralisado, vendo tudo aquilo acontecer sendo feita com tanta maestria, pensando o quanto aquela franquia evoluiu. Tom Cruise mais louco do que nunca fazendo suas loucuras, mas ainda mandando bem no papel entregando muito na parte dramática e encerrando o grande drama de seu personagem, agora mostrando que há outras coisas para ele se preocupar. Coadjuvantes incríveis que evoluem toda vez mais e um vilão cativante e que impõe ameaça interpretado pelo Henry Cavill. É, até então, o melhor Missão: Impossível, e um dos melhores filmes de ação dos últimos anos e de toda a história do cinema sem hipérbole alguma, desculpa o palavreado, mas precisa ser dito: QUE FILME DO CAR4L#0!!!
Nota - 10/10