Crítica - Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um (Mission: Impossible - Dead Reckoning Part One, 2023)

Tom Cruise fez de novo! O cara é demais.

Voltamos para o sétimo capítulo da série de filmes de Missão: Impossível, depois que o sexto, "Missão: Impossível - Efeito Fallout" (2018) foi um grandíssimo sucesso de crítica, público e bilheteria (novamente), arrecadando mais de U$791 milhões de dólares, o hype aumentou muito para essa próxima missão de Ethan Hunt. Depois, aumentou mais ainda no ano passado, depois que "Top Gun: Maverick" (2022) foi um sucesso estrondoso em todos os sentidos, sendo a segunda maior bilheteria do ano, um consenso de público e crítica e foi indicado para seis prêmios do Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado - e como essa sequência envolve tanto o Tom Cruise como produtor e protagonista, Christopher McQuarrie como o principal roteirista e uma boa parte da equipe técnica mantida, é óbvio que as expectativas para o que essa trupe entregaria depois aumentariam. Bom, a confirmação do retorno de McQuarrie para a direção, se concretizou o casamento perfeito entre o diretor e a franquia demonstrado pelos últimos dois longas, mas aqui há a grande novidade dessa saga, que é a divisão em dois capítulos. Tudo bem que essa modinha de dividir os filmes de alguma franquia em duas partes já perdeu o sentido de tanto ser utilizada (principalmente por "O Hobbit", que foi dividido em uma trilogia completa), mas é sempre bem-vinda quando se trata de uma marca que desde o quarto filme só lançam obras extraordinárias.

Só que nesse ano de 2023, é a terceira vez que uma franquia tem a sua parte um, já que "Velozes e Furiosos 10" e "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" também terminam na metade de suas respectivas tramas, então além de inevitáveis comparações com os outros seis filmes e com "Top Gun: Maverick", de certa forma, vem também a necessidade de botar esses longas lado a lado e dizer quem fez melhor. Bom, na parte um dessa história, é mostrado que uma inteligência artificial chamada de A Entidade está se tornando autoconsciente, e que quem tiver posse da chave que a comanda, pode ter controle sobre praticamente todo o mundo. Com medo de cair em mãos erradas, Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua equipe: Benji Dunn (Simon Pegg), Luther Stickell (Ving Rhames) e Ilsa Faust (Rebecca Ferguson) correm atrás dessa chave, mas precisam lidar com esse novo inimigo que irá os atazanar de uma maneira que eles jamais haviam visto antes. Nessa jornada se encontrando novamente com Alana, a White Widow (Vanessa Kirby) e conhecendo a carismática ladra Grace (Hayley Atwell), mas Ethan se vê enfrentando um fantasma do passado: Gabriel (Esai Morales), e sua ordenada, a assassina Paris (Pom Klementieff). É, de longe, o filme com a trama mais complexa dentre a franquia, mas isso não impede McQuarrie de brilhar, abordando-a com calma e deixando totalmente entendível em apenas uma cena com nada mais que personagens aleatórios conversando.

Na questão da trama, é impressionante que mesmo sem querer, os filmes do Tom Cruise vêm na hora certa, justamente por tratar do tema de inteligência artificial - tema recorrente nas greves dos roteiristas e dos atores que estão acontecendo lá em Hollywood no momento desse texto. O uso de uma IA como algo antagônica não é de forma caricata ou para gerar uma mensagem de que "as máquinas são ruins", mas sim é utilizada a favor da narrativa ao dar aos personagens um desafio inovador e complexo, algo difícil de ser batido, pois a inteligência é manipuladora, brinca com o destino de todos os personagens, criando desafios que só um deles poderá resolver, ou hackeando e manipulando as vozes do Luther ou do Benji para levar o Ethan ao caminho errado e atrasar os planos dos mocinhos, é sublime. É mais impressionante ainda a forma como o diretor trabalha essa ameaça, usando a dubiedade desse artifício para assustar o espectador já que não temos noção do real perigo que aquilo representa, mas sabemos que é maior do que imaginamos pelas cenas que a vemos em ação tentando atrapalhar Hunt e seus amigos. Isso também é utilizado a favor dos heróis, já que o controle da tecnologia por Dunn e Stickell ajuda Ethan em certas situações, assim como também os atrapalha quando falha por mero azar ou coincidências, para se equilibrar a quando o Ethan se salva por puro roteiro e não forçar a barra.

Na parte de ação e espionagem, que como eu disse nos textos de todos os outros seis filmes, é o que verdadeiramente importa nessa saga, McQuarrie faz as coisas mais incríveis que ele consegue, já que nem ele e nem o Tom Cruise se contentam com o básico, criando situações perfeitamente efetivadas em momentos difíceis da trama, conseguindo trazer adrenalina, tensão dramática, mas também um bom humor cômico quando preciso, o timing é certeiro. Há uma urgência na trama, tudo acontece a favor da narrativa sem ser corrido ou mal desenvolvido, muito pelo contrário, é uma execução praticamente sem erros, com os novos personagens sendo apresentados em sequências que está acontecendo uma coisa importante que vai desencadear os eventos do próximo ato. É frenético, é eletrizante, é a comprovação de um padrão de qualidade estabelecido por Brad Bird com seu "Protocolo Fantasma" e seguido por Christopher nos dois seguintes, agora aqui e com certeza na segunda parte, pois depois dessa sequência espetacular de filmes incríveis de explodir cabeças, não tem como imaginar algo que não seja minimamente fantástico vindo ano que vem. A imersão é enorme, é algo de fascinar pela construção, pelo capricho, pela forma na qual nitidamente todo mundo da parte criativa se importa com a qualidade e também com a quantidade, pois consegue ser grandioso sem perder a essência ou o controle do que está acontecendo, já que eles entenderam o que era preciso para não se tornarem um Velozes e Furiosos da vida, um controle de qualidade impressionante.

McQuarrie também mostra o seu entendimento do Ethan Hunt, mostrando que ele já está ficando velho, mas ainda continua fazendo o máximo que consegue para salvar o mundo de novo. Ethan está mais humano do que nunca, agora vemos ele como um cara que é um pouco ultrapassado, que não sabe como lidar com todo o tipo de tecnologia (o que gera essas cenas bem humoradas que eu citei vagamente no último parágrafo), que ele nem sempre vai acertar tudo que faz, mas quando o acerto é 100% necessário, ele irá cumprir da maneira mais bad-ass e maneira possível. Na atuação do Tom Cruise ele passa um medo constante, mas sublime, a forma como ele se importa com seus amigos é bem trabalhada com o ator entregando o tom necessário nas cenas (sem trocadilho), vemos uma preocupação constante que é o que lhe motiva a sempre ir de frente com os perigos e atravessar as situações que dão nome à saga, enfrentando dilemas que vão além da missão e do IMF, atacam diretamente seu pessoal e o seu passado. Sem contar que dessa vez o Tom Cruise enlouqueceu de vez e beirou as barreiras do suicídio culposo ao simplesmente pular de moto de um penhasco com mais de 1.100 metros de altitude só para uma cena, e ainda pular mais de uma vez até que a cena ficasse perfeita, esse cara realmente dá a vida pela arte. Além disso, ainda fez uma cena de luta encima de um trem em movimento e outras maluquices, merece todos os aplausos.

Seus coadjuvantes mantém a base que veio sendo apresentada nessa nova fase da franquia, com Benji, Luther e Ilsa retornando. Eu tive a impressão que, devido à pandemia, as participações do Luther foram menores do que deveriam, pois ele aparece menos do que o costume e do que aparentava também, mas tudo bem, ele ainda tem uma participação significativa, não é um problema, essa saga já teve um filme quase inteiro sem ele, dá para sobreviver. Já o Benji e a Ilsa é outra história, pois há o destaque, a gente vai criando uma relação com eles ao longo dos outros filmes e aqui há essa preocupação com eles, quando eles são colocados em situação de perigo você sabe que eles realmente correm risco de ir de base e não voltarem no próximo (diferente do Ethan, que é abençoado pelo dom do protagonismo). O Benji já corre uma dessas no início e dá um medinho, mas o que acontece com a Ilsa é verdadeiramente impactante, sem dar spoilers, foi inesperado e realmente agrega ao arco do Hunt e ao drama de toda a obra. Outra que retorna é a Alana, que volta com bem mais destaque, sendo a tal traficante de armas manipuladora e sedutora que é apresentada no anterior, e ela aqui tem mais imponência, mais poder de influência sobre os outros personagens, tendo aquela seriedade e cara de enojada que convence (inclusive a gag recorrente de insinuarem que ela e o Ethan fizeram atos libidinosos entre o sexto e o sétimo filme realmente me fez rir).

Aqui Hunt e seus amigos recebem uma adição a equipe, que reluta em ficar do lado deles por boa parte, mas todo mundo sabe que ela vai entrar para essa quase família de espiões, que é a Grace, personagem da Hayley Atwell, que é um grande acréscimo a série, justamente por ela ser um arquétipo diferente das outras personagens femininas que tiveram as vidas cruzadas com o Ethan durante os longas anteriores. Ela é uma ladra esperta, determinada, extremamente inteligente, sabe sair de situações difíceis muito facilmente, mas também é medrosa, ansiosa, inexperiente, incapaz de certas coisas e as vezes é burra, e o fato dela ser jogada nessas situações de risco por si só é um desafio, já que ela precisa lidar com seus próprios medos para cumprir os objetivos determinados, com a atriz sendo extremamente carismática, conquistadora e ela rouba a cena (o que faz sentido considerando a profissão dela). Já sobre as figuras antagônicas, o principal é Gabriel, que é um fantasma do passado de Ethan que volta para assombrá-lo e ele impõe fisicalidade, dando trabalho verdadeiro ao protagonista e seus aliados nas partes de ação mesmo sendo só um cara de terno com uma faca, mas faltou algo a mais dele, o que provavelmente será recompensado na parte subsequente. Outra que rouba a cena é a Paris, aliada do vilão, feita pela Pom Klementieff, que mal fala, mas a presença física, um pouco caricata, extremamente insana, uma personalidade forte claramente inspirada na Arlequina, que traz resultados que surpreendentemente agregam ao valor de entretenimento geral do longa.

Sobre a parte técnica, eu repito o que disse no último texto: mais corajoso que o Tom Cruise, só o cameraman, já que quem é que o grava nas suas loucuras de pular de mil metros de altitude? Esse cara merece um salário maior. Até porque a direção de fotografia é lindíssima, além de acompanhar perfeitamente os eventos, criando as sensações de espaço e adrenalina necessárias nas cenas de ação, ainda tem seus momentos de glória, como a boate, Roma a noite e a cena do trem, que são dificílimas de serem filmadas, mas eles conseguiram, o nome da fera é Frase Taggart, que dirige a fotografia de algumas das melhores cenas de ação dos últimos tempos. A montagem também é perfeita ao criar o sentimento de urgência já citado anteriormente, além se saber construir a grandiosidade das cenas, usando discretamente excelentes efeitos visuais (que eu mal notaria se não fossem os making ofs que eu assisti), a cena da moto mesmo, o marketing construiu uma grande expectativa entorno disso e quando ocorre há uma preparação e é realmente grandioso, de tirar o fôlego, de cair o queixo, você olha o rosto destorcido do Tom Cruise caindo em queda e se fascina o quão longe o cara foi. Na edição, também é funcional pela dinâmica e o timing, deixando cenas em um tempo que nunca fica chato e que são bem aproveitadas dentro da duração, ainda mais a noite de Roma e o trem, que são sequências inesquecíveis.

Vou parar por aqui só porque não tem mais espaço no post, mas eu poderia ficar horas conversando sobre o que eu vi, já que "Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um" não é nem mais a confirmação de que essa franquia só sobe de qualidade, mantendo sempre um padrão desde o quarto filme que o nível fica cada vez mais absurdo, tanto no que é apresentado como filme, quanto nas loucuras que o Tom Cruise inventa de fazer e quase se mata executando. É perfeito, é lindo, meus olhos brilhavam apreciando pela primeira vez essa franquia que eu amo tanto no cinema, ouvindo a música tema, e sendo agraciado por mais uma obra-prima da saga. Como disse, divisões de parte já aconteceram duas vezes esse ano, o famoso cliffhanger, mas em Velozes e Furiosos 10 é horroroso, nem capítulo de novela termina tão mal, e em Aranhaverso 2 eu achei o encerramento abrupto e sem encerrar o arco principal, deixando uma lacuna grande que me incomodou. Aqui, termina o arco apresentado, o Ethan cumpre seu objetivo e o filme termina apresentando como essa conclusão afetará na trama do seguinte e é assim que deve ser. Cara, é um filmaço, vão ver no cinema, pois merece. Esse desgraçado conseguiu de novo, o cara salvou o cinema pelo segundo ano seguido, incrível.

Nota - 10/10

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