Crítica - Oppenheimer (2023)

A épica e distópica balada do Prometeu americano.

Christopher Nolan, um diretor tão aclamado, realizador de vários filmes elogiados e que são grandes sucessos de bilheteria, como "Batman: O Cavaleiro das Trevas" (2008), "O Grande Truque" (2006), "A Origem" (2010) e "Interestelar" (2014) apenas como exemplos. Os cinéfilos, em seu início na comunidade, amam o diretor, eu também o adorava, mas ao longo do tempo fui percebendo certas nuances em seu trabalho e uma mania irritante de tentar transformar o espectador em um imbecil ao dar abordagens desnecessariamente confusas a tramas simples. Entretanto, é inegável o sucesso do diretor, que fez praticamente toda sua carreira na Warner Bros., até que após discussões sobre a distribuição de seu longa anterior, "TENET" (2020), durante a Pandemia de Covid-19, ele acabou rompendo o contrato e indo fazer este filme com a Universal Pictures. Só que Nolan não esperava que seu ex-estúdio iria lançar sua maior aposta de marketing em anos, "Barbie" (2023), justamente no mesmo dia da nova adição ao seu repertório, nisso gerando um fenômeno cinematográfico denominado: Barbenheimer. Nisso, quem vence é o cinema, com dois filmes de dois bons diretores e com elencos impecáveis no mesmo dia, um negócio que dificilmente se repetirá de forma tão natural quanto foi esse. No novo lar, Christopher decide se aventurar e fazer um drama, algo mais artístico, menos orçamento, mais pé no chão, que é baseado em fatos, contando a história do físico J. Robert Oppenheimer, o homem por trás da bomba atômica.

A trama gira entorno do próprio J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) e conta sua história desde estudos em Cambridge, o envolvimento com o partido comunista, até o grande momento de sua carreira, que foi ser o líder do Projeto Manhattan, o pai da bomba atômica, nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Vemos então a vida do doutor por cima, seus pensamentos, posicionamentos, sua genialidade e expertise, a relação com sua esposa Kitty (Emily Blunt), seu relacionamento com o governo americano sendo demonstrado através do Coronel Leslie Groves (Matt Damon) e o pós-guerra, com seus julgamentos e audiências, envolvendo o Almirante Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), que quer condená-lo. Quem olha por cima pensa que é só mais um filme contando uma situação da guerra que mudou o rumo do conflito e as pessoas no geral acabam desconhecendo, assim como foram outros tipo "O Jogo da Imitação" (2014) ou o clássico "A Lista de Schindler" (1993), mas, assim como esses dois citados, vai além, e aqui vemos o drama do homem, e não da bomba e tampouco dos Estados Unidos enquanto ao seu uso. O nome do filme é Oppenheimer e vemos quem ele era, quais os seus conflitos, seus problemas pessoais, pensamentos políticos, o que levou ele a liderar a bomba, tudo que envolveu a vida deste cidadão, que morreu pensando que, por conta de sua realização, foi o responsável por destruir o mundo.

Nolan utiliza a referência de vários filmes para criar o seu, o que não o impede de ter uma certa originalidade, mas as bases são claras, especialmente a de "A Rede Social" (2010), de David Fincher, cujo, apesar de um ritmo ser diferente, a essência é praticamente a mesma: contar uma história real sobre algo que mudou o mundo através de flashbacks em audiências e usar isso como uma espécie de cortina para os dramas das pessoas por trás daquilo (é claro que relativo às escalas, não estou querendo comparar a bomba atômica com o Facebook). Nessa nova aventura, o diretor consegue trazer algo original dentro de sua filmografia e uma veia artística que foi muito mal explorada anteriormente, sendo desperdiçada em cenas que soavam emocionalmente manipulativas ou extremamente técnicas, o que limitava um pouco da emoção, só que aqui ele consegue encontrar finalmente o equilíbrio, criando um longa que não precisa de algum exagero de efeitos especiais para se vender, ou de algum conceito vagabundo enfiado goela abaixo, ou então de reviravoltas quaisquer que são encaixadas para gerar um sentimento manipulador sob a capacidade cognitiva do espectador, consegue se sustentar por si próprio, sendo um drama biográfico sóbrio que você senta, assiste e fica fascinado pelo trabalho feito, com uma direção tão pontual, atuações conquistadoras, trilha sonora imersiva e diálogos que transmitem uma mensagem direta, provando que o tio Nolan ainda tem muita lenha para queimar.

Barbenheimer não é um fenômeno que vem à toa, que são dois longas que são distintos, mas que conseguem se assemelhar justamente pela própria oposição. Barbie é uma comédia utópica onde o fantasioso e o rídiculo são utilizados a favor de criar um blockbuster diferente que zoa de si próprio, enquanto Oppenheimer é um drama distópico que ficou plantado na mente do personagem-título durante toda sua vida até a sua morte em 1967. A denominação de "Prometeu Americano" também não é em vão, já que Prometeu era o deus grego que criou a humanidade, mas foi também o que levou a discórdia quando roubou o fogo do Olimpo e o entregou na mão dos homens, posteriormente, pela suposta desonestidade, foi castigado eternamente por Zeus, sendo amarrado em uma pedra e tendo seu fígado devorado por um pássaro faminto gigante por toda a eternidade. Era assim que o cientista se sentia, quando sua arma foi usada, ele percebeu que se o planeta acabasse, a culpa seria dele, como ele mesmo diz em seu famigerado discurso, torna-se a morte, o destruidor de mundos. Um comparativo que eu consigo fazer é da filmografia de Christopher Nolan com um álbum de metal, onde a maioria das músicas é alta, com grandes significados por trás de maneirismos técnicos que impressionam e até assustam quem não está acostumado, e este filme aqui seria a balada, a música lenta, que acaba sendo um grande hit pela sinceridade, a facilidade de entender a mensagem e um ritmo que acaba conquistando apesar da simplicidade, é algo que eu consegui extrair de tudo isso.

Contudo, ainda percebo maneirismos do Nolan que chegam perto de tratar o espectador como burro novamente, como a divisão do filme em cores com o preto e branco, que sim, já foi explicado que colorido é a visão pessoal do Oppenheimer e P&B é a realidade e imparcialidade dos fatos, mas se ninguém tivesse explicado isso, ninguém iria entender e parecia mais uma decisão criativa confusa para nos fazer de idiota, desculpem-me, mas não consigo confiar completamente no diretor. Outro problema, na minha visão, é a utilização de alguns atores, vários famosos para que tenham uma ou duas linhas de diálogo e esvaecer, mas a pior de todas é a de Florence Pugh como Jean Tatlock, que em metade de suas aparições surge com os peitos de fora como uma nítida objetificação do corpo da atriz, e não me levem a mal, sempre bom ver uns peitinhos em tela, mas aqui é totalmente desnecessário e ainda dá a sensação de que a atriz é utilizada apenas para esse fim sex apel que não faz sentido em um drama sobre guerra. Apesar de ser uma parte importante para a vida do personagem principal e um pequeno desenvolvimento, acaba sendo mais uma mulher sendo utilizada como objeto sexual em cenas de sexo que são mal gravadas e vergonha alheia, para completar o pacote. Também teve outro empecilho, mas esse foi mais pessoal, que eu senti que o longa demora para engrenar, os primeiros quarenta minutos pareciam eternos e não me conquistaram logo de cara, demandou um tempinho até eu entrar de cabeça nesta experiência.

Mas também considero que aqui Nolan tem um de seus melhores desempenhos, sabendo equilibrar bem as coisas, construir a tensão, mas a principal de todas é a abordagem, de reconhecer que jogar uma bomba atômica no Japão não foi uma glória propriamente dita. Apesar de ser focado no cientista, a parte da bomba atômica continua extremamente relevante para a história, já que todo drama do Oppenheimer se desenvolve em torno do ocorrido. Nolan faz com que tenhamos sentimentos mistos ao ver aquilo acontecendo, um sentimento de vitória pela conquista científica que você viu o protagonista trabalhando e desenvolvendo pelas duas horas antecedentes, mas uma espécie de repulsa por o que aquilo representou para a humanidade, o terror que trouxe, as mortes que causou, não considero que seja algo que vangloria as explosões em Hiroshima e Nagasaki, mas sim que faz uma espécie de autocrítica. Inclusive, talvez a cena do teste da bomba é uma das cinco melhores do Nolan, pois há uma arrumação de tudo, você vê os personagens se preparando para uma das maiores descobertas científicas da história tendo noção disso, e como aquilo é feito de uma maneira tão tensa, a explosão é um momento de alívio, até ficando em silêncio e sendo visualmente contemplativo para criar a mescla de sentimentos que eu citei acima (e essa do teste é a única mostrada no filme, acho que até em respeito ao povo japonês, está totalmente correto na minha visão).

Sobre o elenco, todos sabemos que Cillian Murphy é um ator excelente, fez vários papéis marcantes, como o Espantalho na trilogia Cavaleiro das Trevas (2005-2012) do mesmo diretor, fez também "A Origem" (2010) e "Dunkirk" (2017) também com o Nolan (inclusive perfeita a atuação dele em Dunkirk, bastante subvalorizada), e é claro, fez o Thomas Shelby em "Peaky Blinders" (2013-2022), cujo foi seu maior papel como protagonista e o motivo dele ter uma fama tão grande (até pela quantidade de fotos dele com frases motivacionais que ele nunca disse). Mas aqui, justamente por ser um filme do diretor que tem, uma espécie de blockbuster artístico (fez mais de U$400 milhões de bilheteria no momento que eu estou escrevendo o texto, não dá para dizer que não é um blockbuster), ele tem a maior chance de se provar um baita ator, e ele consegue, entregando uma performance que passa todo esse drama e culpa do personagem. Ele tem a fama de ser frio e calculista, mas justamente isso aqui torna ele tão expressivo, pois com seus olhos ele consegue transpassar ao espectador o que ele está sentido, um sentimento de falha, de ser o homem que pode ter causado a destruição do mundo. Ele consegue ser carismático, mas também ser sério ao mesmo tempo, dando tudo de si na atuação, principalmente na hora final que ele fica reflexivo e culpado pela destruição em massa causada por sua arma de destruição em massa (?), mas isso não significa que passam pano para ele, há noção de que Robert matou milhares de inocentes e que ele ajudou a escolher o local da explosão, então ele mesmo é quase um antagonista da própria história.

E é um elenco recheado, era proibido ator desconhecido no set, pois tu olhava para o lado e tinha alguém que você já tinha visto antes. Tem Matthew Modine (Dr. Brenner de "Stranger Things"), Jack Quaid (Hughie de "The Boys"), Devon Bostick (Rodrick de "Diário de um Banana"), Benny Safdie (diretor de "Joias Brutas"), Josh Peck (Josh de "Drake & Josh") e até Kenneth Branagh e Gary Oldman. Mas com grande destaque são realmente três: Emily Blunt, Robert Downey Jr. e Matt Damon. Damon faz uma skin de militar dele mesmo, mas acaba sendo funcional para demonstrar a relação do protagonista com o governo americano, ele está lá com um belo bigode fazendo mais uma de suas performances canastras. A Emily Blunt é muito boa, acho que ela tem pouco tempo de tela, mas a importância para a trama é impressionante, ela se destaca por conseguir fazer o papel de irritada, ela tem sempre uma cara de desconfiada, o famoso arquétipo da esposa sensata, que traz a lucidez para as situações e põe juízo quando o marido faz algo errado em sua visão. O grande destaque de atuações depois de Murphy é mesmo o Robert Downey Jr., que aparece quase sempre em preto e branco, uma participação gigante, fazendo meio que o contraponto, sendo o cara que é anti-Oppenheimer, um egocêntrico tão babaca quanto o Oppenheimer, e ele é excelente justamente por atuar basicamente isolado do protagonista durante a linha narrativa principal, aparecendo pontualmente quando mostra a visão imparcial dos fatos, e ele tem monólogos incríveis, ele passa uma raiva carregada que é de surpreender, ele consegue provar que é realmente um bom ator e vai estar na temporada de prêmios.

É um filme que tem tanto conteúdo que mal deu tempo para falar da parte técnica, mas deixo claro aqui que é um trabalho excepcional de fotografia, montagem, design de produção, figurino, efeitos e som que com certeza estará no Oscar em todas as categorias (e será o líder de indicações, ou pelo menos o segundo). No final, a minha conclusão é que "Oppenheimer" é um dos melhores filmes de Christopher Nolan, que ele sai do convencional e faz esse drama histórico envolvente, com um ritmo extremamente agradável e que traz discussões éticas e políticas interessantíssimas sobre o homem que dá o título e o próprio Estados Unidos. Apesar de ter problemas, eu particularmente enxergo ainda um pouco desses maneirismos do Nolan, ele acaba se sobressaindo pela tamanha qualidade e controle sobre a trama, criando a sua balada, a sua épica e distópica balada sobre um homem que tornou-se a morte, o destruidor de mundos, o Prometeu americano. Atuações excelentes de Cillian Murphy e Robert Downey Jr., bons desempenhos de Emily Blunt e outros atores (basicamente todo mundo menos a Florence Pugh e o Rami Malek), um show técnico e uma abordagem madura que realmente impulsiona a filmografia do diretor com essa adição. É verdadeiramente um filmaço e um sucesso merecidíssimo.

Nota - 8,0/10

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