Crítica - Dinheiro Fácil (Dumb Money, 2023)
A comédia subestimada de 2023.
Durante a pandemia estávamos muito ocupados aqui no Brasil, seja pelo nosso país ter sido por bastante tempo o epicentro da COVID, pela crise política ou pelo o que mais movimentava o país na época: o BBB (ainda mais que aquela era a edição da Juliette e toda aquela maluquice que parece ter sido um surto coletivo). Nisso, esse foi um caso pouco repercutido no Brasil naquele tempo, ali no final de 2020 e início de 2021 (inacreditável que essa época já tá virando filme, parece ter sido ontem), mas é uma história que é tão inacreditável, em uma escala tão bizarra, que é mais uma grande adição às listas desse tipo. Baseado no livro "A Rede Antissocial", de Ben Mezrich, conta a história de quando um streamer conseguiu vencer Wall Street na compra de ações de uma loja de games (curiosidade: o nome do livro é este e dois dos produtores executivos do filme são Tyler e Cameron Winklevoss, que são personagens do filme "A Rede Social", interpretados pelo Armie Hammer).
Keith Gill (Paul Dano) é um homem que durante a pandemia decidiu investir 50 mil dólares na GameStop, uma loja de videogames e eletrônicos prestes a fechar e em crise executiva. Chamado de maluco por muitos, Gill vai fazendo lives sob o nick "RoaryKitty" mostrando o progresso das ações, convencendo milhões de pessoas a investirem na empresa. Quando acontece um boom inesperado, vem a valorização e começa a levar os milionários a perderem muito dinheiro e Keith e seus seguidores lucrarem bastante, ocorre uma história inacreditável que envolve grandes CEOs cheios da grana e o próprio congresso americano. É uma história verdadeiramente inacreditável, um streamer que conseguiu lucrar tanta grana durante um período tão complicado para todo mundo por uma crença no que parecia impossível. A direção é do Craig Gillespie, de "Eu, Tonya" (2017), que já havia trabalhado esse humor mais absurdo baseado em uma história real nesse longa citado, aqui é mais propício ao humor justamente pelo fator surpresa, vai acontecendo tanta coisa e vai afetando tanta gente que você pensa: "não é possível que isso aconteceu".
Gillespie trabalha o humor através do absurdo, não tem tantas piadas, a comicidade vem do que vai acontecendo e a forma na qual é mostrada através da montagem e da mixagem de som. O diretor acerta no tom, é majoritariamente comédia, mas o drama é muito bem trabalhado. À primeira vista parece que vai ser uma loucura na edição como um "A Grande Aposta" (2015) ou "O Lobo de Wall Street" (2013), mas consegue equilibrar muito bem a seriedade da situação para quem está envolvido sem deixar a comédia de lado quando necessário. Para ser sincero, fiquei mais investido (com o perdão do trocadilho) na parte dramática do que na cômica, a forma como todos aqueles personagens acabam sendo impactados (positiva ou negativamente) é muito bem equilibrada e mostrada.
Oito milhões de pessoas foram na pilha do RoaryKitty na vida real e no filme é mostrado uma parte minúscula dessa galera: a enfermeira Jenny (America Ferrera), as estudantes Riri (Myha'la Herrold) e Harmony (Talia Ryder) e um funcionário da própria GameStop, Marcos (Anthony Ramos). Já do outro lado, foram afetados CEOs de empresas milionárias, especialmente a Citadel, de Ken Griffin (Nick Offerman), e afiliados, como Gabe Plotkin (Seth Rogen) e Steve Cohen (Vincent D'Onofrio), além dos criadores do app Robinhood, Vlad Tenev (Sebastian Stan) e Baiju Bhatt (Rushi Kota), que não tiveram dinheiro suficiente para pagar tantas ações (novamente, chega a ser inacreditável). Gillespie equilibra bem entre todas essas pessoas a cada grande novidade envolvendo o evento, mostrando a preocupação dos ricassos e os lucros dos pobres, e depois a preocupação dos dois quando a situação fica mais complicada. Trabalhar com muitos personagens em um longa é bem complicado, ainda mais com um elenco lotado de gente reconhecida, mas o estabelecimento de Paul Dano como protagonista e esses outros agindo em volta dele e sua iniciativa acabou sendo uma opção bem escolhida.
De certa forma, acaba sendo uma história inspiradora por parte do Keith, é um cara normal com problemas financeiros, que perdeu a irmã na pandemia e tem que sustentar uma esposa e uma filha recém-nascida, que acreditou em algo que todos o acharam maluco por ter fé e no final deu certo, o cara ficou rico nos finalmentes e hoje vive feliz com a família, longe de redes sociais e essa vida pública. O Paul Dano é certeiro na atuação, ele faz com que criemos apego ao Keith e com que sua situação seja entendível, é um velho sonho maluco que ele bota fé e vai acreditando, apesar da desconfiança e da descrença de quase todo mundo ele vai conseguindo e é muito legal ver essa jornada. Ele traz essa resiliência que o personagem tem, ele demonstra a convicção que tem naquilo e dá para acreditar porque tanta gente foi nesse sonho maluco com ele. Seu maior apoio moral foi sua esposa, Carol (Shailene Woodley), que é apenas sua mulher, não tem mais nenhuma função além disso, o que eu considero uma subvalorização da atriz, sendo que o impacto dela no longa poderia ter sido bem maior, mas o próprio diretor não parece interessado em fazer com que ela seja mais do que isso também.
Outro membro familiar importante para a história é Kevin (Pete Davidson), que é faz basicamente ele mesmo: um fumante babaca, desempregado e com síndrome de piadista, e é sensacional. Ele faz perfeitamente o contraponto para o protagonista, tendo uma visão mais pé no chão enquanto a loucura de seu irmão, ele tem essa aura cômica natural que vem melhorando cada vez mais na minha visão, ele está ficando um cara mais gostável por essa autoindulgência que ele transpassa para seus trabalhos. Outra que eu gostei foi a America Ferrera, que aqui manda muito bem nessa mãe solteira com muitas dívidas que se identifica com o Keith vendo seus vídeos e decide adentrar nas loucuras dele, ela é uma das principais investidoras, pelo visto até hoje não vendeu as ações, e a America transpassa bem essa loucura dela, que é questionada por todos a sua volta justamente pela sua profissão e situação pessoal. O Anthony Ramos é o investidor com menos destaque, mas é carismático, traz um personagem com um objetivo nobre e que está diretamente ligado à empresa, trazendo essa visão interna quanto ao escândalo. As duas estudantes são o ponto alto da comicidade do longa, justamente por estarem na faculdade e aparecerem essas brincadeiras loucas dos jovens de hoje em dia. Uma delas é bem desenvolvida, tem uma motivação, a Talia Ryder (e que menina bonita também), já a Myha'la muda de opinião repentinamente num pequeno plot hole, mas nada que seja muito significante para o todo.
A parte dos milionários que poderia ser melhor explorada, não que seja ruim, é excelente, mas poderia ter mais foco nos demais. Essa parte é centralizada no personagem do Seth Rogen, que beleza, é o ator mais famoso dentre esse pessoal, e mostra bem através dele a reação dos ricassos ao ver a subida das ações e seu dinheiro indo de ralo, tem a preocupação dele com a família, a esposa e os filhos, soa um pouco humanizado, mas é nesse arco que tem uma das melhores cenas do longa, a que eu mais ri, que é a da equipe de mídia preparando ele para o depoimento, que demonstra que todo rico desse tipo é igualmente egocêntrico, gosta do luxo e de se aparecer com tudo muito grande (será que eles estão tentando compensar alguma coisa?). Eu sinto que poderia ter tido mais do Nick Offerman e do Vincent D'Onofrio, principalmente desse último, que mal aparece, mas eu curti a participação do Sebastian Stan como o criador do aplicativo de trade, ele aparece pouco, porém quando começa a ganhar destaque ele interpreta bem esse nervosismo, essa incerteza enquanto ao que fazer numa situação tão bizarra e inesperada quanto essa, saindo (com razão) como um dos vilões da história, as cenas dele causam até um certo desconforto.
No mais é isso, dá para citar também a montagem que consegue incluir tantos personagens de maneira equilibrada que poucos são deixados de lado, e também a seleção musical, que parece ter saído do TikTok daquela época, remetendo perfeitamente àquele tempo sombrio e bizarro que vivenciamos. Dá para citar tranquilamente "Dinheiro Fácil" como um dos filmes subestimados de 2023, pelo o que eu vi, no Brasil apenas o Dalenogare, a Isabela Boscov e o Thiago Romariz falaram sobre o filme e ambos de forma totalmente positiva. Sei que não sou nada perto desses três, mas gostaria de deixar aqui a recomendação, é um filme excelente, uma ótima comédia, não é confusa, o diretor conta a história envolvendo esse lado financeiro de forma extremamente didática sem ser expositiva. A história é ótima, os personagens são carismáticos e há uma mensagem a mais, não é só um compilado de humor, tem uma mensagem sobre enfrentar grandes desafios, sobre manter a fé em suas crenças e é isso que o põe em um degrau acima.
Nota - 8,5/10