Crítica - Napoleão (Napoleon, 2023)
Ridley Scott causando ataques psicóticos em historiadores e depois indo dormir.
Eu sinceramente criei muita expectativa sobre este projeto desde o anúncio, pois tivemos prometido um drama histórico épico sobre Napoleão Bonaparte dirigido por ninguém mais ninguém menos que Ridley Scott. Eu já fiz crítica de dois filmes do Ridley há alguns anos na página, um que eu simplesmente amei que foi "O Último Duelo" (2021) e o outro que eu achei ruim, mediano para ruim, o famigerado "Casa Gucci" (2021). Ambos são dramas históricos, de novo épocas totalmente diferentes com focos e tópicos igualmente diferenciados, mas que demonstram essa inconsistência que Scott vem tendo há tempo na carreira. Mesmo assim, havia uma certeza: ninguém faz um épico histórico de ação tão bem quanto ele. O cara fez "Gladiador" (2000), "Cruzada" (2005) e o próprio "O Último Duelo", como duvidar de alguém assim para contar a história do General/Imperador mais famoso da França? Acontece que sim, ele conseguiu errar a mão e entregar algo que é de dar sono, chega a ser patético.
Acompanhamos a história do lendário Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), um jovem que foi um corajoso soldado, um destemido general e ascendeu ao trono da França como imperador. Vemos a sua carreira militar, suas primeiras conquistas, triunfos no campo de batalha, sua importância durante a Revolução Francesa, seu casamento com Josefina (Vanessa Kirby) e como suas conquistas e decisões afetaram o destino de toda uma nação. Napoleão é uma daquelas figuras históricas que você vai reconhecer, ele é quase um anti-herói da história do mundo, ele teve um desenvolvimento de personagem na vida real, e aqui chega a ser bizarro como o Ridley Scott toma a pior decisão possível: cagar regra para fortalecer um mito ao invés de contar a história real. Tudo bem que é ficção, não precisa ser totalmente fiel a realidade, mas as coisas que ele inventa são simplesmente inacreditáveis, dão mais destaque para as invenções absurdas do que para acontecimentos reais que sozinhos já poderiam gerar um épico de três horas.
Outro grande problema do longa é estar nitidamente incompleto, está na cara que falta história, inventaram uma trama que não é a real e mesmo assim não souberam contar de maneira coesa, não existe coerência aqui. Começa com um jovem Napoleão (com a cara do Joaquin Phoenix, sem rejuvenescimento nem nada, muito crível ter menos de vinte anos) e até ele virar imperador é um toque, tratam toda essa parte dele como general (que é literalmente o que é vendido) por quarenta minutos em quase três horas de rodagem. As decisões que ele toma são atropeladas pela própria narrativa, as justificativas acontecem em uma cena, chega ao ponto de acontecer coisas risíveis de tão jogadas que são, é involuntariamente engraçado, o Ridley Scott parece estar fazendo embaixadinha com um livro de história e estar levando a sério, não dá para crer, o velho caducou de vez.
A narrativa é sem graça, o Ridley Scott não sabe como criar uma vibe interessante, não sabe criar algo minimamente instigante. Ele tenta manter um tom dramático, que se leva a sério, como um verdadeiro épico histórico de ação que ele adora fazer, mas o que acontece na trama termina sendo uma comédia involuntária e olha, as brincadeiras com a história acabam sendo a melhor coisa do longa e a pior ao mesmo tempo, melhor porque é engraçado, não é propositalmente mas é, e a pior por não agregar nada no final, parece apenas um ataque pessoal do Ridley dizendo que quer fazer tal coisa porque sim. Soa como uma grande banheira de tédio, parece que eu estou me afogando numa piscina transbordando chatice, não conseguia ter nenhum sentimento assistindo, é totalmente inodoro. O clímax então deve ser uma das piores batalhas finais de filmes históricos que eu já assisti, é muito bem gravado, tecnicamente impecável, mas é muito sem graça, a emoção acaba sendo nula, eu não senti nada assistindo.
O tratamento que dão ao protagonista é meio dúbio, parece que querem elevar a figura do Napoleão a um pedestal de herói, tentam passar um pano em alguns momentos em prol da magia do cinema, mas para amenizar encaixam uma cena de maneira forçada tentando mostrar que ele não é bom não. É uma corda bamba gigantesca que eles tentam equilibrar uma admiração e um desafeto que nitidamente não funciona. O Napoleão consegue ser um protagonista muito sem graça, como eu disse, o cara na realidade teve um desenvolvimento de personagem desenhado perfeitamente, era só fazer do jeito certo, mas inventaram moda e saiu de uma forma tão falsa e boba que não dá para levar a sério. O peso de suas ações é inexistente, só vai ter o impacto real do que ele fez no espectador nas letrinhas antes dos créditos, não existe a noção do que esse maluco impactou a Europa inteira, ele parece mais como um sigma de internet sendo que ele foi responsável pela morte de mais de TRÊS MILHÕES de pessoas.
O coitado do Joaquin Phoenix sofreu também, ele se esforça para entregar pelo menos uma boa atuação. Ele tem essa imponência real, o porte de um líder nato e essa insanidade passiva que há dentro do personagem é excelente, essa sede de conquista é transpassada nos mínimos detalhes, é tão detalhista e funcional ao mesmo tempo que dá pena de ter caído aqui. Ele realmente passa a sensação de ter o fogo pela batalha, pela posse, o patriotismo que corre nas veias e o amor que ele sente por Josefina, o espírito de liderança e a figura de um povo. Phoenix é um raio de luz em meio ao tédio, é legal assistí-lo. O resto do elenco não é nada, ninguém com muito destaque, tem um ou outro rosto reconhecível, como o Tahar Rahim, o Ben Miles e o Rupert Everett (literalmente só rosto mesmo, por nome ninguém conhece), mas a única coadjuvante com destaque é a Josefina, a Vanessa Kirby, que faz a função dela de ser a mulher bonita do filme e esporadicamente objetificada, o que me irrita é que isso vai contra a mensagem do Último Duelo que é do mesmo diretor, e olha... Sou seu fã, Ridley Scott, mas depois de tudo aqui tá complicado.
O que salva de ser uma bomba é a parte técnica e de ação, geralmente eu não me importaria e daria uma nota mais baixa ainda, mas aqui é de um capricho e de um finesse tão grande que fica impossível desconsiderar. As cenas de ação são muito bem feitas, a coordenação de segunda unidade e dublês é absurda, a coreografia cria uma sensação impressionante, são as melhores cenas do filme de longe, é positivamente chocante ver tanta sanguinolência bem feita, únicos momentos onde há real emoção no longa. O design de produção é absurdo, é sensacional, a reconstrução daqueles locais enormes e com tanta precisão é maravilhoso, combinado a um figurino espetacular e perfeitamente acurado nas reconstruções, você se sente verdadeiramente naquela época. O som é muito bom, te põe ali na loucura do campo de batalha e o trabalho de efeitos práticos é muito bem encaixado, é preciso e ajuda a causar o choque da brutalidade. Merecida as três indicações ao Oscar e não seria injusto mais duas nomeações para maquiagem e som.
Encerro dizendo que "Napoleão" é a maior decepção da temporada, é o potencial mais desperdiçado de todos. Olha, esse não é e nunca foi o projeto do Kubrick, mas levando em consideração tudo que ele estudou, pesquisou e foi atrás por anos e aquele lendário roteiro nunca viu a luz do dia, dá para dizer que ele está se revirando no túmulo por isso ter acontecido antes do dele (mas em breve Spielberg trará para a HBO esse projeto que com certeza espancará isso sem massagem). É um épico broxa, ver isso é a mesma sensação de comer arroz sem tempero, de comer batata frita sem sal, a falta de algo é notável. É óbvio que está incompleto, o corte completo chegará dia 1° de março à AppleTV+, mas parece que escolheram os piores minutos das horas de gravação que eles tinham para lançar no cinema. Joaquin Phoenix e a parte técnica dão a salvada de um fracasso qualitativo total, termina como um dos mais fracos da temporada, infelizmente, pois era um dos filmes que eu mais tinha expectativa e acaba sendo decepcionante.
Nota - 5,0/10