Crítica - Ferrari (2023)

Novo filme favorito do Lewis Hamilton.

Sabe um cara que é amado por quem ama cinema e parece não receber devido reconhecimento pela própria indústria? Este é Michael Mann, um realizador brilhante de obras marcantes como o impecável clássico "Fogo Contra Fogo" (1995), o incrível "O Informante" (1999) e o sensacional "Colateral" (2004). Um cara que trabalhou com gigantes da atuação como Al Pacino, Robert De Niro, Daniel Day-Lewis, Tom Cruise e vários outros. Realmente um dos grandes de Hollywood nos anos 90 e 2000. Mann ainda está na ativa, e aqui ele traz a história de Enzo Ferrari, que, obviamente, é o fundador da empresa automobilística Ferrari, que hoje em dia é o sinônimo de luxo, riqueza e, mais recentemente, Lewis Hamilton, mas nem sempre foi assim. Um diretor desses dirigindo uma história de algo tão poderoso obviamente cria um hype, mas dá para fazer uma analogia com o basquete do que ocorre, pois Michael Mann é o Chicago Bulls do cinema: teve seu auge absoluto nos anos 90 e hoje em dia é legal mas não chega perto do que já foi. Essa foi a impressão que eu tive, senti que o realizador perdeu força, inclusive penso que aqui teve muita intervenção dos estúdios, limitando sua criatividade.

Nos anos 50, a Ferrari passa por várias instabilidades, incluindo a perca de popularidade, mal desempenho dos pilotos em corridas e uma crise que a atinge financeira e esportivamente, onde vai vendo seu espaço sendo ocupado por outras empresas automobilísticas, como a Maserati e a Bugatti. Nisso, Enzo Ferrari (Adam Driver) se vê na obrigação de reestabelecer o lugar de sua empresa aonde ele acha que merece, usando sua visão de ex-competidor para essa finalidade. Enquanto o mesmo precisa lidar com dilemas familiares, como seu infeliz casamento com Laura (Penélope Cruz), o luto pelo seu filho Dino e a revelação de seu caso com Lina (Shailene Woodley) e a descoberta sobre seu filho bastardo com ela. Mann pega apenas uma parte da vida do Comendador para contar, a história se passa num espaço de tempo relativamente curto onde essa explosão de coisas vai acontecendo.

Honestamente, não é um filme de grandes problemas, não tem nenhum erro grave que afete a experiência, é uma obra bem sólida, que mantém uma coerência com o que apresenta e com o que quer mostrar. O principal problema vem pela encheção de linguiça que fazem, pois apesar de ser um filme sobre carros, ele tem um ritmo sonolento, pelo menos ali entre os trinta minutos e uma hora, é meia-hora de burocracia cinematográfica que honestamente não faz falta. Eu dormi nessa parte não ironicamente, voltei o filme quando acordei e percebi que nada demais tinha acontecido, claro, tem momentos bons ali dentro, mas se eu ignorasse o resultado final teria sido o mesmo. Outra coisa que o Mann faz que eu considero o maior problema é a falta de foco, porque as vezes tá lá em uma cena acontecendo alguma coisa importante e corta para algo que não faz diferença. Isso acontece uma ou outra vez e ok, mas me incomodou mesmo quando acontece durante o clímax do longa e eles fazem um corte para uma cena da Penélope Cruz reforçando um sentimento que já havia sido mostrado anteriormente, o que honestamente eu achei bem desnecessário, pareceu exigência de estúdio para mais tempo de tela da Penélope.

Uma coisa que eu gostei bastante é o foco no personagem-título, Mann não transforma num filme sobre automobilismo e deixa o protagonista em segundo plano, há bastante foco no homem Ferrari. Eu gosto de dizer que este é o Enzo 0.1, o primeiro de todos os Enzos, já começa mal, mas a vida pessoal desse cara já era suficiente para detestá-lo, era um burguês safado político que traía a esposa e tinha uma família fora do casamento, mas era um gênio de sua área, então sim, é mais um daqueles casos complexos de gênios babacas. O cara era simplesmente brilhante na área da mecânica e do automobilismo, é muito bem mostrado pelo Mann essa paixão que ele tem, o quanto ele se bem ali e o quanto a morte do filho o impactou, seja no quesito negativo do luto, da depressão, mas no sentido de querer fazer algo a mais para honrar o falecido. Ele busca através desse sentimento que ele tem interiormente compensar na corrida e acaba sendo a melhor mensagem entrelinhas do longa.

O desenvolvimento pessoal funciona também, em questão emocional é a melhor parte do longa. Como disse, ele tinha vários problemas com a esposa, era assumidamente um galinha sem vergonha que trairia ela com qualquer prostituta e esse casamento conturbado é um dos pontos de partida do longa, onde vemos que a esposa dele é histérica e surtada em níveis absurdos, a ponto de atirar no marido com uma arma múltiplas vezes (não se preocupem, não é spoiler, o verdadeiro Enzo Ferrari morreu de velhice). A questão da outra família poderia ter sido melhor aproveitada, é o segundo longa consecutivo onde eu sinto que prendem a Shailene Woodley a um papel de esposa (nesse caso amante) que serve para ser só uma figura que dá um apoio ao protagonista, mas no "Dinheiro Fácil" se justificava pela trama, aqui não tem isso, soa como um empecilho interessante, entretanto acaba com uma sensação nula.

Na parte de atuações, dá para destacar o casal Ferrari. Adam Driver tem uma atuação excelente, primeiro que ele ser o Adão Motorista interpretando um ex-piloto e criador da Ferrari é um dos grandes acertos de casting da história, e ele entrega uma emoção incrível ali, tem duas cenas onde ele se destaca mais na minha visão, que são a visita ao túmulo do filho e a briga com a esposa, onde ele passa esse sentimento de culpa, de arrependimento, de solidão e tristeza com maestria. Eu gosto da apreensão que ele entrega nas cenas de corrida, a tensão que ele sente ao receber notícias sobre sua equipe e como aquilo define seu próprio futuro. Só tem um pequeno problema: o sotaque, porque a performance é toda excelente, mas ele erra no sotaque italiano, pois a dosagem foi muito ingrime, ele parece escolher as palavras que ele vai dizer com sotaque, foi o único empecilho para retirar das grandes atuações do ano. Já Penélope Cruz, que é a única sendo reconhecida em premiações, tem um desempenho bem comum na realidade, ela faz o papel de esposa irritada e traz essa histeria de forma legal, mas que soa até forçada em determinados momentos, parece que há uma intervenção para favorecer a personagem dela em cena justamente visando nomeações em prêmios - e deu certo em alguns, porém não comprei tanto, apesar de achar uma performance boa no geral.

Para mim, as melhores partes, de longe, é envolvendo o esporte (dá para considerar corrida um esporte? É o carro que compete, se for assim Velozes e Furiosos é filme esportivo - ah, esquece, tô viajando). Enfim, já falei de toda essa parte mais genial do Enzo anteriormente e como essa genialidade se atrela à paixão por carros e corridas é incrível, ele desenvolvendo tudo é bem legal e a aflição dele nas corridas é ótima. Esses são de longe os momentos cujo a parte técnica se destaca, tirando a maquiagem que é um destaque no longa inteiro, é aqui que a montagem e o trabalho se destacam. Isso ter ficado de fora do Oscar de som para o "Maestro" é inacreditável, o som nas cenas das corridas que se mescla com o ambiente competitivo é absurdo, é maravilhoso, você fica empolgado de verdade escutando aquilo tudo. A montagem cria as corridas com tanta convicção que a empolgação vai sendo criada e você vai ficando maluco assistindo, traz a empolgação real de estar vendo tão de perto a mágica acontecendo.

Apesar dos pesares, "Ferrari" continua sendo um bom filme. Infelizmente é aquém do que poderia ser por decisões bestas que tiram uma coesão maior do longa, são detalhes que fazem a diferença, como um ritmo sonolento, um sotaque esporádico e uma busca pela Penélope Cruz que soa como intervenção de estúdio. Felizmente hão muitas qualidades que ofuscam isso,  como a própria narrativa, o storytelling do Michael Mann, a atuação do Adam Driver, as cenas de corrida, design sonoro, montagem, maquiagem, são todas ótimas e criam uma boa experiência generalizada. Eu indicaria tranquilamente ao Oscar de som e maquiagem, poderiam estar lá, e Adam Driver estaria se não fosse o sotaque, foi por pouco. No fim, vale a pena assistir, é bem divertido, apesar do drama e dos problemas.

Nota - 7,5/10

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