Crítica - Os Rejeitados (The Holdovers, 2023)

A fria e reconfortante comédia dramática de Alexander Payne.

Alexander Payne, você talvez não reconheça esse nome de imediato, mas você com certeza já assistiu a um filme que ele fez. Ele é o responsável pelo excelente e injustamente não tão lembrado "Sideways" (2004), que é excelente, trabalho dele com um elenco espetacular, como o Paul Giamatti, sendo seu protagonista lá pela primeira vez. Ele também fez "Os Descendentes" (2011), não aquele do Disney Channel, o com George Clooney e Shailene Woodley, que lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama. Aqui ele retorna depois de um certo tempo, seu último trabalho para as grandes telas foi a ficção científica "Pequena Grande Vida" (2017), com Matt Damon, que foi um fracasso em todos os sentidos, em qualidade, público, crítica e até na bilheteria, cujo havia uma expectativa e um bom marketing à época (eu lembro do comercial desse filme passando na TV toda hora). Aqui, Payne tem em mãos uma história original, simples, escrita pelo novato David Hemingson sobre uma escola em meados dos anos 70, nisso o diretor utiliza-se de uma abordagem mais pessoal para criar essa trama que eu não dava muita coisa, mas me impactou mais do que o esperado.

Nos anos 70, em New England, nos Estados Unidos, Angus Tully (Dominic Sessa) é obrigado a passar o período de festas de fim de ano na escola, a particular e renomada Barton School, por imprevistos familiares. Até aí tudo bem, até que ele descobre que precisa lidar com o seu rabugento professor de história Paul Hunham (Paul Giamatti), sendo tudo observado de perto por Mary (Da'Vine Joy Randolph), a tia da cantina que recentemente perdeu seu filho na guerra. Hunham e Tully vão criando laços inesperados de amizade, causado por situações de rebeldia ou momentos impulsivos, fazendo assim com que um finalmente conheça e entenda o outro, percebendo que eles tem mais em comum do que aparentam e tentando decifrar porque eles são os rejeitados. Esse filme se passa mais ou menos entre 1971 e 1974, nessa época Payne tinha entre seus 10 a 13 anos de idade, mas dá para se dizer que, pela abordagem, muito da personalidade de Angus vem por um lado pessoal de quando ele era adolescente (que também não deixa de ser uma adolescência setentista, só que mais a frente).

Apesar de nas premiações Paul Giamatti estar como ator principal e Dominic Sessa como coadjuvante (nas que ele foi indicado), o pontapé inicial vem por conta do personagem de Sessa, de seu background e nele temos a grande ambiguidade do longa. Acaba que com o desenrolar da trama Giamatti vai pegando o protagonismo para si e tornando-se uma força da natureza em uma atuação extremamente marcante - a qual falo melhor depois. Payne trabalha toda essa questão de uma forma onde ele tenta aproximar ao máximo o espectador do drama daqueles personagens, pois cada um ali é visto como um... Não rejeitado, essa tradução ficou meio complicada, mas como remanescentes, como a palavra "holdovers" quer dizer em tradução livre. Remanescentes não só por serem os únicos na escola, mas sim são sobreviventes de suas próprias histórias, que vão sendo descobertas ao andar da narrativa. São três pessoas com passados conturbados, o professor tem traumas em relação à romance e à faculdade, o aluno tem problemas familiares e a tia da cantina perdeu o filho recentemente. Esse vazio que há nos três é um ponto de partida interessante, onde Payne vai explorando com uma sensibilidade, sem deixar de humanizar aquelas histórias enquanto ainda sim tem um tom mais cômico e alto astral.

De primeira, vemos Paul como aquele professor ranzinza, cansado e que ninguém gosta por aparentar ter uma amargura e uma rigidez que nenhum aluno curte, por motivos óbvios. Você vai achando aquele cara meio babaca e as vezes autoritário até certo momento, mas depois, com a aproximação dele com outros personagens, percebe-se que é apenas uma máscara encobrindo um ser humano gentil e sábio. Ele tem uma base no John Keating, personagem do Robin Williams em "Sociedade dos Poetas Mortos" (1989), mas em uma versão menos inspiradora e mais cômica, na realidade, dá para se dizer que ele tem uma rigidez típica de um Snape de "Harry Potter" encobrindo um Dewey de "Escola de Rock". Esse complemento que ele tem com o Tully, essa liberdade que ele acaba ganhando é um primor para nos importamos com ele, você entende esse lado dele que é culto, que é mais retraído, mas é legal, o carisma do ator vai te conquistando.

A relação entre professor e aluno se dá num encontro inesperado em uma situação praticamente impossível de acontecer e eles acabam tendo essa interação além da pedagógica, torna-se quase familiar, não paternal, mas como um tio e sobrinho, por exemplo. Tully é realmente um rejeitado, é um adolescente que é inteligente, é meio arrogantezinho, problemático, que parece insuportável à primeira vista, porém você vai descobrindo aos poucos o porquê deles ser assim, a relação dele com os pais, os problemas que ele enfrentou e como esse laço com o Paul é quase como um curativo em relação a isso. Tem cenas dele que são meio dúbias, ele é um grande mentiroso, ele inventa algumas informações para evitar conversas que ele está cansado de ter ou para se sentir menos fud... digo, ferrado, mas quando você descobre a verdade, o lado dele é bastante entendível, a empatia ao entender o que ele passou é basicamente automática.

Já a Mary é um complemento na história, é uma coadjuvante clássica que faz essa função perfeitamente. Ela aparece ali de forma equilibrada, não puxa o protagonismo para si, dá as caras organicamente, tem seu desenvolvimento, importância e tem a conclusão de seu arco. Ela é a chefe da cozinha da escola, a famosa tia da cantina, que teve um trauma recente ao perder o filho no Vietnã em batalha e, como trabalha lá há muitos anos, mora em um dos prédios do colégio e acaba criando uma amizade com Paul e Angus nessas semanas que passaram juntos. Esse é o tipo de coadjuvante que eu gosto, que é aquela que tem uma importância a mais na história do que apenas uma cena ou aparições pontuais, sem tentar roubar o longa dos protagonistas. Ela rouba a cena quando aparece? Sim, ela vira a estrela em suas participações, mas isso não a transforma na principal. É diferente de outras secundárias dessa temporada de premiações, eu vou analisar melhor em um post onde irei detalhar mais minha opinião, mas das quatro indicadas que eu vi até o momento desse texto, as outras três não chegam minimamente perto do que a Da'Vine entrega aqui.

Esse trio acaba sendo perfeito também, o casting dos filmes do Payne sempre é muito bem escolhido e aqui não é diferente. Paul Giamatti, como disse anteriormente, é uma força da natureza, ele começa sendo aquele professor rabugento que todo mundo já teve, um cara que parece de mal com a vida, sem amor, sem esposa, sem família, apenas o trabalho e a arte o satisfazem, nisso aparenta que ele iria ser chato o filme inteiro, mas à medida que ele vai se soltando e se mostrando um cara bacana, você vai criando um afeto por ele, é inteligente, sábio e adorável. Sem contar o olho, honestamente não sei se é maquiagem ou da atuação, mas pô, a vesguice dele é um ponto do filme que impressiona, tendo até função narrativa. Dominic Sessa entrega bem esse jovem problemático, traumatizado, ele por ter essa cara de ser um pouco mais velho acaba convencendo nesse ponto. Ele passa essa vibe de aprendiz do Robin Williams, seja no já citado Sociedade dos Poetas Mortos ou em "Gênio Indomável" (1997), ele é um muleque inteligente, com problemas, que é amparado por um sábio professor e ele funciona completamente, merecia estar no Oscar junto de seus colegas.

Já Da'Vine é uma das melhores coadjuvantes da temporada, a princípio parece ser um Oscar já entregue no momento desse post, e ela traz essa sensibilidade de forma tão sútil, ela tem essa máscara que encobre o trauma com um finesse refinado, ela traz esse sentimento de forma impactante toda vez. Eu já vi de perto uma mãe de luto pelo filho, meu tio morreu quando eu era pequeno e até hoje eu lembro do que minha vó enfrentou, e o que Randolph entrega, essa tentativa claramente falha de esconder a tristeza, é tão verdadeira, é tão próxima da realidade, que é difícil não se emocionar. Agora, mudando de assunto, eu gosto da estética adotada por Payne, de ser totalmente setentista, não só querer trazer a época na história, como criar uma estetização que remeta ao cinema hollywoodiano daquele período, a transição da Era de Ouro para a Nova Hollywood, e isso vai desde a logo antiga da Universal sendo utilizada até a própria montagem, com uso de fade-ins e fade-outs e uma formatação diferente da tela, por exemplo. A simetria dos planos a grosso modo parece remeter ao Wes Anderson, mas é um estilo bem mais natural e sóbrio que ganha uma beleza visual ao se situar na neve, a fotografia é realmente incrível.

Não deu tempo de falar sobre mais coisa, poderia citar a seleção musical, que tem um quê nostálgico daquele início de anos 70, ou a própria caracterização de época além da fotografia e montagem, como os cenários da escola, estabelecimentos e casas, as roupas e o design de cabelo, mas fica por aqui. O que posso dizer é que "Os Rejeitados" verdadeiramente me impactou mais do que eu imaginava, recebi algo diferente do que imaginava, por ser considerado uma comédia, imaginava algo mais absurdo ou exagerado, mas recebi algo que estava precisando no momento. É um filme que tem seu drama muito bem trabalhado, muito bem finalizado também, mas que seu ponto alto acaba sendo a relação entre os personagens e a sensação de reconforto que transpassa ao espectador. Giamatti, Sessa, Randolph, Payne e Hemingson, todos deram show em seus trabalhos, especialmente o elenco, que traz o impacto desses personagens complexos e traumatizados para a tela com maestria em uma obra que você termina com um sorriso no rosto. Filmaço, me conquistou profundamente.

Nota - 9,0/10

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