Crítica - Todos Menos Você (Anyone But You, 2023)

Será esse finalmente o retorno das romcoms às telonas e aos topos das bilheterias?

Eu falei sobre como o gênero da comédia romântica estava em baixa lá na minha crítica de "Que Horas Eu Te Pego?" (2023), cujo tornou-se mais uma adição de catálogo para a streamings do que blockbusters com elencos estrelados igual era antigamente. Grandes clássicos de Hollywood dos anos 80 e 90 são romcoms com estrelas da indústria, como Julia Roberts em várias obras como "Uma Linda Mulher" (1990), "Um Lugar Chamado Notting Hill" (1998) e outras, também tinham George Clooney, Hugh Grant, Kate Hudson, Cameron Diaz, Matthew McConaughey, dentre vários outros. Acontece que virou um subgênero praticamente morto, chegou à sua saturação e acabou que as pessoas se cansaram dos mesmos clichês e das mesmas pessoas bonitas se beijando. Virou filme da Netflix, que começou a investir em muitos longas direcionados ao público teen, sendo recordistas de audiência em seus lançamentos e desde 2017 vinha sendo assim. Até que decidiram tentar insistir nas romcoms nos cinemas novamente, tentaram a primeira vez com "Ingresso Para o Paraíso" (2022), com Clooney e Roberts fazendo pais divorciados que vão ao casamento da filha em outro continente. Resultado: fracasso. Depois foi a vez do já citado "Que Horas Eu Te Pego?", com Jennifer Lawrence, onde ela interpreta uma mulher endividada que finge namorar um jovem virgem por pedido dos pais do rapaz. Resultado: razoável nos cinemas, sucesso absurdo nos streamings. Essa foi a terceira tentativa, e olha, o resultado foram quase U$200 milhões nas bilheterias no momento que estou escrevendo o texto.

Quando se encontram por acaso em uma situação desconfortável, a jovem estudante de direito Beatrice (Sydney Sweeney) e o galanteador Ben (Glen Powell) decidem sair em um encontro, onde se dão muito bem e dormem juntos. No entanto, após um desentendimento na manhã seguinte, eles decidem que não irão dar certo juntos. Anos depois, quando a melhor amiga de Ben, Claudia (Alexandra Shipp) vai se casar com a irmã de Bea, Hallie (Hadley Robinson), na Austrália. Nisso, os nossos protagonistas são forçados a se reencontrar em uma viagem desconfortável, onde ele irá se reencontrar com a ex-namorada, Margaret (Charlee Fraser), pela qual ainda é apaixonado, e ela por ter que mentir para seus pais sobre ter largado a faculdade enquanto eles a pressionam sobre sua vida amorosa. Com isso, eles decidem deixar as diferenças de lado e se fingirem como um casal pelo fim de semana, mas essa brincadeira pode acabar não se tornando tão falsa assim. Você que acabou de ler isso pode concordar comigo: é a trama mais batida da história do gênero, não tem como, você já viu oitocentas histórias desse tipo, mas, que funciona, não seria clichê se fosse ruim.

É o clássico "enemies to lovers" sendo bem feito, aquele tipo de história onde os personagens principais sentem que se odeiam quando na realidade é apenas um tesão reprimido. A direção é do Will Gluck, que já é experiente em comédia romântica, tendo feito uma das minhas favoritas, "Amizade Colorida" (2011), que é um "friends to lovers"...? Por assim dizer. Mas a essência é a mesma: adultos agindo feito adolescentes em questões amorosas. Lá era o sexo descompromissado, como o título indica, aqui é um casalzinho que se une para causar ciúmes em terceiros, não há nada que remeta mais a uma série teen do que isso. A diferença é que Gluck utiliza muito bem a parte cômica do gênero, tanto quanto o romance, tornando assim suas obras não apenas fofinhas e romanticamente esperançosas, mas também verdadeiramente engraçadas. Ele sabe usar o humor de situação muito bem, são aquelas coisas absurdas que acontecem nessas romcoms que você fica "não é possível", e é tudo muito bem encaixado, as piadas estão dentro de um tom e contexto bem construído, não dá para dizer que ele erra nessa parte.

O que faz funcionar mesmo como um todo é o casal principal: Glen Powell e Sydney Sweeney. Pode parecer estranho à primeira vista, eles devem ter uns dez anos de diferença na vida real, mas não dá para negar que a química é ABSURDA, na realidade, isso nem química é, é tesão mútuo. Pensa num casal que você sente que já se devoram nos olhares, é isso, os dois tem uma aproximação tão absurda, um relacionamento tão bem construído dentro e fora do longa, que a esposa do Glen largou ele depois de ter visto um corte do filme (também, deve ser esquisito ver o marido se agarrando pelado com uma mulher mais nova e nitidamente estar gostando). São personagens legais, eles tem questões identificáveis, o Ben é aquele cara que pode parecer bem de vida, mas na realidade é um baita vagabundo e medroso que parece estar estagnado. Enquanto Bea é aquela pessoa que está em dúvida sobre tudo, não conseguiu se manter num relacionamento com seu ex-noivo pela conformidade, não conseguiu se decidir qual área queria seguir no direito e largou a faculdade, ela é quem não queria estar estagnada, mas pelas incertezas acabou ficando. Você consegue comprar essas dificuldades que eles sentem, apesar de parecer em alguns momentos um "white people problems", são coisas que podem afetar qualquer um quando menos se espera.

A dinâmica é a base para funcionar, seja entre o casal ou deles com seus coadjuvantes. Tem aquele lineup clássico de comédia romântica: um casal feliz, o melhor amigo cheio das piadocas, os pais ricos de alguém, a ex e um alívio cômico escrachada. Cara, honestamente, a maior parte desses não é lá grandes coisas, eu gosto da Alexandra Shipp no filme como metade das noivas, do GaTa como o amigão engraçado, mas o destaque é o surfista engraçadão australiano, esse cara é intankável, só de olhar para a cara de doido dele dá vontade de rir. A interação entre Sweeney e Powell é excelente, não só na questão carnal que nem eu citei anteriormente, mas comicamente, a dupla é excelente, o timing das piadas é maravilhoso e a quest recorrente da música "Unwritten" da Natasha Beningfeld é ótima, um uso excelente e que marca, voltaram o sucesso de mais uma música de vinte anos atrás nesse final de temporada, e os créditos, com todo mundo cantando essa música, me faz pensar que o gênero está voltando aos eixos.

Dá para afirmar que "Todos Menos Você" é a tentativa de retorno das comédias românticas aos cinemas que chegou mais perto do objetivo, na realidade, o concluiu, alcançando marcas impressionantes nas bilheterias e uma repercussão extremamente positiva por parte do público. É novidade? Não, nem um pouco, inclusive é uma releitura de um conto de Shakespeare que o transforma em uma romcom contemporânea. É um daqueles clichês bem feitos, onde você acaba criando uma conexão com a história, o casal principal é ótimo e tem uma química absurda (é tão grande que causou uma separação - lá ele), o timing cômico é excelente e é daqueles filmes que você sabe ele de cor, exatamente o que vai acontecer, como vai acontecer, quais as armas de Tchekhov, mas a vibe que passa acaba sendo conquistadora, somado ao bom elenco e a uma música que marca, fica melhor ainda.

Nota - 7,5/10

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