Crítica - Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice (Beetlejuice Beetlejuice, 2024)
Uma continuação divertida, mas talvez não necessária...
36 anos depois, eu repito, 36 anos depois do primeiro filme, Tim Burton finalmente tomou vergonha na cara e decidiu realizar a sequência de um dos seus grandes filmes, um dos seus primeiros de sucesso. Alguns meses atrás, eu trouxe por aqui a crítica do primeiro, que continua funcionando nos dias de hoje, apesar de que, né, o antagonista, nosso querido Beetlejuice (ou Besouro Suco), não envelheceu tão bem em suas ações, sendo um cara meio assediador (meio não, completamente), que não pode ver um rabo de saia que já quer sair beijando e se casando. Não é um filme que seria bem quisto se fosse feito daquela maneira hoje em dia, onde a própria Winona Ryder só tinha 17 anos e foi colocada em uma situação não muito legal por lá. No entanto, temos aqui uma sequência, que atualiza bem coisas que ficaram erradas lá no anterior, mas, que apesar disto, não perde sua essência, ao mostrar a bobagem, a diversão e a loucura extrapolada clássica do diretor. Já começo dizendo que conseguimos perceber o quão gigantesco é esta franquia e este personagem que dá título ao longa, ao vermos que arrecadou mais de US$450 milhões em bilheteria no mundo todo e poderia ter sido mais, caso não fosse a Warner cagando no pau e colocando o filme muito cedo para aluguel digital. Eu fico feliz com isto, de ver como um filme tão legal e um diretor que eu gosto muito são ainda amados, apesar de parecer que ficaram ultrapassados, deu para provar que é algo que ainda vive na mente das pessoas.
Três décadas após os eventos do filme anterior, Lydia (Winona Ryder) agora é uma médium extremamente famosa, com um programa de televisão muito repercutido, que tem um relacionamento com seu agente, Rory (Justin Theroux), mas que enfrenta problemas com sua filha adolescente Astrid (Jenna Ortega), a qual odeia a mãe pela ausência em sua vida nos últimos anos. Quando Delia (Catherine O'Hara) avisa Lydia de que seu pai, Charles (interpretado por Jeffrey Jones no clássico), virou camisa de saudades, a família retorna para a casa no topo da colina em Winter River, New England, para o funeral do patriarca. No entanto, entre surpresas e desavenças familiares, os dons de Lydia para ver fantasmas vão levando ela de volta ao caminho do famigerado Beetlejuice, ou Besouro Suco (Michael Keaton), descobrimos que tudo aqui é mais do que parece. O Sucão está fazendo sucesso com o seu empreendimento no pós-vida, porém, lá, terá de fugir de sua ex-esposa no mundo real, Dolores (Monica Bellucci), que despertou e quer vingança contra ele. Ele conta com a ajuda de Jackson (Willem Dafoe), um ex-astro de filmes de ação, que virou um detetive daquele mundo. Tendo continuado sua paixão platônica por Lydia, este fantasminha trapalhão irá armar muitas travessuras e gerar muitas confusões, hoje, no Legado Cinematográfico!
Cara, eu vou começar falando do que eu não gostei, para depois já partir para o lado bom da história. A coisa que mais me incomodou em vários momentos foi a necessidade de reafirmação de várias informações durante o início do filme. Para falar a real, o início em si já não foi muito cativante, pois ele acelera várias informações e começa com algumas viagens do Tim Burton, onde umas funcionam e outras acabam sendo meio inúteis para um contexto geral, onde nem uma ideia artística da coisa acaba salvando. Mas, através de diálogos e detalhes, somos obrigados a pegar várias informações que não precisávamos ser tão informados por tanto tempo. A principal delas é a negligência de Lydia para com Astrid, pois em uma cena já sabemos desse conflito, porém, fazem questão de ficar enfiado na nossa cara o quanto Lydia de sente uma péssima mãe, e Astrid acha ela a mesma coisa, e por aí vai. Também tem o fato de Astrid ser uma ativista ambiental, que é dito e demonstrado de inúmeras formas, chega a um ponto do celular dela ter como papel de parede a frase: "pare o aquecimento global", porém, é uma informação tão qualquer coisa, que até esquecem disso do meio para o final, na realidade acaba que não impacta em nada, poderia até ser algo interessante a ser explorado quando ela tem um certo reencontro, no entanto é sequer mencionado e acaba que há um desperdício de algo que poderia ser bem utilizado.
Outro problema acaba sendo a presença antagônica de Monica Bellucci, interpretando a ex-mulher do Besouro Suco. Ela é uma antagonista da trama? Não, ela é uma antagonista do filme em si, pois ela mais atrapalha do que ajuda a construir esta história, realmente não tem sentido a existência da personagem dela por aqui. Na real, precisamos falar que ela só está aqui devido o fato de ser a namorada do Tim Burton na vida real, o que não faz o mínimo sentido um bigodudo com cara de pseudo Einstein namorar com uma milf semideusa europeia, mas ok, voltando para o filme. É interessante a forma como a personagem é apresentada, grampeando as partes de seu corpo que estavam separadas, logo após tendo um flashback em espanhol, em preto e branco, com uma visão artística bem interessante do relacionamento dela com o Beetlejuice (ainda nessa cena mostrando como era o personagem antes de ir de Vasco, resolvendo um mistério bastante interessante deixado pelo primeiro). No entanto, a trama vai andando e ela vai ficando de lado, ela aparece pontualmente, faz a mesma coisa de sempre, parece que vai ser a grande vilã, mas é aquela sensação de bola na trave, fica ali sempre no quase, acaba que é mais um grande nepotismo, ou um exibicionismo do Burton de como a namorada dele é gostosa.
Tem ainda outras questões que eu não gosto, mas acho que são por menores, creio que a duração seja muito curta, se tivesse quinze minutos a mais dava para explorar outras coisas de uma maneira bem melhor. Tem um certo twist aqui que eu achei extremamente interessante quando aparece, quando é trabalhado, realmente traz um elemento de tensão para o longa, traz mais peso para o arco da Astrid, da Lydia e para essa relação conturbada das duas, no entanto, é resolvido de forma apressada desnecessariamente, podendo ter mais uns dez minutos de tela facilmente e trabalhar bem melhor o que já é bom. Creio que este seja o principal problema, na realidade: a duração. É uma obra com uma hora e quarenta e sete minutos, é pouco tempo para muitos personagens em tela, é difícil conseguir realinhar todos eles numa mesma trama paralela. Geralmente eu reclamo de longas que são maiores que o necessário, aqui ele é o contrário, deveria ter mais para comportar tudo o que o Burton queria contar por aqui, fiquei com a impressão de ter muita coisa cortada e isso acaba que deixa o longa mais raso do que ele realmente é, pois dá para perceber que existia uma profundidade que não foi aproveitada por lá.
No entanto, é inegável que é muito legal ver os personagens antigos de volta, tanto a Winona Ryder como Lydia, quanto a Catherine O'Hara como Delia, mas principalmente o Michael Keaton como Besouro Suco. Vou começar falando delas, porque vou reservar um parágrafo só para o Besourão. Cara, como é massa ver a Lydia depois de tanto tempo, vimos ela criança, gótica, desiludida e agora vemos ela como adulta, como mãe, viúva, cara, é uma loucura. A Winona Ryder é muito carismática, é legal ver ela de volta nesse papel. Ela está diferente, mais madura, mais centrada quanto suas ações, mas sem deixar seu carisma de lado. De vez em quando, não vou mentir, parece a Joyce Byers de "Stranger Things" com as roupas da Lydia, o que não é pejorativo, já que os arcos de ambas as personagens da atriz acabam tendo semelhanças, mas que são funcionais dentro de cada história. É difícil descrever o quão me deixou feliz ver ela de novo, com aquele visual gótico, com a personalidade forte, ver ela sendo mais feliz, dá um quentinho no peito assistir isso. Eu só senti falta de mais menções aos Maitland, os protagonistas do original, que são citados apenas uma vez em uma frase e sequer são lembrados de qualquer outra forma com exceção desta menção jogada. Tudo bem que o Alec Baldwin não está num bom momento para se envolver num projeto, mas eles poderiam ter dado um jeito de encaixar o casal aqui de alguma maneira, pelo menos uma carta ou sei lá.
A Catherine O'Hara, meu irmão, parece que não passou um segundo desde o clássico, pois aquela personalidade artística e exagerada continua a mesma. É a mesma sensação difícil de explicar que eu citei sobre a Lydia no último parágrafo: é muito massa ver ela novamente. Todo esse arco dela de luto quanto ao marido e como ela lida com isso daquele seu jeito metido e exótico, como ela quer sempre ser o centro das atenções mesmo que envolva os outros, é muito fidedigno ao que já havia sido apresentado antes. As cenas dela são algumas das mais engraçadas, essa necessidade por atenção que colocam nela geram belos momentos cômicos. Outra que é legal é a Astrid, apesar da Jenna Ortega estar sendo cotada para todos os papéis de Hollywood, ser a Zendaya 2.0, eu ainda gosto dela, acho uma boa atriz. Ela aqui tem a oportunidade de atuar como alguém mais comum, diferente da Wandinha, aqui ela tem espaço para trabalhar como uma personagem mais palpável, mais crível de existir, que tem suas lutas e crenças pessoais, que tem saudades do falecido pai, uma relação rachada com a mãe, como isso faz com que ela crie uma rebeldia mesmo que sem querer. Ela não é tão sombria, isso é um acerto, acaba que se distancia de ser uma cópia tanto da Lydia no original, quanto dela mesma de repetir o mesmo arquétipo, mas ela tem convicções que geram uma boa adição.
Agora, meu parceiro, Michael Keaton como Besouro Suco é um dos grandes personagens cômicos do cinema, acho que não é nem exagero falar isso, mesmo quem não gosta de um filme, do outro, ou dos dois, tem de admitir que ele é sensacional. Aqui ele tem muito mais tempo de tela do que o anterior, muito mesmo, e eu lembro de ter falado lá que no original ele funciona bem porque ele aparece pouco e sendo ele um personagem que é insuportável por natureza, ficaria inviável ele aparecer durante toda a exibição enchendo o saco e fazendo gracinha. Aqui há muito mais dele, porém, ele não é o protagonista, ele ainda é só aquela figura fantasmagórica engraçadona e bisonha que aparece de vez em quando para atormentar. As participações dele são muito bem comedidas, eles sabem onde ele se encaixa melhor e como ele se encaixa melhor. O que me deixou mais feliz foi que não tiraram a essência dele de maluco predatório, ele continua sendo um grande assediador, mas dessa vez, ao menos, só de maiores de idade. E o Michael Keaton é maluco, cara, ele é uma luva no papel, não é atoa que ele é icônico, ele consegue ser um dos personagens mais clássicos dos anos 80 e fazer esse repeteco com maestria, ele é bizarramente bom na atuação, não tem o que tirar dele em cena e nem o que adicionar, a forma como ele está inserido é perfeita.
Tem outros personagens novos que acabam agregando para o longa como um todo, alguns mais para a trama, outros mais para o entretenimento, mas o que importa é que não parece que nenhum deles é feito de qualquer jeito igual a Monica Bellucci. Tem o Justin Theroux aqui, interpretando o interesse romântico da Lydia, que é aquele caso clássico do cara que só quer dinheiro e fama em cima de uma figura rica e popular como a Lydia. O Theroux é muito carismático, ele arranca boas risadas, tem ótimos momentos cômicos e ele ser esse canastrão agrega bem para os arcos dramáticos da Lydia e da Astrid, mas também para a comicidade do longa. Comicidade esta cujo Willem Dafoe contribui bastante para melhor, até porque é impossível o Dafoe ser ruim em algum papel. Tudo bem que ele tem uma função quase zerada na trama, ele não traz muito que agregue muito para nenhum arco, mas é muito engraçado. Ele interpreta um ex-astro de filmes de ação que morre fazendo uma cena, só que o que deixa cômico é que ele realmente assume essa persona de Liam Neeson para sua construção, ele realmente acredita que ele era um detetive que poderia sair no tiro com todo mundo e isso é muito bem feito, você acaba se divertindo com ele apesar da aleatoriedade. E tem o namoradinho da Astrid, que tem um plot twist bacana envolvendo ele, mas que tirando isso não agrega tanto qualitativamente, no entanto, faz a história andar.
A construção de mundo do Tim Burton continua espetacular, ele tem várias decisões criativas por aqui, algumas que eu acho bacanas, outras que eu discordo, mas que agregam bem para a maluquice aleatória desse mundo. Eu acho muito interessante já começar o filme gravando a maquete como cenário, que além de fazer uma referência ao próprio diretor no início da sua carreira, ainda faz uma boa correlação com o original ao ser a mesma maquete que o personagem do Alec Baldwin passa o longa anterior inteiro falando e construindo. A direção de arte é muito boa, é muito nostálgico revisitar aquela mesma casa, aquele mesmo porão, mas acaba se destacando pela construção de Winter River, de como é uma cidade pacata, onde tudo é próximo, mas o trabalho se destaca pelo mundo do pós-vida, aquela construção lúdica e fantasiosa de empresa já era muito legal, mas aqui melhora ao explorar mais setores disto. Também é legal voltar aos cenários antigos, como ele voltando para aquela lua de Saturno com aquele deserto e trazendo de volta aquela minhoca de massinha. Cara, eu fiquei muito feliz com essa decisão criativa de manter a estética oitentista da cenografia, não se envergonhar das maquetes, dos materiais e visuais plásticos, é muito legal ver esse tipo de decisão no cinema atual funcionar. Os figurinos seguem a mesma estética, trazendo todo esse estilo gótico e de fábula emo para essa história, os vestidos, as roupas usadas pela Lydia contam uma história. A maquiagem também é excelente, no mundo dos mortos, referenciando como cada pessoa morreu, mudando o tom da pele para um azul, é muito bem feito, é muito criativo, acaba funcionando.
Fazendo jus ao nome, "Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice" traz consigo uma bela obra legado, uma boa adaptação para os dias de hoje de um clássico da Sessão da Tarde. Há uma atualização da linguagem atualizada, onde continua sendo um filme focado para o público infanto-juvenil, mas atualizado para as crianças e, principalmente, adolescentes de hoje em dia. No entanto, sua linguagem é tão abrangente que não exclui os adultos, criando um bom drama de mãe e filha, questões envolvendo traumas, luto, amor, fazendo disso tudo muito bem para conseguir conquistar todo o tipo de público possível. Tem muitos defeitos, isso é inegável, tem muita história para pouco tempo, a obra poderia ser mais longa e resolver melhor várias coisas em mais alguns minutos. Ótimos retornos de Winona Ryder e Catherine O'Hara em suas personagens icônicas, boas adições por parte de Jenna Ortega, Justin Theroux e Willem Dafoe, mas o destaque sempre cai para o Michael Keaton loucão como Besouro Suco, que mais uma vez rouba a cena em uma participação marcante. Me agradou no geral, mas questiono a existência. Será que era preciso ter essa sequência? Bom, creio que sim este universo merecia expansão, mas também acredito que não dessa forma que foi feita, acaba que entra no mesmo limbo de "Toy Story 4", por exemplo. Mas, no geral, eu curti, apesar de demorar para engrenar.
Nota - 7,0/10