Crítica - Balada de um Jogador (The Ballad of a Small Player, 2025)
O início da decadência de Edward Berger?
Cubri bastante a carreira de Edward Berger aqui na página, pelo menos nos últimos anos, onde ele deslanchou e fez filmes tão aclamados que chegaram ao Oscar tendo diversas indicações, como o excelente "Nada de Novo no Front" (2022) e o bom "Conclave" (2024), que ele conseguiu a coincidência inacreditável do destino de concorrer ao carecão dourado na mesma época que veio a falecer o então Papa Francisco e realmente tivemos um novo conclave. Berger retornou para mais um filme pouco tempo após o sucesso do filme de padre, agora retomando a parceria com a Netflix e fazendo um filme sobre poker e crime, estrelado pelo grande Colin Farrell e baseado no romance "The Ballad of a Small Player", de Lawrence Osborn. Berger, que vinha tendo esse grande prestígio, vencendo diversas premiações, seus filmes recebendo esse amor da crítica, do público, dos grandes prêmios, era a expectativa que se repetisse mais uma vez e este também tivesse uma boa recepção por parte de todo mundo, contudo, não foi bem isso que aconteceu. Recepções mistas aconteceram desde seu lançamento no Festival de Telluride e posteriormente em sua exibição no TIFF, assim, baixando um pouco a bola de Berger e da Netflix em relação ao que era esperado. Mas, é realmente fraco? Realmente é abaixo dos outros filmes do diretor? Ou a barra está lá encima?
Acompanhamos a história de Brendan Reilly (Colin Farrell), um financiador irlandês, que após se envolver com crimes fiscais envolvendo jogos de azar em Londres e tornar-se procurado pela polícia do Reino Unido, decide forjar a sua própria morte e fugir para o grande território de Macau, adotando a identidade de um aristocrata inglês, se chamando de Lord Doyle. Dando sequência à carreira de jogador nesse novo local, Doyle tem sequências invictas, de formas nunca antes vistas, sendo um dos melhores jogadores que os cassinos de Macau já viram. Contudo, a forma como ele ganha seus jogos começa a fazer com que ele esteja aos poucos se entregando, nisso, começa a ser investigado por Cynthia Blithe (Tilda Swinton), uma investigadora que lhe avisa que ele tem pouco tempo para voltar a Londres, pagar o que deve e se entregar, antes que seja tarde demais para apagar seus erros. É uma trama bem simples, no que é o filme mais curto do Berger, é algo mais centrado em um só personagem, que tem um arco pessoal, fugindo do que o diretor entregou em suas últimas obras, onde o Paul em "Nada de Novo no Front" era apenas um passageiro da agonia em meio à crueldade da humanidade na Primeira Guerra, sendo basicamente um avatar no meio do campo de batalha, e o Cardeal Lawrence em "Conclave" era apenas um espectador de uma história que não envolvia apenas ele naquele contexto, aqui temos a história sendo sobre um personagem e todo o background e todo o desenvolvimento que ele tem e terá apresentado, mas, curiosamente, essa ideia narrativa que me agrada mais, vem no pior dos filmes de Berger que eu vi até o momento.
Como disse no meu texto de "Conclave", Berger é um diretor muito estético, que usa muito dos artifícios técnicos que ele põe em cena para ajudar a contar a trama de seus longas. Aqui, ele utiliza muito da estética, mas pouco dela é realmente útil para contar uma história. Diversas vezes, Berger demonstra-se mais interessado em fazer imagens bonitas e wallpapers aesthetics do que em construir uma narrativa coesa. A realidade é que a premissa já não é tão cativante assim, e a maneira na qual ela é desenvolvida também não a torna grandes coisas. Existe muita coisa visual, e claramente é de maior interesse do Edward Berger ter as imagens, e a imagem realmente é importante, o visual é essencial para o funcionamento de um filme, mas ele não é tudo, falta algo, já que a obra torna-se oca, onde é uma cobertura bonita e bem trabalhada por fora, mas vazia por dentro. Quando eu falo que o maior interesse é claro nas imagens bonitas, é ao ponto de termos planos e frames focados em cenários, localizações ao fundo, cartas, fichas de poker, mesas, objetos de cena e até mesmo pratos de comida, isso aqui é um prato cheio para os viciados em Pinterest, porque só tem wallpaper a rodo por metade do longa.
Toda a jornada de Lord Doyle é muito apagada por conta desse interesse maior pela estética, e acaba que não existe conexão nenhuma com este personagem, com sua jornada e tudo o que ele passa. É difícil saber até o que ele é ou era, tudo bem, ele é um apostador, jogador de poker, mas antes disso? O background dele é muito raso e acredito que dentro do contexto da história era essencial que entendessemos melhor quem era o Brendan Reilly, mas ficamos muito presos a esta persona do Lord Doyle que não é tão cativante quanto deveria. Por mais que o Colin Farrell verdadeiramente tente, ele está realmente muito bem no longa e entrega uma baita atuação. Muitas vezes parece que o longa constrói diversas situações no entorno dele para causar cenas onde a atuação dele possa render uma indicação ao Oscar, acredito até que haja um pouco dessa intenção, mas genuinamente o Farrell dribla isso e entrega uma bela atuação em um filme esquecível. Tem uma cena onde ele está sobrecarregado, prestes a infartar, em meio a um restaurante. Essa cena é longa, mas durante ela toda, apesar desse foco irritante em objetos e cenários inúteis com o objetivo estético, o Farrell manda muito bem e consegue passar uma emoção genuína no que ele traz para a tela. Ele sabe entregar bem o desespero, a urgência que o personagem tem em diversos momentos, assim como sua frieza, seu calculismo, ele tem esse tom mais sério quando assume essa postura de Lord Doyle, querer se passar por um aristocrata, um cara mais centrado, mais sério, é realmente bem atuado.
Ainda existem duas relações que, em teoria, são importantes para o personagem dentro da narrativa, mas que acabam não funcionando. Uma delas é da suposta amante do Lord Doyle, a Dao Ming, interpretada pela atriz Fala Chen, e olha, eu falo suposta, porque o filme nunca deixa claro o que de fato ela é do Doyle, eles deixam coisas em aberto que não deveriam, pois acaba tirando muito do peso da jornada do próprio protagonista. Até existe uma boa cena, que é na ilhazinha, no chalé, mas no resto do longa não tem mais nada, é só um amontoado de cenas dele correndo atrás dela que não tem impacto nenhum, é uma relação muito mal explorada e sem sal. Outra personagem é a Cynthia, interpretada pela grande Tilda Swinton, que é a investigadora britânica que vai atrás dele, sabe quem ele realmente é, e irmão, que relação bem ruim a desses dois, pois começa nessa dela disfarçada, aí ela revela quem ela é de verdade e que sabe quem o Doyle é de fato, e nessa cena da revelação de que ela está investigando ele, tem um princípio que me deu uma esperança do longa dar uma melhorada, que foi quando ela dá a ele um objetivo que geraria uma urgência muito grande, e eu pensei que talvez o resto do filme poderia ser isso, mas acaba que essa urgência dura menos de dez minutos e depois volta para a chatice monótona das estéticas dos planos de prédios e pratos. Ela ainda some do filme, volta do absoluto nada, tem uma construção patética dessa relação, e por fim, tem uma cena pós-créditos vergonha alheia dela dançando com o Colin Farrell. Chega a ser piada.
Ah, na real, nem sei o porquê de eu estar escrevendo crítica disso, talvez seja só para encher linguiça mesmo, dizer que eu fiz, mas meu irmão, que filme bem ruim. É uma pena, já que Edward Berger vinha numa sequência boa, eu gostei muito, muito mesmo de Nada de Novo no Front, é um filme que cresce cada vez mais quando eu penso nele, eu também achei Conclave bem bacana apesar de abaixo, agora, é impossível ver "Balada de um Jogador" sem sentir sono umas três vezes, no mínimo. Irmão, esse filme tem uma hora e quarenta de duração, contando créditos e tudo, e ele parece que nunca acaba, o final desse filme é quase uma tortura, porque você já está arrebentado e todo cansado, mas continua sendo obrigado a ver aquela fotografia neon com os planos de Pinterest a cada segundo, para complementar, nem quando os créditos sobem o filme de fato termina, pois ainda tem uma cena pós-créditos muito da vergonha alheia para acontecer. Colin Farrell realmente está ótimo no filme, é difícil ele estar mal em alguma coisa, devo dizer que está se tornando um dos meus atores favoritos da atualidade, pois cada novo trabalho dele me cativa para assistir até o final, até mesmo uma porcaria como esta, mas tirando ele, o que sobra? Edward Berger, você é beta, pois sobram só migalhas de um trabalho técnico, que sim, é bem feito, baita fotografia, iluminação, design de produção, até a trilha sonora do Volker Bertelmann eu achei ótima, mas do que adianta tudo ser bem feito individualmente, se juntando tudo isso não me causar nenhum sentimento em troca? É vazio, é simplório e é entendiante.
Nota - 4,5/10