Crítica - Ataque dos Cães (The Power of The Dog, 2021)
🚨🚨 Texto com spoilers 🚨🚨
Esse texto baseia-se na minha segunda visita ao filme, na primeira vez que eu vi, há mais de um mês atrás, eu gostei muito do filme e achei maravilhoso, porém só agora revendo eu entendi realmente o que o filme quis falar, entendi sobre o que o filme se trata e notei várias coisas que não notei na primeira vez e vendo agora, que obra-prima! O filme melhorou mil vezes no meu conceito, é muito maluco quando você revê os filmes e nota coisas que não tinha notado anteriormente e com isso o filme melhora absurdamente.
Jane Campion voltando depois de 12 anos, parece que nunca parou, é um filme trabalhado com tanta delicadeza, beleza, dedicação, é um filme muito sensível que vai melhorando a cada segundo, pois ele começa como um filme de drama comum, mas a cada segundo vai melhorando, ficando cada vez mais tenso, criando casa vez mais suspense, a Jane Campion vai alimentando a tensão dentro do filme a casa cena, é um filme de faroeste/drama/romance que cria tensão melhor que 90% dos filmes de terror sem ser hiperbólico, é um filme sobre rivalidade: Phil (Benedict Cumberbatch), um homem que acha que está protegendo sua família contra Rose (Kirsten Dunst) uma mulher que está se sentindo perdida no mundo e a construção e desconstrução desses dois personagens ao longo do filme é algo absurdo, o filme começa com esses dois em tais tipos de arquétipos e depois com a destruição desses arquétipos vemos que o cowboy machão é na verdade um provável gay enrustido e a viúva coitadinha é uma alcoolista adoecida, aprofundarei isso nos próximos parágrafos.
Eu vi o filme na primeira vez me perguntando "o que que tem a ver com cão?", pois, de verdade, cachorros aparecem muito pouco no filme, mas agora vendo o filme com mais detalhes, eu entendi: o cachorro é o Phil. Pensa: Phil é um cara calmo, domado, que fica feroz várias vezes e late, tenta atacar e o filme é praticamente isso, Phil é um cachorro, que grita com tudo que o irrita (seja uma música ou uma pessoa), se acha o maioral, não gosta de tomar banho e gosta de feder, é teimoso e se sente ameaçado quando seu irmão (que metaforicamente seria seu dono ~ bastante perceptível quando vemos que tem uma cena onde Phil espera seu irmão na cama - igual muitos cachorros - e também perceptível ao ver que Phil está sempre em casa e seu irmão está quase sempre fora) traz sua nova cônjuge para a casa deles. E o cachorro late, é um cachorro atrevido, que gosta sempre de provocar a rival, que faz ela se sentir mal e sempre vê oportunidades certeiras para conquistar seus objetivos egoístas. O nome do filme vem por conta da passagem bíblica citada por Peter (Kodi Smit-McPhee) no final do filme:
"Livrai-me da espada, livrai-me do ataque dos cães"
- Salmos: 20
E não é atoa, pois a metáfora aqui é que Peter envenenou Phil propositalmente para a proteção de sua mãe, pois a primeira fala do filme é um voice over do próprio dizendo: "desde que meu pai morreu, eu venho cuidando da minha mãe... Que tipo de homem eu seria se não cuidasse dela?" e a cada pequena referência, a cada pequena percepção, o filme vai melhorando para mim.
E gosto como Jane Campion trabalha os personagens além das metáforas também, como disse acima, a construção e desconstrução dos arquétipos é incrível. O Phil é muito bem trabalhado, toda essa questão do cachorro já citada e tal, mas gosto de como a Campion trabalha a personalidade e as relações dele, a personalidade dele é de um cara criado para ser o machão, o Sr. Testosterona, mas no fundo ele é um cara bom, Phil é facilmente o personagem mais odiavél do cinema em 2021 (se deixa a Kirsten Dunst triste, já tem meu ódio garantido), mas ao longo do filme o personagem vai crescendo mais e a gente começa a pensar: "pô, até que ele não é tão ruim", a gente vai vendo que o cara tem coração, sensibilidade e empatia (por mais que mínima) e eu adoro como a desconstrução do cowboy machão leva a uma insinuação de homossexualidade, não é nada explícito, mas dá para saber que ele é, pois ele se sente ofendido ao ver o Peter sendo chamado de "florzinha" e "viadinho", além de guardar várias fotos de homens fisiculturistas nus (tu não me engana). Essa desconstrução da masculinidade feita por Campion é algo tão satisfatório, eu odeio esses caras que de pagam de machão, que se acham incríveis por serem adultos e não terem sentimentos, aqui a desconstrução disso é muito boa de se ver, eu sou homem e odeio esses estereótipos de "macho", "homem da casa", isso não existe, é algo completamente sem sentido até, ter um homem na casa vai mudar nada e ser macho não é uma coisa muito boa, é um sinônimo de superioridade e superioridade é uma doença. E a atuação do Benedict é um absurdo! O cara convence mesmo, ele quando grita é incrível, ele quando provoca a Rose é incrível e depois quando a gente vai começando a ver a sensibilidade do personagens ele convence também, fazendo esse personagem mudar completamente, é a melhor atuação da carreira do Benedict, facilmente, na primeira vez que eu vi tive minhas dúvidas porque ele como Sherlock é sensacional, mas agora eu tenho certeza absoluta que a atuação dele é uma das melhores do ano e a melhor da carreira dele.
A desconstrução da personagem da Rose também é espetacular, a gente começa vendo ela como a mãe dona de casa e de restaurante, viúva, sozinha, mas feliz com o filho dela e com o que fazia, aí quando vem o primeira ataque do cão direcionado ao filho dela ela já começa a ficar um pouco pior, depois ao longo dos ataques do cão ela vai ficando cada vez pior, mais adoecida e cada vez mais precisando de um escape no álcool, até ela ficar doente de vez. Essa destruição do arquétipo da mãe saudável e que se importa também é muito bom, ela vai ficando cada vez mais destruída e é triste esse arco dela, como ela vai ficando cada vez pior e a Kirsten Dunst é uma atriz do cacete que consegue passar essa desconstrução da forma mais crível o possível, eu me emocionei real. O arco do Peter também é muito bom e nessa segunda vez, a atuação do Kodi Smit-McPhee me convenceu mais, ele provavelmente vai ganhar o Oscar e vai ser merecido, apesar de não ser minha atuação favorita da temporada, ele faz o personagem que acima de tudo ama a família dele, que faz de tudo para proteger a mãe e que também não se intimida, apesar de ser sentimental e um pouco medroso, ele vai melhorando ao longo da trama, ele vai ignorando as brincadeiras de mau gosto e os xingamentos e vai seguindo a vida dele e depois a construção do arco dele com o Phil é maravilhosa, pois vira a relação que o Phil tinha com seu ídolo, o Bronco Henry e ele vê uma oportunidade de repetir os passos de sua inspiração e vai parecendo uma relação bonita, até que o Peter mata o Phil por tabela.
Tem uma coisa que eu não gosto no filme que é totalmente pessoal, eu não vou falar porque de verdade não importa, é só algo que aparece demais e me dá agonia. "Ataque dos Cães" é, com certeza, um dos melhores filmes de 2021, o melhor filme da carreira de Jane Campion e tem as melhores atuações das carreiras de Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst e Kodi Smit-McPhee, dá o Oscar para todo mundo envolvido aqui, merece todos os prêmios possíveis (apesar de não ser meu favorito) desde de design de produção, fotografia e trilha sonora até melhor atriz coadjuvante, direção e filme, que filme lindo em storytelling, em metáforas, em visual, em estética, lindo em tudo, é um filme que impacta mais da segunda vez e já se tornou um dos meus originais Netflix favoritos de todos os tempos! Que filmaço! Arrepio só de lembrar!
Nota - 10/10