Crítica - Spencer (2021)
A fábula assustadoramente realista de Pablo Larraín sobre a mulher mais famosa da história.
Diana Frances Spencer, ou como a conhecemos, Princesa Diana de Gales, ou Lady Di, a personalidade feminina mais influente do Século XX, talvez seja a mulher mais famosa da história desse planeta atrás de sua ex-sogra, aqui temos uma obra, no mínimo, corajosa, ao pegar uma personalidade tão importante e influente com milhões de fãs até hoje, 24 anos depois de sua morte, e fazer simplesmente uma fábula semi psicodélica tratando-se do fim de semana mais importante de sua vida.
Para mim, só haviam dois diretores que poderiam dirigir um filme artístico sobre a Lady Di: Pedro Almodóvar (mas se fosse ele provavelmente a Penélope Cruz seria a princesa) e o que no final dirigiu o filme que é Pablo Larraín, Larraín é um cara perfeito para dirigir esse filme porque ele entende muito a mente de uma mulher e também entende muito a insanidade, se você viu "Ema", um filme dele de 2020 (filmaço, inclusive), você sabe do que eu tô falando, aqui ele trata o filme de uma maneira parecida porém menos contemplativa e mais "na lata", vemos um filme mais pé no chão, mas que vai muito a fundo na mente intoxicada da protagonista, que explora o quanto o estresse de sua vida como uma importante figura pública acaba afetando a sua vida pessoal e temos cenas aqui que são quase psicodélicas mostrando o quanto a mente de Diana foi sendo destruída aos poucos.
É um filme diferente do que eu achei que seria, achei que seria realmente um filme sobre a vida de Diana, mas logo nos créditos iniciais já me surpreendi ao ver que era uma fábula baseada em acontecimentos reais, Larraín assim assume um controle criativo enorme sobre a trama podendo fazer o que quiser e ele faz coisas espetaculares, gosto muito de algumas metáforas que ele põe aqui que ficam implícitas mas que são bem claras, como a metáfora da rainha Anne Boleyn, a rainha que foi decapitada pelo marido por não ser considerada mais a "ideal para assumir o trono ao seu lado", uma metáfora clara para a teoria de que o príncipe Charles teria mandado matar Diana, é impressionante quantas vezes é referenciado esta teoria implicitamente dentro do filme, como terem obrigado ela pela primeira vez a se pesar (por que será que queriam tanto saber o peso atual dela, né?). A morte de Diana em si é várias vezes referenciada, vemos vários momentos de Diana beirando a morte dentro da sua cabeça, tem uma referência a acidente de carro no início do filme, é um filme que mostra já como naquela época, a morte de Diana já era uma questão de tempo.
A personagem em si também é muito bem desenvolvida, vemos Diana no filme como uma mulher que tem um instinto materno muito forte (uma característica sempre presente nas personagens de Larraín), uma mulher que é forte mas que é medrosa, uma mulher com vários vários problemas, que é excluída da família real (isso é demonstrado por literalmente só ter um diálogo direto de Diana com um membro da família real sem contar seus filhos), vemos Diana falando e mostrando sua infância, suas boas lembranças, também mostrando seus traumas, seus medos e suas inseguranças, ela está tão cansada e intoxicada já que só tem uma pessoa que a entende: Maggie (Sally Hawkins), a personagem da Maggie é como uma válvula de escape da princesa, ela entende ela, sabe do que ela tá falando e o jeito que a relação é mostrada pelo Larraín no filme é sensacional, é uma relação de companheirismo mesmo, uma ama a outra mesmo estando em patamares infinitamente distantes, parece que essa distância nem existe, a Sally Hawkins também está muito bem no papel fazendo aquele papel clássico da melhor amiga, mas é um papel clássico bem feito, ela se sai muito bem e o ápice da atuação dela e da relação é na cena da praia, uma cena magnífica.
E claro, não podia deixar de falar de Kristen Stewart, uma atriz criticada por muitos (inclusive por mim e não foi só uma vez), mas aqui ela se prova uma senhora de uma atriz, ela demonstra todos os tipos de medos, inseguranças e desconfianças da personagem, ao mesmo tempo que traz a personalidade da real Diana para o papel, uma personalidade realista mas que tem um lado bastante humano e que as vezes esquece que é famosa (como no início da cena da lanchonete), nas cenas normais dela ela tá bem, nas cenas que ela tem surtos em menor escala ela tá maravilhosa, em suas cenas de grandes surtos ela tá colossal, uma atuação surpreendentemente maravilhosa e eu nunca achei que ia torcer para uma atriz de cinebiografia ganhar o Oscar, que performance, meus amigos... Que performance gigantesca!
E Kristen Stewart não parece com Diana só na personalidade, o trabalho do departamento de maquiagem e hairstyling para deixar a atriz idêntica à Diana é incrível, em alguns momentos eu juro que eu conseguia ver a cara da Diana ali, a prótese no nariz, o penteado esteticamente arrumado, isso é um baita trabalho técnico que merece ser questionado sim porque foi esnobado na pré-lista do Oscar. Outros aspectos técnicos maravilhosos que merecem serem destacados são o design de produção e a construção daquele palácio, o pessoal que decorou o set tá de parabéns, realmente a rusticidade e a finura do local dá a impressão de ser um palácio de gente importante. A fotografia é maravilhosa principalmente na questão do uso de paleta de cores que vão ficando sempre mais claras em cenas que Diana está feliz e sempre mais trevosas nas cenas que Diana está com problemas. E também Jonny Greenwood na trilha sonora, outra trilha sonora absurda dele nesse ano e é uma trilha que vai crescendo junto com o filme, o ritmo do filme vai demandando mais da trilha para acompanhar e acompanha, é uma trilha forte e impactante, que compositor excepcional está se mostrando Jonny Greenwood no cinema.
O filme tem alguns problemas, principalmente em relação ao ritmo em algumas partes no meio, mas não é nada que atrapalhe muito na experiência, apesar de ter algumas cenas que parecem durar uma eternidade. "Spencer" é um filme sensível, pesado e fabuloso (literalmente), um filme sobre uma mente corrompida que vai se corrompendo casa vez mais, um filme que tem momentos gloriosos, que tem um grande storytelling e que foge de ser uma simples biografia para ser uma fábula semi psicodélica que funciona quase como um "Taxi Driver" feminino (essa última parte é sacanagem, não dá bola). Até o momento é o filme da carreira de Pablo Larraín e a performance da carreira de Kristen Stewart. Superou e demais minhas expectativas!
Nota - 8,5/10