Crítica - Clube da Luta Para Meninas (Bottoms, 2023)

Elas são realmente passivonas.

Às vezes as inspirações que um longa tem são variadas, só que nesse caso eu acho que extrapolam as expectativas ao termos uma mescla inesperada do clássico "Clube da Luta" (1999), de David Fincher, com comédias adolescentes sobre ensino médio e/ou sexo, como "Meninas Malvadas" (2004) e os spin-offs de "American Pie". Sim, conseguiram essa proeza. Dirigido pela praticamente novata Emma Seligman, que alguns anos atrás fez "Shiva Baby" (2020) - que eu não vi e até alguns minutos atrás sequer sabia do que se tratava - com sua fiel escudeira, a atriz, comediante e co-roteirista, Rachel Sennott, cujo aqui a dupla se repete para fazer esse experimento maluco, misturando Fincher com Superbad e lésbicas para atingir um público muito específico (meninas adolescentes LGBTQIA+ iludidas da geração Z) e que, curiosamente, bombou no Letterboxd, o que traz à tona um termo que eu falei em duas das três críticas anteriores a esta, a "Cinefilia do Letterboxd", cujo supervaloriza filmes medianos ou apenas bons por serem diferentes do padrão, na teoria. Então, quando eu vi isso no meu LB pela primeira vez nos populares da semana, logo pensei: "ih, lá vem mais um", mas, dessa vez eu admito, me surpreendeu positivamente, é bem bacana.

Josie (Ayo Edebiri) e PJ (Rachel Sennott) são melhores amigas lésbicas que no último ano do ensino médio ainda são vistas como feias, excluídas, sem talento, irritantes e virgens (o que convenhamos, se não existisse homofobia, ainda seria motivo suficiente de bullying). Com isso, após se envolverem uma treta com Jeff (Nicholas Galitzine), o cara mais popular do colégio e quarterback do time de futebol americano, são vistas como valentonas e com essa reputação decidem criar um clube da luta (ou autodefesa) de mulheres, onde as meninas da escola poderiam cair na pancada sem perder a amizade para descontar suas frustações com o rumo que suas vidas vem tomando, mas que na realidade foi fundado para que elas conseguissem ficar com as garotas mais bonitas da escola: Isabel (Havana Rose Liu) e Brittany (Kaia Gerber). Nisso, elas fazem de tudo para conquistar corações e não serem descobertas. Emma Seligman trabalha essa comédia adolescente com a maior ignorância, mas num bom sentido, pois aqui não tem conversinha fiada, não tem piada que precisa ter algum conhecimento mega elevado para entender, é uma obra direta ao ponto, que utiliza um humor que zoa de tudo envolto nesse mundo do ensino médio, seja dos próprios alunos, professores, diretor e até dos pais, trazendo piadas que funcionam na maior parte das vezes e que sim, tem um certo direcionamento para um público alvo, porém a grande parte consegue servir muito bem para o público geral.

Seligman cria com maestria o senso de companheirismo e dinâmica entre as personagens principais, pois ela dá à dupla um destaque incrível que consegue transpassar muito bem para o espectador a longevidade daquela relação, o amor e "ódio" recíproco e como elas se complementam quando precisam ou contrapõem bem a outra caso a mesma esteja errada ou queira fazer algo que vá contra a amizade. Isso não seria possível sem Rachel Sennott e Ayo Edebiri nos papéis protagonistas, pois é inegável, é muita química e muita interação, as duas são espetaculares na comédia e boas no drama, tendo cenas incríveis onde se completam totalmente, que entrosamento perfeito. As duas mandam muito bem, eu não consigo definir qual das duas se sai melhor, acho que por ser uma personagem mais irritada e excêntrica Sennott se sai melhor, porém a Edebiri não fica para trás, inclusive é bem equilibrado, pois na comédia Rachel é superior e Edebiri se sobressai à ela no drama, tem aí uma certa ironia, mas que no final é uma dupla sensacional. As demais personagens femininas do grupo também são bem legais, mas especialmente a Hazel (Ruby Cruz), que é aquela adolescente que tem problemas com a mãe, o divórcio dos pais, que quer atenção, mas é mal incompreendida como chata, só que no final ele é bem legal e a atriz manda muito bem na parte cômica e até dramática algumas vezes.

A direção de Emma Seligman tenta equilibrar este humor com um drama, que fica em segundo plano, mas quando posto em tela, tem um certo impacto, porém na maioria das vezes é por besteira e o longa finge que reconhece isso, mas são uma falha na realidade. Esses draminhas de gostar da menina bonita da escola, de querer perder a virgindade, de brigar com um dos amigos e ele ir lá e ter uma atitude que vai contra os protagonistas e muitas outras que se eu continuar é bastante spoiler, nada é original e é aí que entra um grande problema do longa, que é a inspiração se tornar preguiça, pois a condução de Seligman volta o seu estilo para emular uma comédia adolescente, só que em alguns momentos torna-se preguiçoso e cria uma barriguinha anticlimática ali que poderia ter sido driblada facilmente, era só ter um esforço a mais, contudo, termina que no final eu senti que deveria ter tido mais coragem em alguns pontos, pois só há uma única decisão corajosa que era um break óbvio no clichê, só que isso acaba sendo substituído por outro. São certos acontecimentos ou arquétipos que tinham nesse tipo de longa lá nos anos 2000 que aqui são adaptados para lésbicas, por exemplo: tem uma personagem que tem amizade com a dupla de protagonistas e que quando eu bati o olho, eu logo pensei: "vai ficar com uma delas no final", e olha só, estava correto. Tem vários outros exemplos, mas esse parágrafo já tá muito grande para citar.

Tem uma zoeira frequente bem legal, principalmente quando a diretora tenta satirizar a masculinidade. Tentaram pintar "Barbie" (2023) como um filme "anti-homem", mas se esse tivesse o mesmo alcance, Barbie não seria nada, porque o tanto que zoam homem nesse aqui é impressionante, especialmente aqueles populares do colégio, os atletas, que são retratados como completos imbecis. Temos Jeff, que é retratado como o herói da escola, o capitão do time, o cara que é protegido pelos outros alunos como se fosse uma figura messiânica (isso não é exagero), especialmente seu braço direito, Tim (Miles Fowler), que é tão imbecil quanto (inclusive esse cara tem uma baita atuação, parecendo um psicopata, tendo um certo cinismo no seu rosto, é meio bizarro e bem engraçado). Através do professor, o Mr. G. (Marshawn Lynch) faz uma espécie de piada com aquele cara que teve um péssimo relacionamento recentemente e está com problemas com a esposa e desconta isso em todas as mulheres, mas não é de uma maneira misógina, é mais como um arrependimento das decisões dele mesmo (literalmente eu, melhor personagem desse filme). E tem uma cena que zoa aqueles velhos que adoram se pagar de héteros machões, que reclamam da geração mimimi, são "anti-lacração", mas que, curiosamente, adoram ver homens bombados se agarrando (piada mais engraçada do longa sem meme). Agora, se o filme é "anti-homem", bom, pode até ser, mas creio eu que é mais para cutucar a ferida do que ser contra, eu sou homem e particularmente não me incomodei, interpretei mais como sátira.

Uma coisa que eu não curti muito foi o final, ele é bem feito, mas vai muito longe. Pô, é uma comédia adolescente, se vende e se desenvolve desse jeito, mesmo com a assumida inspiração do David Fincher, ainda é sobre escola, sobre dramas adolescentes e situações cômicas que vão se originando disso. Mas, no final, começa interessante, é coerente até certa parte, a tentativa de salvação quanto à escola e tal, só que quando parte para uma batalha final eu achei desnecessário, pois é sobre colegial, sobre jovens com problemas, e aí vai para uma luta super agressiva, que tenta ser descolada, mas é incoerente, em nenhum momento o longa parece querer ir para essa direção e não, não é só porque é inesperado que é bom, é incoerente na minha visão querer criar tudo isso em torno de um filme teen, é um clímax que é bem coreografado, boa montagem, a vingança das protagonistas, mas que acaba sendo inconsistente. Eu não gosto de reclamar de lógica em filmes, acho isso meio desnecessário quando se trata de uma obra de ficção, mas quando se propõe a fazer uma coisa e vai lá, dá a volta e faz outra totalmente contrária, aí eu acho que é falta de harmonia, de uniformidade do próprio longa. Vou ter que usar essa expressão que envolve um palavreado, peço perdão, mas no fim vai para o car4lho.

Uma boa mescla de inspirações, "Clube da Luta Para Meninas" (inclusive, que tradução bosta, Passivonas era muito superior) é um filme bastante engraçado que tem uma boa mensagem, boa ideia e um bom trabalho de direção da Emma Seligman. Com uma dupla protagonista sensacional formada por Ayo Edebiri e Rachel Sennott, que dominam a tela, tendo um carisma gigantesco e uma química impressionante, que faz com que você aprenda a amá-las, elas são talentosas, engraçadas e ambas se equilibram em tela, fazendo uma das melhores duplas do ano no cinema até o momento, como complemento tendo um elenco incrível de coadjuvantes, especialmente Havana Rose Liu, Ruby Cruz, Miles Fowler e Marshawn Lynch. É um filme mega engraçado, que sim, tem problemas, algumas questões polêmicas, mas pelo estilo de humor meio ignorante, que é direto e satírico, me conquistou, eu não esperava curtir, mas achei bem legal mesmo, bem divertido e merece uma chance, apesar de crinjar algumas vezes.

Nota - 7,0/10

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