Crítica - O Último Duelo (The Last Duel, 2021)

Um potencial futuro clássico.

🚨🚨 O texto contém spoilers leves 🚨🚨

Mulheres, no início da humanidade vistas como deusas na terra, tendo sempre funções superiores a dos homens, como cuidar das plantações e a principal delas: dar a luz a novas vidas. Porém, ao longo da humanidade, os homens começaram a se impor, se acharem superiores e com isso durante séculos antes e depois de Cristo, a mulher foi subjugada a ser apenas um objeto de desejos sexuais e reprodução, nas religiões e mitologias, as coisas ruins sempre acontecem por conta da mulher, por exemplo (no cristianismo, o homem é expulso do Paraíso por conta da tentação de uma mulher. Na mitologia grega, todos os tipos de desgraça vem ao mundo dos homens pela tentação de uma mulher), e acredite, vendo a história da humanidade de uma forma mais generalizada e resumida (como geralmente aprendemos), essa visão só começou a mudar bem recentemente. Esse filme pode parecer ser sobre ação, sobre a luta de dois homens pela vida, mas é na verdade um retrato de uma sociedade cruel, sexista e hipócrita.

Na direção temos Ridley Scott, um diretor super aclamado mas que na verdade se você for olhar a carreira dele, é impressionante a quantidade de filmes ruins que ele fez, na minha opinião apenas quatro filmes dele são realmente bons (sem contar esse). Aqui ele se arrisca em fazer algo que ele já fez e fez bem: um épico medieval sobre batalha, ele tinha feito o primeiro na Roma Antiga e agora faz na França do Século XIV, mas ele subverte esse épico da batalha em algo mais, uma verdadeira crítica à história da humanidade, uma crítica ao quanto o homem é obcecado pela superioridade e pela reputação, mostrada muito bem pelos dois protagonistas masculinos do filme. Ele também é muito bom em dar o tom épico ao filme, ninguém faz um clímax tão bom quanto o Ridley quando ele tem vontade e paixão pelo filme, só olhar "Blade Runner" e "Gladiador", aqui também é assim, o final do filme é épico, mas como esse parágrafo já tá longo, vou falar sobre em um dos próximos.

O filme acompanha três visões diferentes de uma mesma história: a visão de Jean De Carrouges (Matt Damon), um homem narcisista e filhinho da mamãe, Jacques Le Gris (Adam Driver), um estuprador mentiroso e Marguerite De Carrouges (Jodie Comer), a única e verdadeira vítima dessa história, as três visões são muito bem equilibradas e manipuladas por Ridley. No primeiro capítulo vemos a verdade de Jean De Carrouges vemos uma visão romantizada de seu relacionamento com Marguerite, mostrando ele como um homem que sofre por ser sempre ferrado pelo rei, tendo suas futuras terras confiscadas pelo governo, perdendo sempre processos e sendo traído pelo seu ex-melhor amigo. Sinceramente o primeiro capítulo é a pior parte do filme, pois é meio sem graça, não cativa, não engrena, sempre fica na mesmice de sempre de problemas cotidianos difíceis de entender a uma primeira vista, até que no final engrena e vem sendo uma baita história ao longo do desenvolvimento dos próximos capítulos.

No segundo capítulo vemos a verdade de Jacques Le Gris, onde vemos ele como um homem usado como um peão pelo rei, sempre sendo manipulado por chantagens e sendo obrigado a fazer tudo o que o rei manda (inclusive participar de suas orgias com garotas de programa onde havia adultério). Nessa parte vemos que Le Gris se achava apenas um homem romântico que se apaixona pela esposa do (ex)amigo pois vê nela um valor que não era visto por Jean De Carrouges (essa última parte até que é verdade), mas demonstra esse amor de uma forma não tão amorosa e olha que até na visão do estuprador, o Ridley não esconde que foi estupro, tem uma cena gráfica, onde mostra o desespero da vítima enquanto mostra uma sensação de satisfação nojenta na cara do culpado, é uma cena pesada, difícil de assistir, muito bem dirigida para dar essa sensação de que estamos vendo um ato tão repugnante em tela.

No terceiro ato vemos a realidade sobre o caso, uma visão neutra sobre a rivalidade entre os dois homens: a visão da vítima e aqui vemos a real face de Carrouges e Le Gris, vemos Carrouges com um homem mimado, narcisista, que não liga para nada além de seus pertences e sua reputação e vemos Le Gris como um galã metido a apaixonado mas que na verdade é um estuprador nojento (infelizmente esses dois arquétipos são presentes na sociedade até hoje). A visão de Marguerite é a parte mais triste e dark do filme, o filme chega a ficar difícil de assistir, é muito triste ver a vítima sendo xingada, desencorajada, realmente injustiçada e a metáfora do cavalo... A metáfora do cavalo é perfeita, vemos exatamente a situação de Marguerite através de uma égua, uma égua de guerra brilhante de uma linhagem nobre que é estuprada e ferida por um garanhão monstruoso e descontrolado, assim como foi sua vida, isso fica claro vendo a roupa de Le Gris na cena de estupro: toda preta, igual ao cavalo.

O capítulo de Marguerite encerra-se com o que tem no título: o último duelo, um duelo até a morte de dois homens lutando por sua vida, é uma das melhores cenas do ano, talvez a melhor, o duelo fica melhor mais emocionante a cada minuto, a proporção dele vai aumentando até virar um duelo corpo a corpo. É uma cena épica, pois mostra o desespero de Le Gris e Carrouges no meio da batalha temendo por suas vidas enquanto também é mostrado o desespero de Marguerite ao ver seu futuro sendo decidido por terceiros, é espetacular e o filme termina da melhor e mais crítica forma possível: o homem sendo aclamado por sua glória e a mulher feliz apenas por ter sua vida, é incrível o simbolismo daquela cena.

Gostaria de destacar a atuação do trio protagonista. O Matt Damon manda muito bem, talvez seja a melhor atuação dele em muito tempo, talvez desde "Gênio Indomável", no primeiro ato ele manda muito bem como a vítima fazendo a gente realmente acreditar no ponto de vista dele, no segundo ato ele manda bem ao vermos ele quase como um maluco obcecado em ser o superior e no terceiro ele é muito bom em demonstrar ser um egocêntrico que é doido por reputação e que só liga para o que lhe pertence, ele tem uma inocência que vai para imponência muito fácil, é bom. O Adam Driver manda muito bem em ir de um cavaleiro galanteador a um louco apaixonado a um estuprador vil, ele muda de arquétipo com um desenvolvimento, não é repentino, ele vai mudando ao longo da história e essa involução dele é demonstrada de forma excelente pelo Driver. Mas o destaque é a Jodie Comer, no terceiro capítulo vemos uma atuação de gala, vemos ela perdendo o brilho e a inocência, se tornando uma mulher que é vista como fútil e o único homem que a viu com valor acabou a agredindo e a traumatizando física e mentalmente, ela se torna alguém sombria, que vive depressiva e que tem medo, é uma atuação maravilhosa mesmo.

Eu acho que no futuro "O Último Duelo" será como um "Se7en", um filme incrível que infelizmente flopou na época que foi lançado e acabou ganhando seu verdadeiro valor depois de 10-15 anos, é um verdadeiro épico do cinema, tem ação boa, drama excelente, performances maravilhosas, uma crítica maravilhosa à história hipócrita da humanidade, queria muito ter visto no cinema porque deveria ter sido uma experiência incrível apreciar isso no cinema, beira a obra prima, na minha humilde opinião é o melhor filme da carreira de Ridley Scott, que filme maravilhoso! É um potencial futuro clássico, vejam porque vale a pena demais!

Nota - 9,5/10

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