Crítica - Amor, Sublime Amor (West Side Story, 2021)
Uma história de amor atemporal.
Assuma, você achou que esse filme seria ruim, eu também achava e realmente tinha de tudo para ser ruim, primeiro que remake não dá certo em 75% dos casos. Segundo que Steven Spielberg não é mais o mesmo há muito tempo (quando o último filme dele acima de nota 8 foi lançado, alguns de vocês que tão lendo o texto não eram nem nascidos) e terceiro que o protagonista do filme é o Ansel Elgort e vocês devem saber o que ele fez e eu fiquei com um pé atrás de tentarem reduzir a participação dele no filme e aí o filme ficar todo mal editado, mas, aí começou o burburinho encima do filme, demorou para lançar, adiado em mais de um ano, pulou circuito de festivais, foi uma confusão, mas lançou e quando lançou eu me surpreendi que as críticas encima do filme eram extremamente positivas, dizendo que era melhor que o original e quase como um consenso, aí eu já comecei a criar expectativas e agora, elas foram superadas, eu vou além, não é só um dos melhores filmes de 2021 e superior ao clássico, é um dos melhores filmes que eu já vi na vida, é um dos melhores filmes do Spielberg e o melhor musical da história dessa arte.
Spielberg já tava querendo fazer esse filme há muito tempo, mas quase ninguém queria comprar o filme porque achavam que o velho tava ficando biruta de mexer em um clássico do cinema e ainda mais de um gênero que ele nunca havia trabalhado e geralmente muitos diretores vem com essa balela nas entrevistas sobre o filme de que "ai, eu queria fazer esse filme há muito tempo, é uma história que eu sempre quis contar" e aí chega no filme e é totalmente sem personalidade e parece que foi feito sem vontade (não vou citar nomes mas quem já lê meus textos há algum tempo sabe de quem eu tô falando...), o Spielberg não só deu personalidade própria ao filme como ainda demonstrou vontade para superar o original, é um filme bastante único, apesar de já terem feito o mesmo filme há 60 anos, o Spielberg consegue distanciar esse do original e de qualquer outro dos filmes dele, é um filme tão mágico e tão triste ao mesmo tempo que assistir ele é um sentimento único, é um mix de emoções que é inexplicável.
Eu não sou tão fã do original de 1961, não me desce porque na época pode ter sido espetacular, mas hoje em dia se você for ver, é um filme besta, o Spielberg muda totalmente o tom do filme, dá um tom mais pesado, mais realista e bem mais sombrio, nesse filme os Jets e os Sharks não querem resolver os problemas na batalha de dança, aqui é porradaria, luta de faca, empurrão, algo que conversa mais com os dias de hoje, porque se tu for pensar que duas gangues criminosas querem resolver os problemas dançando, tu começa a rir. Spielberg traz um tom um pouco mais sério até para a cena onde o casal se apaixona, onde no original tem toda uma estrutura fantasiosa, aqui ele só coloca em câmera lenta no meio do cenário cujo a trama está rolando e até o tom dramático colocado é funcional e sinceramente do jeito que o Spielberg faz fica até mais crível e bem mais agradável tudo dentro do filme. Uma coisa também fascinante dentro do filme é como o Spielberg dá um tom teatral para tudo que acontece dentro de cenários cinematográficos, os movimentos dos personagens são teatrais, qualquer queda, qualquer andar, qualquer movimento com qualquer objeto, tem muito uma linguagem teatral e uma coreografia meio ballet e meio clássica e isso é lindo de se ver.
Outra coisa que o Spielberg coloca para trazer mais para realidade são diálogos em espanhol, ele mesmo disse que quis colocar espanhol e pediu para que não colocassem legenda em nenhum país para justamente as pessoas sentirem a confusão que os estadunidenses sentem ao ouvir outro idioma enquanto obrigam os estrangeiros a aprenderem a língua deles, e hoje em dia o original é todo errado com essas questões do espanhol, que geral do elenco do filme se escurecia para parecer latino e o Spielberg aqui faz uma crítica pesada a xenofobia e como as pessoas tratam mal os estrangeiros e ele demonstra esse medo através de toda a gangue dos Sharks e principalmente através da Anita (Ariana DeBose) e são questões bastante atuais, principalmente que o presidente norteamericano na época das gravações era um xenófobo descarado e é muito válido tudo que esse filme fala sobre o assunto. Outra questão que esse filme fala é sobre transexualidade, enquanto no original o personagem Anybodys (nesse filme interpretado por Iris Menas) era só uma mulher com trejeitos masculinizados, aqui o Spielberg fala que é transgênero através de alguns diálogos e nas notas de produção, ele dá até um background para o personagem e trabalhar essas questões, ainda mais hoje em dia onde está mais em pauta do que nunca e tem que falar sobre, o melhor é que não é forçado, ele pega algo implícito no original e descara aqui.
Se tem uma coisa que o Spielberg trabalha bem independente da qualidade do filme é a parte técnica. Eu gosto muito da coreografia do filme, é um filme bem coreografado e as danças se combinam muito com os cenários, os cenários que são ABSURDOS, a construção daquele lado sombrio da cidade, em ruínas, cenários mais acinzentados, demonstra bem o quanto aquele lugar é quebrado e perigoso e as vezes tem uns planos abertos que valorizam bastante as construções dos prédios, das ruas e essas reconstruções perfeitas dos anos 60. E eu citei plano aberto, a fotografia é maravilhosa também, traz logo outro Oscar para o Janusz Kaminski, o jeito como ele mostra aqui essas locações e esses personagens é mágico, a cena do encontro depois do baile é automaticamente icônica e como ele filma os personagens se encontrando e tendo o seu momento é verdadeiramente especial, foi naquele momento que o filme não se mostra só um drama potente e um musical potente, se mostra um romance tão potente quanto e é bem aquela coisa shakespeariana mesmo com diálogos exagerados e bem trovadorescos. E também é um filme espetacular em questão de figurino, dá bastante personalidade ao filme, os Jets tem bastante personalidade, os vestidos das personagens femininas são muito bem feitos e também é absurdo o quanto o figurino agrega a parte visual do filme, só olhar os pôsteres e as imagens que isso é perceptível.
E como disse acima, é um filme bem shakespeariano, assumidamente baseado na clássica história de Romeo & Julieta e o acho que é nessa parte do romance onde o filme mais convence, pois dá para sentir através do visual do filme, da trilha sonora e da atuação dos protagonistas que aqueles personagens realmente se amam e que o amor deles supera qualquer barreira e é muito bonito a paixão deles acontece repentinamente e o romance vai sendo desenvolvido ao longo de toda a trama. O destaque para Rachel Zegler e Ansel Elgort também é necessário, falo mais no parágrafo seguinte para esse não ficar tão longo.
Eu não queria exaltar o Ansel Elgort porque ele como pessoa é um babaca, o que ele fez é completamente imperdoável e eu espero que ele nunca mais faça nada na vida dele, mas ele como ator é muito bom e aqui ele tem a melhor atuação da carreira dele, ele faz você se importar com o Tony, ele convence demais, ele dá uma alta complexidade para o personagem, ele tem o background dele bem mais explorado que no clássico, ele demonstra perfeitamente a emoção de paixão, ele faz de forma bastante convicta e ele também canta muito bem, a cena dele cantando "Maria" é absurdo. E é inacreditável saber que essa foi a primeira atuação profissional da Rachel Zegler, ela é o destaque do filme na minha opinião, ela consegue transpassar uma versão ainda ingênua e apaixonada porém mais valente e mais sonhadora da Maria, ela está sempre no ponto certo, ela deixa a Maria uma personagem identificavél e apaixonante, você entende o que ela passa, que ela é tratada como criança apesar de ser adulta, que ela não tem decisões próprias, sempre todo mundo se intromete na vida dela e ela demonstra esse cansaço e dá para entender bem fácil o que ela tá sentindo e a Rachel Zegler demonstra isso muito bem, além de ter uma voz poderosa, quase angelical, a potência vocal dela é assustadora. Uma das melhores atuações saindo de ulma YouTuber, quem diria.
Também gostaria de dar destaque para o Mike Faist como Riff, o personagem do Riff aqui também é bem melhor explorado, tem um background diferente, menciona que ele tem um pai abusivo e o Mike Faist faz um papel que ele convence bem como um cara que ele é meio marginal, meio babaquinha, mas que é um cara meio quebrado por dentro, meio problemático e dá para entender o porquê dele ser daquele jeito perfeitamente. E também tem Ariana DeBose, é muito difícil fazer um papel que já foi feito magistralmente pela Rita Moreno, mas ela consegue ser tão boa quanto, quando ela aparece na dela o filme ganha uma força, ganha um brilho, ela aparece e rouba a cena para ela, na última cena que ela aparece é a cena que vai garantir o Oscar para ela com certeza, ela faz a Anita de uma forma onde ela mostra perfeitamente sensações de amor, de raiva, de medo, de desconforto e até na parte musical, onde ela canta e dança, é uma atuação absurda.
Não sei se o impacto é momentâneo ou permanente, mas o impacto que "Amor Sublime Amor" me causou por agora é muito profundo. É um filme com tantas camadas, com momentos felizes, engraçados e coloridos e com momentos tristes, sombrios e acinzentados, é um filme muito único e muito especial, a história na visão do Spielberg é contada de forma tão sensível, tão necessário e tão humana que é impossível para mim não se conectar com aquela história e aqueles personagens instantâneamente. Esse filme é a prova: nunca duvide de Steven Spielberg, que ele volta e faz mais uma obra-prima. De novo, um dos melhores filmes de 2021, o melhor musical que eu já vi e um dos melhores filmes que eu já vi na minha vida inteira até hoje, que filmaço, que FILMAÇO!
Nota - 10/10