Crítica - Mães Paralelas (Madres Paralelas, 2021)
Dor. Apenas dor.
🚨🚨 Texto com spoilers 🚨🚨
De uns tempos para cá, Pedro Almodóvar, um dos maiores diretores espanhóis de todos os tempos (se não, o maior), vem mudando seu estilo de storytelling, ele que sempre contava as histórias de seus filmes com um tom um pouco mais cômico, as vezes puxando até para sátira, uma boa parte são suspenses cômicos, agora vem fazendo filmes mais pesados e, de certa forma, até nilistas, mas sempre com histórias semelhantes as que ele sempre fez, no anterior a esse, o elogiadíssimo "Dor e Glória" ele faz um filme sobre um pseudônimo dele (coisa que ele fez outras milhares de vezes) e faz em um tom dramático e pensativo, aqui também ele faz isso de novo, mas dessa vez com outro arquétipo de filme clássico da sua filmografia: filmes sobre maternidade, na minha opinião, o melhor filme do Almodóvar é um filme sobre maternidade, que é o "Tudo Sobre Minha Mãe", e se o "Tudo Sobre a Minha Mãe" já é um pouco pesado, esse aqui consegue ser dez vezes mais pesado, mais doloroso, é um filme difícil de ver, é triste o tempo inteiro, mas o jeito como o Almodóvar cria e conta aquela história, estabelece laços entre aqueles personagens e faz um filme com uma carga tanto dramática quanto de ansiedade e de incerteza, é fascinante e de pura maestria.
O filme fala sobre maternidade solo, duas mulheres que são companheiras na sala de parto e o Almodóvar traz dois extremos: Janis (Penélope Cruz), a mulher de 40 anos que sonha em ter filhos mas nunca conseguiu e, portanto, essa é a oportunidade que ela tem, apesar de saber das dificuldades de ser mãe solteira, ela vai enfrentar todos os obstáculos e desafios assim como suas antepassadas, e Ana (Milena Smit), uma adolescente que foi violada por três colegas de escola enquanto estava sob efeitos de álcool e substâncias ilícitas não especificadas e acabou engravidando de um deles e foi expulsa de casa pelo próprio pai e vai ter que se virar como uma mãe solteira com 17 anos. A primeira cena que elas se encontram é incrível e ali nasce uma relação que acaba sendo criada pela identificação de uma com a outra por motivos lógicos e ao longo do filme o Almodóvar vai trabalhando cada vez mais essas personagens e como cada uma delas vai lidando com a maternidade, até que vai acontecendo reviravolta atrás de reviravolta e o filme ganha uma tensão que deixa o espectador amarradinho na tela.
Acho muito bom a forma que o Almodóvar mostra ambas as personagens agindo como mães, para depois, ao longo da história, ir destruindo isso, mostra a Janis como uma mãe preocupada, atenciosa, que põe a filha acima de tudo e que não suportaria mais viver sem a filha, e também mostra Ana como uma criança que vai ganhando responsabilidade e se tornando uma boa mãe, surpreendo a sua mãe, Teresa (Aitana Sanchez-Gijó) e a Teresa é outro arquétipo de mãe que é interessante analisar, pois ela é uma mãe que teve a filha arrancada dela no divórcio e que o ex-marido fez a devolução dela depois de anos em condições não muito boas (off - uma dica aí para quem é pai, mãe e tiver uma filha que pode engravidar na adolescência: não corra ela de casa, dê apoio a ela, por mais que ache a gravidez burrice e irresponsabilidade, apoio é o que ela vai mais precisar, especialmente se a gravidez vier de uma relação sem consenso assim como o caso do filme), a Teresa tinha uma vida praticamente pronta como atriz e que precisou ser parcialmente interrompida com o retorno da filha, que retornou como uma desconhecida pra ela, então é um ponto de vista muito legal de tentar enxergar e empatizar com a personagem.
A relação que é constituída naquela sala de parto e depois vai se desenrolando ao longo do filme é o ponto forte do filme na minha visão, pois começa como uma relação de empatia porque cada uma tá passando por uma situação semelhante, depois vai virando uma relação de colega, onde a pessoa não é uma amiga tão próxima, mas você conversa as vezes, depois vira amizade mesmo, com conversas sinceras, desabafos e abraços, depois vira uma relação de patroa e empregada mas ainda estando nessa relação de amizade e depois vira um lance carnal, com atração sexual mútua, é uma relação que vai evoluindo e cada vez mais você vai percebendo o quão próximas aquelas personagens estão ficando, mas enquanto isso, o Almodóvar brinca com o fato do mistério, pois a Janis sempre quer contar o segredo e você vai sempre sendo lembrado disso e acontece uma tensão enorme, até que os segredos são revelados e o Almodóvar estabelece um tom dramático que deixa o filme deprimente e um pouco difícil de ver na última meia hora de filme.
E as duas atrizes mandam muito bem, a Penélope Cruz é uma força da natureza, que atuação completamente absurda! Espetacular! Arrepiante! Qualquer elogio com ponto de exclamação para exagerar é merecido, através do comportamento corporal dela dá para saber o que a Janis tá sentindo, dá para sentir a dor da maternidade, a dor de segurar os segredos e ela tentando disfarçar a dor através de uma maternidade de uma bebê que ela sabe que não é dela, ela consegue transpassar isso absurdamente e na cena que ela conta e depois o pós disso, é inacreditável o que faz a Penélope na atuação, para mim nas atuações de 2021 ela é a melhor. E Milena Smit como Ana também manda super bem, é o primeiro grande filme dela e que achado é essa guria, ela passa essa dor da personagem em relação ao seu passado e sua família, as vezes ela utiliza-se de faltas de expressões para tentar passar coisas que a personagem tá sentido, principalmente em relação aos medos e traumas delas e acho que no desenvolvimento do segundo ato do filme ela destrói! Incrível a performance.
É um filme que tem contexto histórico, pois o bisavô de Janis morreu na Guerra Civil Espanhola após o golpe de Francisco Franco e quem já viu a história dessa guerra, ou conhece sobre o Franco, sabe o trauma que ele causou em milhões de famílias ao longo de toda a Espanha, esse filme fala sobre isso, como até hoje tem sequelas disso e como o Franco sempre será lembrado como o pior capítulo da história recente da Espanha (inclusive, quem acompanha futebol, deve saber que o Franco financiava o Real Madrid, comprava títulos e, basicamente, começou a dinastia do Real no futebol, com uma história suja), a cena final onde os esqueletos ganham forma humana é uma simbologia a isso, de como a humanidade e dignidade foi arrancada a força do povo espanhol é só voltou após o fim da ditadura de Franco, que até hoje tem famílias traumatizadas por conta disso. Só tem uma coisa que eu não curti no filme: visual, é um filme muito pastelizado visualmente, as cores são incomodativas e quando a câmera aproxima demais com muito foco no rosto de alguém, faz o cenário parecer um chroma key mal feito, mas isso sinceramente não é um problema tão sério do filme.
"Mães Paralelas" é um filme doloroso, sofrível e difícil (em um bom sentido), é um filme onde vemos vários retratos sobre vários tipos de maternidade e aqui o Almodóvar dá uma aula de como desenvolver personagens e laços entre personagens, além de dar mais uma aula de storytelling dramático. Um show de atuação da Penélope Cruz, não sei se eu considero a melhor atuação da carreira dela porque ela é uma atriz do caramba e definir uma atuação como a melhor é difícil, mas acho que em um top 3 ela entra. Filme bastante original, cativante, instigante e lindo!
Nota - 8,5/10