Crítica - O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley, 2021)
Uma ascensão e queda fantasiosa do jeito mais Del Toro possível.
Depois do seu Oscar por "A Forma da Água" (até hoje eu não sei como ele ganhou), Guillermo Del Toro, um dos diretores mais queridos da atualidade, está de volta. Del Toro nessa vez arrisca por fazer um remake do filme "O Beco das Almas Perdidas" de 1947, Del Toro é acostumado a pegar histórias clássicas e fazer uma versão sua do seu jeito imaginativo e psicodélico, só ver "O Labirinto do Fauno" que é uma reimaginação bizarra de "Alice no País das Maravilhas" e o próprio "A Forma do Água" que é a reimaginação de "A Bela e a Fera" pela mente doida do Del Toro, vou ser sincero que eu não vi o filme de 1947, não sei se ele muda muito, faz do jeito dele ou se faz a mesma coisa, mas eu consigo ver muito a mão dele aqui, principalmente por ser um filme que começa relativamente de boa e ao longo dele vai ficando cada vez mais bizarro e mais assustador.
Eu acho a primeira hora desse filme fascinante, que é o Stan (Bradley Cooper) adentrando esse mundo circense, descobrindo vários truques e começando a criar laços com a galera do circo, tem o Clem (Willem Dafoe) que é meio que o cara que bota ele dentro do circo e vai mostrando para ele cada vez mais as bizarrices que envolve ali dentro, o personagem em si do Clem é meio bizarro porque ele coleciona bebês/filhotes e o truque dele é jogar galinhas para ter a cartilagem ruída por um bêbado triste que conseguiu esse emprego sendo totalmente enganado e o personagem é bem a cara do Willem Dafoe, ele se diverte muito ali fazendo a participação dele porque ele se sai muito bem nessa zona de conforto de fazer personagens esquisitos. Também mostra uma relação dele com a Zeena (Toni Collette), uma relação meio de mentora e aluno, mas uma relação que uma vez ou outra vai além disso (atos libidinosos com intenções reprodutivas) e tem a relação dele com o Pete (David Strathairn) que é muito boa, uma relação de professor e aluno, quase como uma de pai e filho, onde o Pete vai ensinando os truques mensalistas para ele e eu gostei muito da atuação do David Strathairn, ele é incrível fazendo esse papel de um cara sábio, excêntrico, ele se diverte muito ali e quando ele tá bêbado, ele convence demais, ele consegue fazer você sentir o cheiro da bebida de alguma forma, realmente uma excelente performance.
Mas a principal relação que o Stan cria nessa parte do circo e que após isso vai se desenvolvendo ao longo do filme quase todo, é a relação com a Molly (Rooney Mara), que faz o papel da menina bonitinha, fofa, com truque besta e que geralmente chama a atenção por ser uma bela moça, ao longo do filme a gente vai vendo o desenvolvimento da relação indo de amor, cansaço e outros sentimentos que dá para sentir na atuação dela e eu gostei do trabalho dela também, ela manda bem nesse papel da garota fofa que vem tendo a "inocência perdida", pois dá para ver que ela era um pouco mais infantil e que sempre aproveitaram isso dela e aí ao longo do filme a gente vai vendo ela com medo, vendo ela se sentindo presa numa relação que ela mesmo se colocou e agora não consegue mais sair e a Rooney Mara é maravilhosa em demonstrar sentimentos de situação em todas as atuações dela.
É um filme que eu vejo como uma história de ascensão e queda, o filme me pareceu uma versão noir de "Touro Indomável" mas com circo ao invés de boxe, do cara novo que vem do nada, aprende, vira o melhor, fica no topo por anos, mas que é um cara perturbado, traumatizado e que tem grandes chances de ficar perdido pelo resto da vida. Acho que o Del Toro faz bem isso, a cada segundo o personagem do Bradley Cooper vai ficando mais maluco, até que chega uma hora onde ele fica insano e viciado por seus golpes e mentiras, por conta de motivos gananciosos e até por motivos pessoais de querer ficar no topo enganando os outros e eu vi gente criticando a atuação do Bradley, mas eu achei que ele vai muito bem nisso, ele vai demonstrando perfeitamente essa queda do personagem e o brilho do personagem vai sumindo durante o filme até chegar no final onde ele tá sujo, bêbado, vunerável, feio e completamente perdido no mundo (e a última cena é muito boa).
Mas, é um filme problemático, primeiro que o Del Toro não é mais o mesmo, ele já fez vários filmaços e aqui ele vai bem, mas sinto uma falta de vontade por parte algumas vezes, ele dá algumas soluções muito preguiçosas para algumas coisas, ele começa relações entre personagens do nada e nem dá tempo de comprar, como a relação do Stan com o Ezra (Richard Jenkins) que é bastante repentina e não dá para sentir uma proximidade grande. Acho que no final ele dá uma viajada legal e os últimos 30 minutos, com exceção da última cena, são péssimos, ele tenta fazer um plot twist que sinceramente até agora eu não entendi o que aconteceu e a cena é bizarra, ele tenta emular ele mesmo de antigamente mas ele não conseguiu fazer de uma forma tão impactante quanto ele fazia quando mais novo e também acho que não é um filme para qualquer um, se o filme não te prender, você não vai gostar nem um pouco, é um filme que necessita de uma certa atenção para gostar e eu dei essa certa ascensão, porém, existe uma certa necessidade de paciência e nem todo mundo pode ter para esse filme, eu gostei porque achei fascinante, mas é um filme bem oito ou oitenta.
Falando da parte técnica que merece um destaque porque é sensacional, principalmente em questões artísticas e visuais. É um filme fascinante por questões de figurino, direção de arte, maquiagem, fotografia, uso de luz e sombra e vários outros fatores. O figurino e a maquiagem do filme te põem na vivência daqueles personagens, os figurinos da época e maquiagem complementando com aqueles bigodes, rugas e a maquiagem que se destaca no filme são as das aberrações. A direção de arte do filme te coloca naquela época, o design artístico na parte do circo é sensacional, cada barraquinha ali tem uma vida própria, um carisma e o jeito meio acinzentado e meio colorido que o Del Toro apresenta em equilíbrio é bastante interessante. A fotografia do filme é realmente bem interessante, é uma fotografia diferenciada em questão de movimento de câmera, enquadramentos e uma das coisas que eu achei interessante na cinematografia é que quando a câmera chega perto do personagem do Bradley Cooper sempre que ele vai demonstrar algum tipo de emoção genuína, como amor, medo, tristeza e etc. A câmera fica bem próxima do rosto dele e a gente vai vendo de uma forma mais intimista e humana as emoções do personagem.
Eu esperava pouco de "O Beco do Pesadelo", acho que a expectativa baixa me ajudou a gostar. É um filme que tem seus erros, mas que eu achei um bom filme, o jeito que o Del Toro apresenta essa história de ascensão e queda é bastante interessante, o desenvolvimento da história e como o personagem vai perdendo mais a sanidade a cada segundo é bastante fascinante. O filme tem um elenco legal, uma história bacana e é um filme que passa na média. Mas, na real, Del Toro PRECISA voltar a fazer uns filmes em espanhol para recuperar o ritmo e o tesão por fazer cinema.
Nota - 7,5/10